Arte da azulejaria
A
importância do azulejo como elemento de arte, da qual dizem que relata o mundo
O termo azulejo designa uma peça
de cerâmica de pouca espessura, geralmente, quadrada, em
que uma das faces é vidrada, resultado da cozedura de um revestimento
geralmente denominado como esmalte, que se torna impermeável e
brilhante. Esta face pode ser monocromática ou policromática, lisa ou
em relevo. O azulejo é geralmente usado em grande número como elemento
associado à arquitetura em revestimento de superfícies interiores ou
exteriores ou como elemento decorativo isolado.
Os temas
oscilam entre os relatos de episódios históricos, cenas mitológicas, iconografia religiosa e
uma extensa gama de elementos decorativos (geométricos, vegetalistas etc)
aplicados a parede, pavimentos e tetos de palácios, jardins, edifícios
religiosos (igrejas, conventos), de habitação e públicos.
Com diferentes características entre si, este material tornou-se
um elemento de construção divulgado em diferentes países, assumindo-se em Portugal como um
importante suporte para a expressão artística nacional ao longo de mais de cinco séculos, onde o azulejo se transcende para algo mais
do que um simples elemento decorativo de pouco valor intrínseco. Este
material convencional é usado pelo seu baixo custo, pelas suas fortes
possibilidades de qualificar esteticamente um edifício de
modo prático. Mas nele se reflete, além
da luz, o repertório do imaginário português, a sua preferência pela
descrição realista, a sua atração pelo intercâmbio cultural. De forte sentido cenográfico descritivo
e monumental, o azulejo é considerado hoje como uma das produções mais
originais da cultura portuguesa, onde se dá a conhecer, como num
extenso livro ilustrado de grande riqueza cromática, não só a história,
mas também a mentalidade e o gosto de cada época.
A técnica
desenvolvida e implementada pelos mouros na Península Ibérica e
seguida pela Espanha com assimilação do gosto pela decoração geométrica e vegetalista,
no que se designaria no barroco como horror vacui (horror
ao vazio).
Esta técnica necessita de um barro homogéneo e
estável, onde, após uma primeira cozedura, se cobre com o líquido que fará o
vidrado. Os diferentes tons cromáticos obtêm-se a partir
de óxidos metálicos: cobalto (azul), cobre (verde), manganésio (castanho, preto), ferro (amarelo),estanho (branco).
Para a segunda cozedura as placas são colocadas horizontalmente no forno
assentes em pequenos tripés de cerâmica designados de trempe. Estas peças deixam três pequenos pontos
marcados no produto final, hoje em dia importante na avaliação de autenticidade.
Inicialmente o azulejo não tinha uma dimensão
normalizada, mas em Portugal, a partir do século XVI o azulejo
passou a ter uma medida quadrada variável entre 13,5 e 14,5 cm, como
consequência do aumento de produção pelo maior número de encomendas. Essa
situação perdurou até o século XIX.
No ano
de 1498 o rei de Portugal D. Manuel I viaja a Espanha e
fica deslumbrado com a exuberância dos interiores mouriscos, com a sua
proliferação cromática nos revestimentos parietais complexos. É com o
seu desejo de edificar a sua residência à semelhança dos edifícios visitados
em Saragoça,Toledo e Sevilha que o azulejo hispano-mourisco
faz a sua primeira aparição em Portugal. O Palácio Nacional de Sintra, que
serviu de residência ao rei, é um dos
melhores e mais originais exemplos desse azulejo inicial ainda importado de
oficinas de Sevilha em 1503 (que até então já forneciam outras regiões,
como o sul de Itália).
Painel
Embora as técnicas arcaicas (alicatado, corda-seca,
aresta) tenham sido importadas, assim como a tradição decorativa islâmica dos
excessos decorativos de composições geométricas intrincadas e complexas, a sua aparição em Portugal cede já um pouco
ao gosto europeu pelos motivos vegetalistas do gótico e a uma particular
estética nacional fortemente caracterizada pela influência de fatores contemporâneos.
O império
ultramarino português vai contribuir para a variedade formal; vão ser
adaptados motivos e elementos artísticos de outros povos que se transmitem pelo
curso da aculturação. Um dos exemplos mais marcantes do emprego de
ideias originais é o do motivo da esfera armilar que surge no Palácio
Nacional de Sintra e que vai permanecer ao longo da história
portuguesa como o símbolo da expansão marítima portuguesa.
Com a Restauração da Independência portuguesa em 1640 a nobreza ganha
novo ímpeto no território nacional e encomenda-se a construção de diversos
edifícios palacianos para a sua residência que vão exigir um grande número de
azulejos para revestir superfícies em interiores e jardins. Vão-se destacar as composições policromas
(amarelo, azul e também apontamentos em verde e castanho) de tradição holandesa.
Cenas de caça, idílicas, e cenas sobre a
temática holandesa dos cinco sentidos onde vários personagens à mesa
fazem referência indireta aos diferentes sentidos (música para a audição,
bebidas e alimentos para o paladar, os toques que trocam entre si para
o tato etc).
Também na
segunda metade do século XVII aparecem as famosas composições de macacaria em tons
predominantemente amarelos e azuis, representando macacos em trajes e
atividades humanas de grande sentido irónico e satírico, como que
numa caricatura moral dos reais protagonistas que imitam costumes sem os
compreender. Esta temática teve a sua primeira aparição já no século XV,
mas só recebe impulso no século XVII pela mão do pintor flamengo David
Teniers, e estende-se pelos séculos XVIII e XIX.
Azulejos
no Jardim do Paço, Castelo Branco.
A partir dos finais do século XVII importam-se
também dos Países Baixos ciclos em azul e branco influenciados pela
cerâmica chinesa, nos mesmos tons, que chegou à Europa pelos caminhos
marítimos e que agradou bastante, não só aos holandeses, que iniciaram uma
produção própria de azulejo azul e branco, mas também aos portugueses. Mas a
preferência na Holanda pelo trabalho em miniatura (enkele tegels) não
corresponde ao gosto português pela monumentalidade e assim passa-se a efetuar
encomendas específicas às oficinas holandesas de painéis que se adaptem
perfeitamente aos enquadramentos arquitetônicos em Portugal. Os temas centram-se agora em cenas
religiosas, cortesãs e militares. Desta altura são também os painéis
de figura avulsa, com cenas independentes, e que vão ser aplicados
sobretudo em cozinhas e sacristias de igrejas e conventos
(como as típicas representações de alimentos pendurados - caça ou peixe).
O emprego de uma só cor, azul, sobre o fundo branco
permite uma maior concentração na pintura e os exemplos importados da Holanda
demonstram bem a superioridade técnica do traço, evidentes em obras de Willem
van der Kloet e Jan van Oort. Mas as oficinas portuguesas vão reagir
à concorrência e inicia-se o período de desenvolvimento da produção nacional,
conhecido pelo ciclo dos mestres, impulsionada pelo espanhol Gabriel
del Barco, sediado em Portugal, e que responde a um grande número de encomendas
um pouco por todo o país. A sua técnica não é de grande qualidade, mas uma
série de seguidores vai dar início à época dos grandes mestres das oficinas de
Lisboa, como António Pereira, António de Oliveira Bernardes e o seu
filho Policarpo de Oliveira Bernardes, Manuel dos Santos e o anónimo P.M.P.,
abandonando-se progressivamente as importações do exterior.
A partir da
segunda metade do século XVIII o número de encomendas aumenta, (também vindas
do Brasil) e a riqueza durante o reinado de D. João V (proveniente
das mina de ouro e diamantes do Brasil) permite o
aumento sem precedentes da produção de azulejo de onde resultam os maiores
ciclos de painéis historiados. Esta estética é, acima de tudo,
influenciada pelo Barroco onde as cenas ganham um estatuto teatral
e aonde as molduras, de carácter exuberante, chegam a ter quase tanto peso como
as cenas centrais que envolvem (cenas bucólicas, mitológicas, religiosas
- bíblicas, marianitas, de caçadas, do quotidiano cortesão e
alegóricas). A riqueza ornamental, que faz uso dos contrastes claro-escuro para
ilusão de volumetria, chegam de livros de ornamentos de Jean Bérain I,
Claude Audran III, Gilles Marie Oppenord, Nicolas Pineau, Pierre Lepautre entre
outros, e oferecem grande organicidade e vitalidade ondulante à composição no
seu todo. Vão proliferar os côncavos e convexos, concheados, flores,
frutos, cartuchos, entrelaçados, putti, baldaquino, efeitos
ilusionistas arquitetônicos (balaustradas) e as figuras de convite.
Nas igrejas
o azulejo reveste todas as superfícies, mesmo tetos e abóbadas,
e observa-se um complemento estético entre a talha dourada do período
barroco português e as molduras ondulantes do azulejo.
Até ao terramoto de 1755 vão ter posição
de relevo os seguintes nomes da azulejaria portuguesa: Nicolau de
Freitas, Teotónio dos Santos, Valentim de Almeida e Bartolomeu
Antunes.
Com as Invasões francesas, a corte portuguesa
refugia-se no Brasil e o início do século XIX traz estagnação à produção de azulejos
destinado a obras régias no território português. Porém, segundo J. M. Santos Simões, no Brasil o emprego do azulejo terá
tido um desenvolvimento paralelo autónomo e, desde finais do século anterior,
observava-se, especialmente ao norte do país, a aplicação do azulejo como
revestimento total de fachadas de edifícios. Nos últimos anos, esta tese tem sido contestada, por falta de provas
concretas. Ainda assim, refira-se que tal suposto fenómeno ocorrido no
Brasil, teria tido a sua principal origem - ainda segundo Santos Simões - nas
condições climáticas, pois o azulejo assume-se como elemento impermeável,
protetor contra chuvas intensas, possibilitando simultaneamente o arrefecimento
do interior, por refletir o calor. Contudo, esta causa, apontada por Santos
Simões como mera hipótese explicativa e que foi tomada como tese provada nos
seguintes, tem sido contestada por constituir uma visão simplista do fenómeno.
Na tese de doutoramento de Ana Margarida Portela Domingues, de 2009, faz-se
notar que os maiores núcleos da azulejaria de revestimento completo em fachadas
nem sequer coincidem com as zonas mais quentes e chuvosas, não só em Portugal,
como no Brasil. Por outro lado, a ideia de que estes primeiros supostos
revestimentos oitocentistas, no Brasil, eram inicialmente a branco e depois
desenvolveram-se para padrões simples a duas cores, também não está provada e
parece refletir certa confusão entre revestimentos para interiores
(nomeadamente para cozinhas), e revestimentos para exteriores).
A partir de alguns textos mais superficiais sobre a produção de
azulejos, infere-se que a decadência das oficinas de Lisboa resultou em que o
fornecimento de azulejos para o Brasil tenha sido feito pela Inglaterra, França e Holanda. Porém, aquilo que tem sido demonstrado nos últimos anos,
nomeadamente por CAVALCANTI / CRUZ, é que as
primeiras fachadas azulejadas no Brasil tiveram azulejo português (salvo raras
exceções) e só depois começou a surgir a influência inglesa, francesa, dos países baixos, e até mesmo
espanhola. Aliás, a ideia, proposta provisoriamente por Santos Simões, de
que a produção de azulejo em Portugal, sensivelmente após 1834, renasceu para
fazer frente às encomendas brasileiras, tem sido colocada de lado nos últimos
anos, por constituir uma falácia. Na verdade, os indícios que foram
apresentados em estudos mais recentes (quer no Brasil - por Dora Alcântara,
quer em Portugal - por Ana Margarida Portela Domingues), demonstram que a
produção do azulejo em Portugal não renasceu de um qualquer declínio, mas sim,
foi-se alterando nos pressupostos estéticos e de aplicação. E isso não sucedeu
por causa da procura brasileira, até porque as primeiras fachadas principais
brasileiras totalmente revestidas com azulejos não são mais antigas que as suas
congéneres portuguesas. Por conseguinte, foi a procura portuguesa, e não
brasileira, que motivou um novo tipo de produção azulejar, a qual, no Brasil,
foi também copiada e, inicialmente, sobretudo por migrantes portugueses,
recorrendo à produção das fábricas portuguesas.
Fábrica Viúva Lamego, Lisboa.
Casa do Ferreira das Tabuletas - Rua da Trindade - Lisboa.
Daí que outro lugar-comum, já colocado
de parte nos últimos anos, é o de que, com o regresso de um grande número de
migrantes portugueses enriquecidos ao território de Portugal, o gosto pelas
fachadas totalmente azulejadas teria sido implementado em Portugal,
principalmente na região do Porto.
Na realidade, tal gosto era português, e não brasileiro. Por outro lado, não é
correto reduzir o fenómeno da azulejaria de fachada a uma região, pois se trata
de um fenómeno urbano e tendencialmente cosmopolita, razão pela qual o maior
mercado de azulejaria de fachada foi a própria cidade de Lisboa.
As fachadas revestidas a azulejo
produzido através dos novos métodos de produção semi-industriais e industriais
(nomeadamente a estampilhagem), provocaram diferentes reações. Por um lado,
foram encaradas como uma deturpação dos revestimentos que pertenciam ao
intimismo do interior da habitação. Por outro lado, reconheceu-se o seu
potencial de valorização estética dos exteriores, fato que, hoje em dia, ainda
é mais notório, constituindo uma imagem de marca da arquitetura urbana
portuguesa do período romântico.
Esta questão do modo como, no
Romantismo, se encaravam as fachadas azulejadas, durante anos enfermou de uma
análise muito superficial e preconceituosa. Com base na sátira de alguns
romancistas do período romântico mais avançado, expressões como "casas de
penico", e outras, foram transformadas em verdades quase universais sobre
o modo como o azulejamento completo de fachadas era entendido na época. Ora,
recentemente, esta questão tem merecido análises mais aprofundadas,
nomeadamente através da tese de doutoramento de Ana Margarida Portela
Domingues. A autora demonstra que as apreciações negativas à azulejaria de
fachada não eram generalizadas e tiveram o seu auge sobretudo em certas épocas,
e em certos meios sociais, derivando sobretudo de alguns fatores, tais como: o
modo como os padrões eram conjugados; o local onde eram aplicados; a conjugação
dos azulejos com outros elementos estéticos exagerados, revelando possível
mau-gosto; e, sobretudo, a datação dos azulejamentos, pois as elites começaram
a entender o fenómeno do azulejamento completo de fachadas como excessivo,
precisamente quando os novos-ricos e, depois, a classe média, se apropria de
tal solução para revestir fachadas que, pelas suas características, não
necessitavam de ser amenizadas.
Muitas das vezes coincidente com o
fenómeno da azulejaria de fachada, foi o fenómeno da decoração de platibandas e
balaustradas com elementos cerâmicos decorativos, desde os próprios balaústres,
a vasos e estátuas alegóricas, assim como arabescos. Em alguns casos, também
foram produzidos calões decorativos para beirais, que hoje são já peças
bastante raras, podendo ser encontrados alguns exemplares em Portugal e no
Brasil.
As principais fábricas portuguesas de
produção de azulejos, na segunda metade do século XIX, foram: a Fábrica
Roseira, a Fábrica da Calçada do Monte e a Fábrica
Viúva Lamego - em Lisboa; a
Fábrica de Santo António do Vale da Piedade, a Fábrica de Massarelos, a Fábrica
do Carvalhinho e a Fábrica de
Cerâmica das Devesas - no Porto /
Vila Nova de Gaia.
Palácio
dos Azulejos, Campinas.
Com a introdução da linguagem
romântica em Portugal é dado um
maior realce à produção artística de diversas épocas anteriores, como se pode
observar na obra de Luís Ferreira (conhecido também como Ferreira das Tabuletas), que combina
os novos métodos com a temática do século anterior, ou do tardo-romântico Jorge Colaço, com ênfase no historicismo. Porém, esta evocação dos estilos antigos diz respeito sobretudo
ao azulejo figurativo. O Romantismo, na azulejaria portuguesa, é feito
sobretudo de azulejo de padrão, para amenizar fachadas urbanas, tal como o
papel de parede foi introduzido, nessa mesma época, para amenizar os interiores
(DOMINGUES, Ana Margarida Portela, 2009).
Entrando já no século XX são de referir desde logo Rafael Bordalo Pinheiro, com produções
diversificadas, e Jorge Barradas,
impulsionador da renovação no domínio da cerâmica e do azulejo. Em meados do século, Maria Keil realiza um vasto trabalho para as
estações iniciais do metropolitano de Lisboa, mas devem também assinalar-se
obras de Júlio Resende, Júlio Pomar, Sá Nogueira, Carlos Botelho, João Abel Mantae Eduardo Nery, entre outros.
Para preservar e estudar a azulejaria portuguesa foi criado o Museu Nacional do Azulejo.
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