segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A ARTE DA AZULEJARIA

Arte

Painel de azulejos da autoria de Jorge Colaço (1922) ilustrando uma cena da Batalha de Aljubarrota que em 1385 opôs os exércitos Português e Castelhano. Em exposição no Parque Eduardo VII, em Lisboa.

O termo azulejo designa uma peça de cerâmica de pouca espessura, geralmente, quadrada, em que uma das faces é vidrada, resultado da cozedura de um revestimento geralmente denominado como esmalte, que se torna impermeável e brilhante. Esta face pode ser monocromática ou policromática, lisa ou em relevo. O azulejo é geralmente usado em grande número como elemento associado à arquitetura em revestimento de superfícies interiores ou exteriores ou como elemento decorativo isolado.
Os temas oscilam entre os relatos de episódios históricos, cenas mitológicas, iconografia religiosa e uma extensa gama de elementos decorativos (geométricos, vegetalistas etc.) aplicados a parede, pavimentos e tetos de palácios, jardins, edifícios religiosos (igrejas, conventos), de habitação e públicos.
Com diferentes características entre si, este material tornou-se um elemento de construção divulgado em diferentes países, assumindo-se em Portugal como um importante suporte para a expressão artística nacional ao longo de mais de cinco séculos,3onde o azulejo se transcende para algo mais do que um simples elemento decorativo de pouco valor intrínseco. Este material convencional é usado pelo seu baixo custo, pelas suas fortes possibilidades de qualificar esteticamente um edifício de modo prático. Mas nele se reflete, além da luz, o repertório do imaginário português, a sua preferência pela descrição realista, a sua atração pelo intercâmbio cultural. De forte sentido cenográfico descritivo e monumental, o azulejo é considerado hoje como uma das produções mais originais da cultura portuguesa, onde se dá a conhecer, como num extenso livro ilustrado de grande riqueza cromática, não só a história, mas também a mentalidade e o gosto de cada época.
Atualmente, a procura por azulejos tem se dado menos por seu valor decorativo e mais por suas características impermeabilizantes, sendo muito utilizado em cozinhas, banheiros e demais áreas hidráulicas.

Azulejo alicatado em El-Hedine, Marrocos.

Técnica desenvolvida e implementada pelos mouros na Península Ibérica e seguida em Espanha com assimilação do gosto pela decoração geométrica e vegetalista, no que se designaria no barroco como horror vacui (horror ao vazio).
Esta técnica necessita de um barro homogéneo e estável, onde, após uma primeira cozedura, se cobre com o líquido que fará o vidrado. Os diferentes tons cromáticos obtêm-se a partir de óxidos metálicos: cobalto (azul), cobre (verde), manganésio (castanho, preto), ferro (amarelo),estanho (branco). Para a segunda cozedura as placas são colocadas horizontalmente no forno assentes em pequenos tripés de cerâmica designados de trempe. Estas peças deixam três pequenos pontos marcados no produto final, hoje em dia importantes na avaliação de autenticidade.
Inicialmente o azulejo não tinha uma dimensão normalizada, mas em Portugal, a partir do século XVI o azulejo passou a ter uma medida quadrada variável entre 13,5 e 14,5 cm, como consequência do aumento de produção pelo maior número de encomendas. Essa situação perdurou até o século XIX.
Técnica para revestimentos em que se agrupam pedaços de cerâmica vidrada cortados em diferentes tamanhos e formas geométricas com a ajuda de uma torquês. Cada pedaço é monocromático e faz parte de um conjunto de várias cores que pode ser mais ou menos complexo, semelhante ao trabalho com mosaico. Esta técnica esteve em voga nos séculos XVI e XVII, mas pela sua morosidade acabou por ser substituído por outras técnicas posteriores. O nome não será o mais correto, porque não se utilizam alicates.
Técnica do final do século XV e início do XVI em que a separação das cores ou motivos decorativos é feita abrindo sulcos na peça que, preenchidos com uma mistura de linhaça, manganês e matéria gorda, evitam que haja mistura de cores (hidrossolúveis) durante a aplicação e a cozedura.

Azulejo de aresta em Fez, Marrocos.

Técnica do período da corda-seca em que a separação das cores é feita levantando arestas (pequenos muros) na peça, que surgem ao pressionar o negativo do padrão (molde de madeira ou metal) no barro ainda macio. Este processo mais simplificado reduz o preço do produto acabado e permite uma maior variedade de padrões, embora o acabamento nem sempre seja perfeito. Com os maiores centros de produção em Sevilha e Toledo esta técnica foi também empregue em Portugal, onde se desenvolve a variante em alto-relevo (azulejo relevado) de padrões com parras. Existem também os raros exemplos de azulejo de "lustre" ou lustrina, em que o seu reflexo metálico final é conseguido colocando uma liga de prata e bronze sobre o vidrado, que é depois cozido uma terceira vez a baixa temperatura, facto que não é muito usual neste tipo de azulejo.
Técnica vinda de Itália e introduzida na Península Ibérica a meados do século XVI. Não é simples clarificar a origem do termo; talvez uma locução italiana para Maiorca, porto de onde eram exportados os azulejos, ou uma metamorfose do termo Opera di Mallica usado desde o século XV para designar a mercadoria italiana exportada do porto de Málaga. O termo faiança, utilizado a partir do século XVII, tem origem no centro italiano Faenza onde era produzida esta cerâmica.
A
 majólica veio substituir a pintura sobre a peça já cozida, a qual era depois vidrada. Veio revolucionar porque após a primeira cozedura é colocada sobre a placa um líquido espesso (branco opaco) à base de esmalte estanífero (estanho, óxido de chumbo, areia rica em quartzo, sale soda) que vitrifica na segunda cozedura( vidro opaco). O óxido de estanho oferece à superfície (vidrado) uma coloração branca translúcida na qual é possível aplicar diretamente o pigmento solúvel de óxidos metálicos em cinco escalas de cor: azul cobalto, verde bronze, castanho manganésio, amarelo antimónio e vermelho ferro(que por ser de difícil aplicação pouco surge nos exemplos iniciais). Os pigmentos são imediatamente absorvidos, podendo posteriormente fazer correções . O azulejo é então colocado novamente no forno revelando, só após a cozedura, as respectivas cores utilizadas.
Técnicas semi-industriais utilizadas a partir do século XIX como a estampilha ou estampagem. 
Azulejo aerografado (ou decoração ao terceiro fogo): pintura do azulejo através de um aerógrafo (pistola de jacto de tinta) em que estampilhas de zinco delimitam as áreas a pintar. Em Portugal a Fábrica de Sacavém empregou bastante esta técnica durante o período Art Déco.

Azulejo esgrafitado com arabescos, Meknes, Marrocos.

Azulejo esgrafitado: técnica em que os elementos decorativos são "abertos" no vidrado raspando-se com um estilete até aparecer o biscoito (base do azulejo). As ranhuras que resultam deste processo podem ser preenchidas com betume ou cal da cor que se deseje.
Azulejo esponjado: aplicação da tinta através de uma esponja ou escova, em que o resultado se assemelha a uma superfície de pedra(rugosa). Com utilização a partir do século XVIII tem maior aplicação em rodapés e lances de escada.
Azulejo estampado (ou impressão a talhe doce): decoração da superfície vidrada através da utilização de um decalque ou decalcomania.
Azulejo estampilhado: decoração da superfície vidrada com trincha através da utilização de uma estampilha, uma peça de metal onde está recortado o motivo decorativo a pintar.
Decoração ao grande fogo: pintura sobre o vidrado remetida posteriormente a uma cozedura com temperaturas superiores a 1200 °C.
Decoração com 3º fogo: pintura com cor sobre o chacote (base do azulejo) ou vidrado submetida a uma cozedura com temperatura moderada.

Albarrada com motivos florais em silhar na Casa dos Patudos, Alpiarça.

Albarrada: motivo decorativo independente (século XVII) que pode ser repetido (século XVIII) e que consiste em ramos de flores em jarra, cesto, vaso ou taça com outros elementos figurativos a ladear (pássaros, crianças ou golfinhos). Caso seja repetido, por exemplo ao longo de um silhar, pode ter outros elementos a servir de divisão (arquitetônicos ou vegetalistas).
Alminhas: painel de azulejos de dimensões reduzidas, ou como elemento autónomo com decoração alegórica representando as almas no purgatório. A base pode apresentar as iniciais P.N (Padre Nosso) ou A.V. (Ave Maria).
Atlante: figura escultórica masculina muito utilizada na antiguidade clássica em substituição do fuste numa coluna. É muito utilizado como motivo decorativo em painéis de azulejo nos séculos XVII e XVIII.
Azulejos enxequetados: agrupamento de azulejos a formar uma malha geométrica em xadrez utilizando elementos alternados de cores diferentes. Também aplicado em Portugal no século XVI até meados do século XVII.
Azulejo de figura avulsa: em que cada azulejo representa um elemento isolado (flor, animal etc., ou até mesmo, descrição de cenas mais complexas). Em Portugal divulgou-se mais o género de figura simples a azul cobalto durante o século XVIII com elementos decorativos nos cantos a ajudar à união visual entre os vário azulejos. Colocados sobretudo em cozinhas e lances de escada encontram-se também aplicados à arquitetura religiosa e com temas populares durante o Estado Novo já no século XX. Os elementos mais complexos foram divulgadas através do azulejo holandês.

Azulejos de padrão com faixa no Paço de São Cipriano, Tabuadelo.

Conjunto azulejar azul e branco composto por motivo de dezesseis peças. Igreja Matriz de Argoncilhe.

Azulejos de padrão: azulejos em grupos de 2x2 até 12x12 que formam uma determinada composição e que, depois de repetidos várias vezes, formam um padrão (p/ex, azulejos de tapete).
Azulejo de tapete: azulejos em grande número, em revestimento parietal, que pela multiplicação de determinados modelos resulta num padrão policromo. Pode ser rematado com frisos, barras ou cercaduras apresentando-se no seu conjunto total semelhante a um tapete.
Balaústre: colunelo (pequena coluna) usado como elemento arquitetônico em balaustradas e que se assume como motivo decorativo em azulejos do século XVIII de modo a criar efeitos espaciais ópticos.
Barra: Remate horizontal e vertical (p.ex. em painéis) compostos por duas ou mais filas de azulejos adjacentes com motivos decorativos variados. Com a mesma função a cercadura é composta por uma só fileira de azulejos. A faixa é composta por meios azulejos (peças retangulares) e pode servir ou não de remate a um painel.
Cartela: motivo decorativo com apogeu no Barroco que serve de fundo a uma determinada imagem ou cena de modo a destacá-la dos elementos circundantes. Pode ter a forma de um pergaminho ou escudo em que os cantos enrolados ou decorações vegetalistas servem de moldura.
Figura de convite: característica dos séculos XVIII e XIX, esta figura representa uma pessoa (lacaio, dama, guerreiro etc.) trajado a rigor e posicionado em locais de entrada de uma habitação nobre (átrio, patamar de escada etc.) em gesto de boas vindas, como que a receber as visitas que chegam. Símbolo do protocolo aristocrático, do poder e riqueza. Produzida em tamanho real com o contorno recortado e geralmente crescendo a partir de um silhar.

Painel historiado do cerco ao Castelo de Torres Novas, painel de Gil Pais, Torres Novas.

Painéis historiados: painéis descritivos representando um determinado acontecimento ou cena histórica, religiosa, mitológica ou do quotidiano.
Silhar (alisar ou alizar): revestimento parietal longitudinal que se desenvolve a partir do chão e tem entre 10 a 12 azulejos de altura.
A palavra em si, azulejo, tem origem no árabe azzelij (ou al zuleycha, al zuléija, al zulaiju, al zulaco) que significa pequena pedra polida e era usada para designar o mosaico bizantino do Próximo Oriente. É comum, no entanto, relacionar-se o termo com a palavra azul (termo persa لاژورد: lazhward, lápis-lazúli) dado grande parte da produção portuguesa de azulejo se caracterizar pelo emprego maioritário desta cor, mas a real origem da palavra é árabe.
A utilização do azulejo pode-se observar já na antiguidade, no período do Antigo Egito e na região da Mesopotâmia, alastrando-se por um amplo território com a expansão islâmica pelo norte de África e Europa (zona do Mediterrâneo), penetrando na Península Ibérica no século XIV por mãos mouras que levam consigo a origem do termo atual. O oriente islâmico impulsiona qualitativamente a produção de revestimentos parietais pelo contato com a porcelana chinesa que, pela rota da seda, surge em vários centros artísticos do próximo oriente. Durante a permanência islâmica na Península Ibérica a produção do azulejo cria bases próprias em Espanha através de artesãos muçulmanos e desenvolve-se a técnica mudéjar entre o século XII e meados do século XVI em oficinas de Málaga, Valência (Manises, Paterna) e Talavera de la Reina, sendo o maior centro o de Sevilha(Triana). Na viragem do século XV para o século XVI o azulejo atinge Portugal, um país já com uma longa experiência em produção de cerâmica. Inicialmente importado de Espanha o azulejo é, mais tarde, empregue como resultado de manufatura própria, não só no território nacional, mas também em parte do antigo império de onde absorve simultaneamente uma grande influência (Brasil, África, Índia).
Com as suas respectivas variantes estéticas o azulejo vai ser utilizado em outros países europeus como os Países Baixos, a Itália e mesmo a Inglaterra, mas em nenhum outro acaba por assumir a posição de destaque no universo artístico nacional, a abrangência de aplicação e a quantidade de produção atingidas em Portugal.

Azulejos com motivo de esfera armilar no Pátio da Carranca, Palácio Nacional de Sintra.

No ano de 1498 o rei de Portugal D. Manuel I viaja a Espanha e fica deslumbrado com a exuberância dos interiores mouriscos, com a sua proliferação cromática nos revestimentos parietais complexos. É com o seu desejo de edificar a sua residência à semelhança dos edifícios visitados em Saragoça, Toledo e Sevilha que o azulejo hispano-mourisco faz a sua primeira aparição em Portugal. O Palácio Nacional de Sintra, que serviu de residência ao rei, é um dos melhores e mais originais exemplos desse azulejo inicial ainda importado de oficinas de Sevilha em 1503 (que até então já forneciam outras regiões, como o sul de Itália).
Embora as técnicas arcaicas (alicatado, corda-seca, aresta) tenham sido importadas, assim como a tradição decorativa islâmica dos excessos decorativos de composições geométricas intrincadas e complexas, a sua aparição em Portugal cede já um pouco ao gosto europeu pelos motivos vegetalistas do gótico e a uma particular estética nacional fortemente caracterizada pela influência de fatores contemporâneos. O império ultramarino português vai contribuir para a variedade formal; vão ser adaptados motivos e elementos artísticos de outros povos que se transmitem pelo curso da aculturação. Um dos exemplos mais marcantes do emprego de ideias originais é o do motivo da esfera armilar que surge no Palácio Nacional de Sintra e que vai permanecer ao longo da história portuguesa como o símbolo da expansão marítima.
majólica, nova técnica vinda de Itália que permite pintar diretamente no azulejo vidrado, é introduzida na Península Ibérica nos finais do século XV pela mão do artista italiano Francisco Niculoso. Na altura sem grande impacto vai ganhar importância mais tarde, após o estabelecimento de artistas italianos na Flandres (Antuérpia) e em França. A criação de oficinas em Espanha e Portugal por ceramistas flamengos vai dar origem, a partir de meados do século XVI, à iniciativa de produção própria do azulejo, que era até então importado da Holanda e Itália.
Mas além da técnica, também o repertório formal vai ser importado e o gosto italiano da época renascentista de transição para o maneirismo funde-se com o estilo gráfico flamengo numa estética harmoniosa e de pincelada minuciosa. As composições passam a ser figurativas e, renunciando à estética islâmica como resultado do Concílio de Trento, vão-se adaptar e transpor para o azulejo cenas mitológicas, de alegorias, religiosas, guerreiras e satíricas presentes em gravuras estrangeiras. Vão ser usadas representações de elementos arquitetônicos na criação de ilusões espaciais (trompe-l’oeil, literalmente engana o olho) e a variada palete de elementos decorativos maneiristas ganha vida no painel de azulejo em Portugal (putti -anjinhos, grinaldas, medalhões, troféus, vasos, frutas e flores). Concorrendo com a pintura mural, o azulejo desta época é suporte para o traço erudito dos mestres do desenho e da pintura. Artistas portugueses a referir são Francisco de Matos e Marçal de Matos.
Durante o século XVIII na Europa, trabalhava-se em dois tipos básicos de cerâmicas: a cerâmica dura ou a macia misturada com pasta artificial, a primeira é usada em Meissen na Alemanha, Europa Central, Rússia e partes da Itália, a segunda, na Espanha, França e Inglaterra.

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