segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

PESTE NEGRA

A pandemia que quase despovoou a terra

Peste negra é a designação pela qual ficou conhecida, durante a Baixa Idade Média, a pandemia de peste bubônica que assolou a Europa durante o século XIV e dizimou entre 25 e 75 milhões de pessoas (mais ou menos um terço da população europeia), sendo que alguns pesquisadores acreditam que o número mais próximo da realidade é de 75 milhões,  aproximadamente um terço da população mundial da época.



doença é causada pela bactéria Yersinia pestis, transmitida ao ser humano através das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-pretos(Rattus rattus) ou outros roedores.
A condição inicial para o estabelecimento da peste foi a invasão da Europa pelo rato preto indiano Rattus rattus (hoje raro). O rato preto não trouxe a peste para a Europa, mas os seus hábitos mais domesticados e mais próximos das pessoas criaram condições para a rápida transmissão da doença. A sua substituição pelo Rattus norvegicus, cinzento e muito mais tímido, foi certamente importante no declínio das epidemias de peste na Europa a partir do século XVIII.


A peste foi quase certamente disseminada pelos mongóis, que criaram um império na estepe no final do século XIII. Gêngis Khan com as suas hordas de nômades mongóis conquistou toda a estepe da Eurásia setentrional, da Ucrânia até à Manchúria. Teriam sido os mongóis que, após a sua conquista da China, foram infectados na região a sul dos Himalaias pela peste, já que essa região alberga um dos mais antigos reservatórios de roedores infectados endemicamente.
Os guerreiros mongóis teriam infectado as populações de roedores das planícies da Eurásia, da Manchúria à Ucrânia, cujos reservatórios de roedores infectados endemicamente existem hoje. Os ratos pretos das cidades e do campo da Europa ocidental não são suficientemente numerosos ou aglomerados em grandes comunidades para serem afetados endemicamente, e terão sido afetados pela epidemia do mesmo modo que as pessoas, morrendo em grandes quantidades até acabarem os indivíduos suscetíveis, ocorrendo nova epidemia quando surgia uma nova geração. Logo terão sido apenas os mediadores da infecção entre por um lado os mongóis e os roedores infectados da sua estepe, e os europeus.


Deste modo explica-se que, ao contrário de qualquer época precedente, a peste tenha surgido em quase todas as gerações na Europa após o século XIV: estava estabelecido um reservatório da infecção logo às suas portas, na Ucrânia (onde de fato foram as epidemias mais frequentes, até à última que aí se limitou). Também é por esta razão explicado o fato da peste ter atingido simultaneamente a Europa, a China e o Médio Oriente, já que as caravanas da Rota da Seda facilmente comunicaram a doença a estas regiões limítrofes da estepe. A peste melhorou as condições de trabalho do feudalismo devido à escassez de mão de obra.

Progressão anual da Peste Negra na Europa no século XIV. A cor verde indica zonas pouco atingidas

A peste responsável pela epidemia do século XIV surge durante o cerco à colônia de GénovaCaffa, na Crimeia (Rússia), em outubro de 1347 pelos tártaros (um povo mongol ou túrquico) auxiliados pelos venezianos. A peste matou tantos tártaros que foram obrigados a retirar-se, não sem antes contaminar a cidade. Ali morreram tantos habitantes que tiveram de ser queimados em piras, já que não havia mão de obra suficiente para enterrá-los.
Constantinopla teria sido infectada na mesma época. Vários navios genoveses fugiram da peste, indo atracar aos portos de MessinaGénova, Marselha e Veneza, com os porões cheios dos cadáveres dos marinheiros. A transmissão teria sido feita pelos ratos pretos de Caffa, que transmitiram as suas pulgas infectadas aos ratos destas cidades. Assim se explica que apesar de algumas cidades terem recusado os navios, tenham sido infectadas igualmente, já que os ratos escapavam pelas cordas da atracagem.
Assim descreve Bocaccio os sintomas: "Apareciam, no começo, tanto em homens como nas mulheres, ou na virilha ou nas axilas, algumas inchações. Algumas destas cresciam como maçãs, outras como um ovo; cresciam umas mais, outras menos; chamava-as o povo de bubões. Em seguida o aspecto da doença começou a alterar-se; começou a colocar manchas de cor negra ou lívidas nos enfermos. Tais manchas estavam nos braços, nas coxas e em outros lugares do corpo. Em algumas pessoas as manchas apareciam grandes e esparsas; em outras eram pequenas e abundantes. E, do mesmo modo como, a princípio, o bubão fora e ainda era indício inevitável de morte, também as manchas passaram a ser mortais".
Uma das maiores dificuldades era dar sepultura aos mortos:
"Para dar sepultura à grande quantidade de corpos já não era suficiente a terra sagrada junto às Igrejas; por isso passaram-se a edificar igrejas nos cemitérios; punham-se nessas Igrejas, às centenas, os cadáveres que iam chegando; e eles eram empilhados como as mercadorias nos navios".

Médico da Idade Média com roupa "protetora" anti-peste

Em Avinhão, na França, vivia Guy de Chauliac, o mais famoso cirurgião dessa época, médico do Papa Clemente VI. Chauliac sobreviveu à peste e deixou o seguinte relato:
A grande mortandade teve início em Avinhão em janeiro de 1348. A epidemia se apresentou de duas maneiras. Nos primeiros dois meses manifestava-se com febre e expectoração sanguinolenta e os doentes morriam em três dias; decorrido esse tempo manifestou-se com febre contínua e inchação nas axilas e nas virilhas e os doentes morriam em 5 dias. Era tão contagiosa que se propagava rapidamente de uma pessoa a outra; o pai não ia ver seu filho nem o filho a seu pai; a caridade desaparecera por completo". E continua: Não se sabia qual a causa desta grande mortandade. Em alguns lugares pensava-se que os judeus haviam envenenado o mundo e por isso os mataram.
No meio de tanto desespero e irracionalidade, houve alguns episódios edificantes. Muitos médicos se dispuseram a atender os pestosos com risco da própria vida. Adotavam para isso roupas e máscaras especiais.
Em Portugal, a peste entrou no outono de 1348. Matou entre um terço e metade da população, segundo as estimativas mais credíveis, levando a nação ao caos. Foram inclusivamente convocadas as Cortes em 1352 para restaurar a ordem.
Um dos efeitos indiretos da peste em Portugal seria a revolução após o reinado de D. Fernando (Crise de 1383-1385).
A peste, que nunca antes existira na península Ibérica, voltou a Portugal várias vezes até ao fim do século XVII, ou seja, sempre que nasciam suficientes novos hóspedes não imunes. Nenhuma foi nem remotamente tão devastadora como a primeira, mas a Grande Peste de Lisboa em 1569 terá matado 600 pessoas por dia, ao todo 60 000 habitantes da cidade terão sucumbido.

Judeus eram queimados vivos.

Flagelantes: movimento religioso místico que surgiu como reação à peste

A doença voltou a cada geração à Europa até ao início do século XVIII. Cada epidemia matava os indivíduos susceptíveis, deixando os restantes imunes. Só quando uma nova geração não imune crescia é que havia novamente suficiente número de pessoas vulneráveis para a infecção se propagar. No entanto nenhuma destas epidemias foi tão mortal como a primeira, devido às modificações de comportamento e à eliminação dos genes (como alguns do MHC- ver sistema imunitário) que davam especial susceptibilidade aos seus portadores. Epidemias notáveis foram a Peste Espanhola de 1596-1602, que matou quase um milhão de espanhóis, a Peste italiana de 1629-1631, a Grande Praga de Londres de 1664-1665 e a Grande Peste de Viena em 1679.
A peste londrina é especialmente interessante porque foi a última naquela cidade. O Grande fogo de Londres logo no ano seguinte, em 1666 queimou completamente as casas de madeira e telhados de colmo comuns até então, e novos materiais como a pedra, os tijolos e as telhas foram usados na construção de novas casas, contribuindo para afastar os ratos das habitações.
As primeiras descrições da peste na China relataram os casos ocorridos em 1334 na província de Hubei, aparentemente casos limitados. Entre 1353 e 1354, com a China sob domínio dos mongóis, uma epidemia muito mais extensa ocorreu, nas províncias de HubeiJiangxiShanxiHunanGuangdong (Cantão), GuangxiHenan e Suiyuan. Os autores da época estimaram, talvez exageradamente, que de um terço a dois terços da população da China teria sucumbido, em algumas regiões mais de 90% da população.


A doença entrou na região pelo sul da estepe, atual Rússia, em 1347, com as tropas do general Malik Asraf que regressava a Bagdad após campanha militar na estepe do Azerbeijão. No final de 1348 já está no EgitoPalestina e Antióquia, espalhando a morte. Meca foi infectada em 1349, sendo a doença trazida pelos peregrinos para o Hajj, e depois o Iémen em 1351. Morreu cerca de um quarto da população da época.
A terceira pandemia ocorreu no século XIX, mas a sua disseminação foi efetivamente travada pelos esforços das equipes sanitárias.
Terá sido nesta altura que os roedores selvagens das pradarias americanas e do Brasil foram infectados.
Esta pandemia matou 12 milhões de pessoas na China e Índia.

Yersinia pestis vista em uma ampliação de 200x. Esta bactéria, transportada e espalhada por pulgas, é geralmente considerada a causa de milhões de mortes.

O primeiro investigador a considerar a peste negra uma doença infecciosa foi Rhases, um médico árabe, no século X. As primeiras medidas eficazes de saúde pública foram tomadas nos portos mediterrânicos europeus. A quarentena permitia aos portuários verificar a presença da peste e conter a sua disseminação eficazmente, sequestrando os ocupantes de um navio durante um período superior ao da incubação da doença.
No entanto foi quando da Terceira Pandemia que começou a investigação científica mais séria sobre a doença, por investigadores trabalhando na Ásia nos anos de 1890. O francês Paul Louis Simond identificou a pulga dos roedores como principal vetor de transmissão. Em 1894, em Hong Kong, o bacteriologista suíço Alexandre Yersin isolou pela primeira vez a Yersinia pestis, e determinou o seu modo de transmissão, tendo sido homenageado com a nomeação a partir do seu nome da espécie responsável.
Hoje em dia a peste não é um problema maior de saúde.

Rattus rattus, a espécie de ratazana responsável pela disseminação da peste durante a Idade Média

Amarelo: países com casos de Peste; vermelho, países com comunidades de roedores selvagens infectados com peste

A peste foi uma epidemia extremamente mortífera na EuropaChinaMédio OrienteÁsia e África durante várias épocas, principalmente durante a baixa Idade Média.
A última epidemia significativa ocorreu no fim do século XIX, na China e Índia, mas ainda hoje se registam casos em vários países, principalmente naqueles em que há populações de roedores selvagens infectados. Há cerca de 2000 casos por ano em todo o mundo, nas regiões em que há roedores infectados.

Ilustração dos principais sintomas da peste pneumônica.

Mesmo se tratada com antibióticos, exceto se na fase inicial, a peste tem ainda uma mortalidade de 15%.

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