BBC BRASIL
Daniela Fernandes de Paris para a BBC Brasil
Uma investigação feita na França revelou que a filial suíça do banco
britânico HSBC
"ajudava" clientes ricos a evadir o pagamento de milhões de dólares
em impostos.
Esse esquema, que veio à tona graças
a documentos vazados por um ex-funcionário do segundo maior banco do mundo,
permitiu que centenas de bilhões de euros transitassem, em Genebra, por contas
secretas de 106 mil clientes, entre eles, empresários, políticos, estrelas do
showbizz e esportistas, mas também traficantes de drogas e armas e suspeitos de
ligações com atividades terroristas.
Os documentos também incluem dados
sobre 5,5 mil contas secretas de brasileiros, entre pessoas físicas e
jurídicas, com um saldo total de US$ 7 bilhões (cerca de R$ 19,5 bilhões).
O Brasil, de acordo com o consórcio de jornalistas investigativos ICIJ,
que teve acesso a dados investigados na França, está em nono lugar na lista de
países com a maior quantia em dólares nos documentos vazados da filial suíça,
que envolvem clientes de 203 países.
A seguir, entenda como a Suíça ainda
é vista como um paraíso de sonegação de impostos e lavagem de dinheiro:
As contas secretas (ou numeradas) em
geral só são abertas pelos bancos suíços para depósitos superiores a 100 mil
euros.
O HSBC ajudou milhares de clientes a
fraudar o Fisco em inúmeros países agindo em duas etapas, segundo as
investigações. Na primeira, cria-se um perfil numerado para o cliente, que
corresponderá a uma ou várias contas bancárias.
Na segunda, as contas são ligadas a
um perfil que não é mais o de uma pessoa física, e sim jurídica - por exemplo,
o de uma empresa registrada no Panamá.
Esse novo sistema foi criado após a
implementação de uma nova regulamentação na Europa, em 2005, para combater a
prática de contas não declaradas.
Os bancos suíços passaram a ser
obrigados a recolher um imposto de contas de cidadãos europeus e repassá-lo ao
Fisco dos países de origem dos clientes.
Mas como a norma só visa contas de
pessoas físicas, para contorná-la foi adotada a estratégia de transferir os
recursos para contas de empresas de fachada.
Alguém
tem o registro da identidade do detentor da conta?
Os dados do titular da conta são
conhecidos geralmente por apenas duas pessoas: o gerente da conta e o diretor
do banco. Alguns funcionários de alto escalão da instituição também podem ter
acesso a essas informações.
A divulgação de dados sobre as contas
e clientes constitui uma violação do direito penal suíço.
Em
que casos esta identidade é revelada?
A derrubada do segredo bancário suíço
só pode ser obtida por decisão de Justiça, em um procedimento de cooperação
judicial e administrativa com o país que solicita as informações.
No caso de suspeita de evasão fiscal,
as administrações fiscais estrangeiras normalmente não podem obter diretamente
informações bancárias sem passar pela Justiça, exceto se houver uma convenção
de cooperação internacional, como a Suíça já firmou, nos últimos anos, com mais
de uma dezena de países.
Em 2009, o banco suíço UBS aceitou,
sob a ameaça de ter sua licença retirada nos Estados Unidos, entregar à Justiça
americana o nome de algumas centenas de clientes acusados de fraude fiscal,
apesar de não haver na época uma cooperação administrativa.
Em 2012, o HSBC pagou uma multa
recorde de US$ 1,9 bilhão para pôr fim a investigações americanas em um caso de
lavagem de dinheiro ligado ao tráfico de drogas.
A
Suíça já colaborou com autoridades brasileiras em investigações?
Já houve casos de colaboração. Em
2010, por exemplo, a Suíça bloqueou uma conta de US$ 13 milhões de Fernando
Sarney, filho do ex-presidente José Sarney.
O bloqueio, adotado por suspeitas
sobre a origem do dinheiro, foi realizado a pedido da Justiça brasileira, que
suspeitava o envio ilegal de recursos ao exterior.
Em 2013, o Ministério Público gaúcho
obteve o bloqueio de contas na Suíça de um advogado acusado de arquitetar um
esquema de fraudes no sistema do ICMS do Rio Grande do Sul e acusado de lavagem
de dinheiro e formação de quadrilha.
A Justiça suíça já chegou a congelar,
também, milhões de dólares em contas atribuídas à família do ex-prefeito
paulistano Paulo Maluf, sob suspeita de ser dinheiro desviado de verbas
públicas. O ex-prefeito nega ter recursos no exterior.
Em meio
a pesadas críticas, como a Suíça vem reagindo?
Nos últimos anos, a Suíça vem
sofrendo fortes pressões da comunidade internacional, sobretudo dos Estados
Unidos, para deixar de facilitar a evasão fiscal por meio da prática abusiva do
segredo bancário.
Em 2009, a Suíça havia sido incluída
na "lista cinza" de paraísos fiscais da OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mas foi retirada logo depois após
firmar doze convenções internacionais de troca de informações fiscais com países
como a França, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Espanha.
A pressão contra paraísos fiscais foi
acentuada durante a reunião do G20 em Londres, em 2009, em plena crise
financeira mundial.
Em outubro passado, o governo suíço
anunciou a implementação de um sistema de trocas de informações automáticas
sobre contas suíças detidas por estrangeiros. A norma poderá entrar em vigor em
2017 e as informações bancárias (identificação dos titulares, saldos,
rendimentos e títulos) devem começar a ser transmitidas aos Fiscos dos países
em 2018.
Na prática, é o fim do segredo
bancário, mesmo que as autoridades suíças tenham ressaltado que os dados devem
ser utilizados apenas para fins fiscais. Mas a medida ainda precisa ser
aprovada pelo Parlamento suíço e pode, eventualmente, ser submetida a referendo
no país.
Como
as mudanças nas regras podem afetar brasileiros?
Se a troca automática de informações
for aprovada definitivamente na Suíça, o Fisco brasileiro deverá ser informado
sobre as contas de titulares com passaporte do Brasil.
Mais de 50 países firmaram em outubro
passado, em Berlim, o acordo multilateral para a troca automática de informação
fiscal sobre contas em instituições financeiras no exterior a partir de 2017. O
documento foi elaborado pela OCDE.
Entre os signatários
latino-americanos estão Brasil, Argentina, México e Colômbia. O Brasil, como a
Suíça, deverá aplicar o acordo apenas em 2018.
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