POLÍTICA MUNDIAL
Colaboração
Fernando Alcoforado*
Há três
aspectos que precisam ser considerados na análise do conflito que envolve a Rússia e a
Ucrânia no momento: 1) a origem comum dos povos russo e ucraniano; 2) a crise
interna ucraniana; e, 3) a questão geopolítica. Sobre a origem comum dos povos russo e
ucraniano, é importante destacar que Kiev foi o berço da civilização russa
atual porque, no
século IX, quando se formou o chamado Estado kievano ou Rus que amalgamava
os eslavos orientais, não havia diferença entre grão-russos (os russos atuais),
pequenos russos (os ucranianos atuais) e russos brancos (os bielo-russos
atuais) que formavam um povo só (Ver o livro Os Russos de Angelo
Segrillo. São Paulo: Editora
Contexto, 2010, página 99).
Segundo o
diplomata e historiador brasileiro Moniz Bandeira, “até o século XII, a chamada
Rus' Kievana, era uma confederação de tribos eslavas orientais, virtualmente a maior
potência da Europa, ao abranger a atual Bielo Rússia e parte da Rússia. Em
1795, a antiga Rus's Kievana, ao oeste do rio Dnieper, que desemboca no Mar
Negro, foi repartida. A Rússia anexou a maior parte da região, todo o Kanato da
Criméia, e o Império
Austro-Húngaro, sob a dinastia de Habsburg, dominou a outra, incluindo a Galitzia
(Halychyna), na Europa Central, até 1918”. Após a Revolução Bolchevique em 1917, a
Ucrânia constituiu-se como Estado nacional e, em 1922, somou-se à Bielorrusia e
Transcaucasia, na formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (Ver
o texto Moniz
Bandeira aponta aliança entre ONGs ocidentais e neonazistas na Ucrânia publicado
no website <http://pcb.org.br/fdr/index.php?option=com_content&view=article&id=584:monizbandeira-aponta-alianca-entre-ongs-ocidentais-e-neonazistas-naucrania& catid=5:entrevistas-com-a-historia>.
A extinta
União Soviética da qual a Ucrânia era ligada industrializou-se por meio de uma
integração estrutural envolvendo todas as suas repúblicas, com o objetivo de garantir
uma maior estabilidade territorial. Após a queda do Muro de Berlim em 1989, os países
do leste europeu encontravam-se muito interdependentes, fato este que se mantém
ainda hoje em muitos aspectos. Atualmente, a Ucrânia depende comercial e economicamente
da Rússia, sobretudo por esta lhe fornecer gás natural, fonte de energia primordial
ao país, e por ser o principal comprador de inúmeras matérias-primas produzidas
pela economia ucraniana. Além disso, no leste do país – onde ainda se fala russo
– muitas empresas dependem das vendas para a Rússia. A Ucrânia, chamada, tradicionalmente,
de "pequena Rússia", não pode se desprender da Rússia, da qual muito
depende, sobretudo para seu abastecimento de gás. E sua adesão à União Europeia,
permitindo o avanço da OTAN até as fronteiras da Rússia, tenderia evidentemente
a romper todo o equilíbrio geopolítico da Eurásia, uma vasta região terrestre
e fluvial, até o Oriente Médio que possibilita as comunicações do Mar Negro e de
importantes zonas energéticas (gás e petróleo) com o Mar Mediterrâneo.
A recente
crise política na Ucrânia que levou à derrubada do presidente ucraniano, Viktor
Yanukovich é o resultado de uma instabilidade política que marca a região há vários anos.
Quando a União Europeia propôs à Ucrânia assinar um tratado de livrecomércio, a
Rússia, em contrapartida, ofereceu melhor acordo econômico e que, segundo
algumas versões não confirmadas oficialmente, se o governo ucraniano não o
aceitasse,
ameaçou cortar o fornecimento de gás natural e a compra dos produtos ucranianos,
além de impor restrições alfandegárias. Esse episódio acirrou ainda mais as diferenças
entre os dois principais grupos políticos ucranianos: os pró-ocidente e os
pró-Rússia. A decisão do governo de Viktor Yanukovich de não assinar o tratado
de livrecomércio com a União Europeia e sim com a Rússia foi o estopim que deu
origem às violentas manifestações que levaram à sua deposição do poder.
Após a
derrubada de Viktor Yanukovich em fevereiro de 2014, houve a criação de um novo
governo pró-União Europeia e anti-Rússia, que acirrou as tensões separatistas
na península
da Crimeia, de maioria russa, levando a uma escalada militar com ação do
governo russo na região. A Crimeia realizou um referendo que aprovou sua adesão
à Rússia, e o governo de Vladmir Putin procedeu com a incorporação do
território, mesmo com a reprovação do Ocidente. Em maio de 2014, Petro
Poroshenko foi eleito presidente da Ucrânia e um mês depois assinou o acordo
com a União Europeia que foi o pivô de toda a crise. A assinatura ocorreu em
meio a confrontos no leste do país, palco de um movimento separatista
pró-Rússia, e a ameaças e críticas do governo da Rússia.
Após a
adesão da Crimeia à Rússia, regiões do leste da Ucrânia, de maioria russa, começaram
a sofrer com tensões separatistas. Militantes pró-Rússia tomaram prédios públicos
na cidade de Donetsk e a proclamaram como "república soberana",
marcando um referendo sobre a soberania nacional para 11 de maio de 2014. A medida
não foi reconhecida
pelo governo da Ucrânia nem pelo Ocidente. O referendo chegou a ser realizado e
a independência foi aprovada por 89% dos votos. Com a nova tensão na região, a
Rússia pediu que a Ucrânia desistisse de todo tipo de preparativos militares
para deter os protestos pró-russos nas regiões do leste ucraniano, já que os
mesmos poderiam suscitar uma guerra civil. O governo da Ucrânia, entretanto,
iniciou uma operação antiterrorista na região, para combater os separatistas,
com milhares de mortes dos dois lados. A Rússia chegou a mobilizar tropas na
fronteira, o que foi condenado por Kiev e pelo Ocidente. Parte das tropas foi
retirada posteriormente, mas a tensão permaneceu na região.
Após 16
horas de negociações, entre os dias 11 e 12 de fevereiro deste ano, foi
assinado entre os separatistas, o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, o
presidente da Rússia, Vladimir Putin, a chanceler alemão, Angela Merkel e o
presidente da França, Francois Hollande um acordo de cessar-fogo e criação de
zona desmilitarizada. Segundo o acordo assinado, a retirada da artilharia
pesada com vista à criação de uma zona de desarmamento de até 140 quilômetros
deveria começar no dia 16 de fevereiro. Dois dias depois que o cessar-fogo
acordado entre líderes europeus entrou em vigor, conflitos entre o exército
ucraniano e forças separatistas foram registrados em Debaltseve, cidade estrategicamente
posicionada entre Donetsk e Lugansk, no Leste da Ucrânia. Desde a entrada em
vigor da trégua, pelo menos cinco soldados ucranianos foram mortos e nove ficaram
feridos em conflitos em Debaltseve e Mariupol, cidade portuária cobiçada pelos rebeldes.
Milhares de soldados ucranianos foram cercados por forças rebeldes em Debaltseve.
As causas
da crise na Ucrânia são, sobretudo, geopolíticas e estratégicas. O que está em jogo
não é, na realidade, a adesão da Ucrânia à União Europeia porque esta tem muito
pouco a oferecer dificultando ainda mais o desenvolvimento do país. A Ucrânia
só tem a perder. Muitas indústrias fecharão ou serão dominadas pelas
multinacionais europeias e os pequenos agricultores serão arruinados. Porém, o
que os Estados Unidos pretendem através da incorporação da Ucrânia à União
Europeia, é, sobretudo, possibilitar que as forças da OTAN sejam estacionadas
na fronteira da Rússia. O cenário futuro mais provável para o desfecho da crise
política na Ucrânia é a divisão do país, com a Crimeia já incorporada à Rússia
e a transformação do leste, centro-leste e sul da Ucrânia em uma região
autônoma do governo de Kiev se for mantido o acordo da União Europeia com a Ucrânia
ou ocorrer ou sua anexação à Rússia se a OTAN se fizer presente na Ucrânia. A guerra
civil já iniciada na Ucrânia pode se transformar em um conflito militar envolvendo
as forças da OTAN e da Rússia de consequências imprevisíveis.
Uma
hipótese que vem sendo aventada é a de que os Estados Unidos estão por trás da queda
atual no preço do petróleo para afetar as economias de países inimigos como a Rússia,
Irã e Venezuela. Ressalte-se que petróleo e gás natural contribuem com mais de 68%
da receita de exportação da Rússia e mais de 50% do orçamento do governo. Por conta
da queda dos preços do petróleo, a Rússia sofreu um violento ataque
especulativo com a fuga de capitais do país da qual resultou uma vertiginosa
queda do poder aquisitivo de sua moeda, o Rublo. O agravamento da situação
econômica da Rússia resultante da queda do preço do barril de petróleo e o
estrangulamento econômico resultante das sanções impostas pelos Estados Unidos
e União Europeia poderão radicalizar o conflito com os Estados Unidos fazendo
com que o governo russo decida pela intervenção militar preventiva na Ucrânia
que poderia reforçar ainda mais o poder de Vladimir Putin no comando da Rússia
mobilizando a nação contra o inimigo externo.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona,
professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento
empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é
autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo,
1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel,
São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os
condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado.
Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003),
Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development-
The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft &
Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba,
2012), entre outros.
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