ARTE MUSICAL: MPB
A “Pimentinha”
Elis Regina
Carvalho Costa (Porto Alegre, 17 de março de 1945 — São
Paulo, 19 de janeiro de 1982) foi uma cantora brasileira.
Conhecida por sua presença de palco,1 sua voz e sua
personalidade. Com os sucessos de Falso Brilhante e Transversal
do Tempo, ela inovou os espetáculos musicais no país e era capaz de
demonstrar emoções tão contrárias, como a melancolia e a felicidade, numa mesma
apresentação ou numa mesma música.
Como muitos outros
artistas do Brasil, Elis surgiu dos festivais de música na década de
1960 e mostrava interesse em desenvolver seu talento através de
apresentações dramáticas. Seu estilo era altamente influenciado pelos cantores
do rádio, especialmente Ângela Maria, e a fez ser a grande revelação
do festival da TV Excelsior em 1965, quando cantou "Arrastão"
de Vinicius de Moraes e Edu Lobo. Tal feito lhe conferiu o
título de primeira estrela da canção popular brasileira na era da
TV. Enquanto outras cantoras contemporâneas como Maria
Bethânia haviam se especializado e surgido em teatros, ela deu preferência
aos rádios e televisões. Seus primeiros discos, iniciando com Viva a
Brotolândia (1961), refletem o momento em que transferiu-se do Rio
Grande do Sul ao Rio de Janeiro, e que teve exigências de mercado e
mídia. Transferindo-se para São Paulo em 1964, onde ficaria até sua
morte, logrou sucesso com os espetáculos do Fino da Bossa e encontrou uma
cidade efervescente onde conseguiria realizar seus planos artísticos. Em 1967,
casou-se com Ronaldo Bôscoli, diretor do Fino da Bossa, e ambos
tiveram João Marcelo Bôscoli.
Elis Regina
aventurou-se por muitos gêneros; da MPB, passando pela bossa nova,
o samba, o rock ao jazz. Interpretando canções como "Madalena",
"Como Nossos Pais", "O Bêbado e a Equilibrista", "Querelas
do Brasil", que ainda continuam famosas e memoráveis, registrou momentos
de felicidade, amor, tristeza, patriotismo e ditadura militar no
país. Ao longo de toda sua carreira, cantou canções de músicos até então pouco
conhecidos, como Milton Nascimento, Ivan Lins, Renato
Teixeira, Aldir Blanc, João Bosco, ajudando a lançá-los e a divulgar
suas obras, impulsionando-os no cenário musical brasileiro. Entre outras
parcerias, são célebres os duetos que teve com Jair Rodrigues, Tom
Jobim, Wilson Simonal, Rita Lee, Chico Buarque—que quase foi
lançado por ela não fosse Nara Leão ter o gravado antes e, por fim,
seu segundo marido, o pianista César Camargo Mariano, com quem teve os
filhos Pedro Mariano e Maria Rita. Mariano também a ajudou a
arranjar muitas músicas antigas e dar novas roupagens a elas, como com "É
Com Esse Que Eu Vou".
Sua presença
artística mais memorável talvez esteja registrada nos álbuns Em Pleno
Verão (1970), Elis & Tom (1974), Falso
Brilhante(1976), Transversal do Tempo (1978), Saudade
do Brasil (1980) e Elis (1980). Ela foi a primeira
pessoa a inscrever a própria voz como se fosse um instrumento, na Ordem
dos Músicos do Brasil. Elis Regina
morreu precocemente em 1982, com apenas 36 anos, deixando uma vasta obra
na música popular brasileira. Embora haja controvérsias e contestações, os
exames comprovaram que havia morrido por conta de altas doses de cocaína e
bebidas alcoólicas, e o fato chocou profundamente o país na época.
Em 2013, foi eleita
a segunda melhor voz da música brasileira pela revista Rolling Stone,
superada apenas por Tim Maia. Elis foi citada também na lista dos
maiores artistas da música brasileira, ficando na 14ª posição, sendo a mulher
mais bem colocada. Em novembro do mesmo ano estreou um musical em sua
homenagem Elis, a musical
Casa de
infância de Elis Regina em Porto Alegre, RS.
Filha de Romeu
Costa e de Ercy Carvalho, Elis Regina nasceu no Hospital da Beneficência
Portuguesa, na capital do Rio Grande do Sul. Tinha um irmão, Rogério
(nascido em 1949). Começou a carreira como cantora aos onze anos de idade em um
programa de rádio para crianças chamado O Clube do Guri, na Rádio
Farroupilha, apresentado por Ari Rego. Em Porto Alegre, sua família
morava em um apartamento na chamada Vila do IAPI, no bairro Passo
d'Areia, na Zona Norte da cidade. Revelando enorme precocidade, aos
dezesseis anos lançou o primeiro LP da carreira. Sobre o começo da carreira de
Elis e a disputa entre quem de fato a lançou, o produtor Walter
Silva disse à Folha de S. Paulo:
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Poucas pessoas sabem quem realmente descobriu Elis. Foi um vendedor da
gravadora Continental chamado Wilson Rodrigues Poso, que a ouviu cantando
menina, aos quinze anos, em Porto Alegre. Ele sugeriu à Continental que a
contratasse, e em 1962 saiu o disco dela. Levei Elis ao meu programa, fui o
primeiro a tocar seu disco no rádio. Naquele dia eu disse: Menina, você vai
ser a maior cantora do Brasil. Está gravado.
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Em 1960 foi
contratada pela Rádio Gaúcha, e em 1961 viajou ao Rio
de Janeiro, onde gravou o primeiro disco, Viva a Brotolândia.
Lançou ainda mais três discos enquanto morava no Rio Grande do Sul.
Em 1964, um
ano com a agenda lotada de espetáculos no eixo Rio-São Paulo, assinou um
contrato com a TV Rio para participar do programa Noites de
Gala; é levada por Dom Um Romão para o Beco das Garrafas sob
a direção da dupla Luís Carlos Miele e Ronaldo Bôscoli, com os
quais ainda realizaria diversas parcerias, e um casamento com Bôscoli em 1967.
Acompanhada agora pelo grupo Copa trio, de Dom Um, canta no Beco
das Garrafas, o reduto onde nasceu a bossa nova, e conhece o coreógrafo americano Lennie
Dale, que a ensinou a mexer o corpo para cantar, tirando aquele nado que ela
tinha com os braços.
Elis Regina
e Maria Rita
Participa do
espetáculo Fino da Bossa organizado pelo Centro
Acadêmico da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo,
que ficou conhecido também como Primeiro Demti-Samba, dirigido por
Walter Silva, no Teatro Paramount, atual Teatro Abril (São
Paulo). Ao final do mesmo ano (1964) conhece o produtor Solano Ribeiro,
idealizador e executor dos festivais de MPB da TV Record. Um ano glorioso, que
ainda traria a proposta de apresentar o programa O Fino da Bossa,
ao lado de Jair Rodrigues. O programa, gravado a partir dos espetáculos e
dirigido por Walter Silva, ficou no ar até 1967 (TV Record, Canal 7, SP) e originou
três discos de grande sucesso: um deles, Dois na Bossa, foi o
primeiro disco brasileiro a vender um milhão de cópias. Seria dela agora o
maior cachê do show business.
Elis
durante uma entrevista com Klaudio Kleiman (Revista Expresso Imaginário).
Buenos Aires, dezembro de 1979.
Durante os anos
70, aprimorou constantemente a técnica e domínio vocal, registrando
em discos de grande qualidade técnica parte do melhor da sua geração de
músicos.
Patrocinado
pela Philips na mostra Phono 73, com vários outros
artistas, deparou-se com uma plateia fria e indiferente, distância quebrada com
a calorosa apresentação de Caetano Veloso: Respeitem a maior
cantora desta terra. Em julho lançou Elis.
Em 1975, com o
espetáculo Falso Brilhante, que mais tarde originou um disco
homônimo, atinge enorme sucesso, ficando mais de um ano em cartaz e realizando
quase 300 apresentações. Lendário, tornou-se um dos mais bem sucedidos
espetáculos da história da música nacional e um marco definitivo da carreira.
Ainda teve grande êxito com o espetáculo Transversal do Tempo,
em 1978, de um clima extremamente político e tenso; o Essa Mulher em
1979, direção de Oswaldo Mendes, que estreou no Anhembi em São Paulo e
excursionou pelo Brasil no lançamento do disco homônimo; o Saudades do
Brasil, em 1980, sucesso de crítica e público pela originalidade,
tanto nas canções quanto nos números com dançarinos amadores, direção de Ademar
Guerra e coreografia de Márika Gidali (Ballet Stagium); e finalmente o último
espetáculo, Trem Azul, em1981, direção de Fernando Faro.
Elis Regina
criticou muitas vezes a ditadura brasileira, nos difíceis Anos
de chumbo, quando muitos músicos foram perseguidos e exilados. A crítica
tornava-se pública em meio às declarações ou nas canções que interpretava. Em
entrevista, no ano de 1969, teria afirmado que o Brasil era
governado por gorilas (há ainda controvérsias em relação a
essa declaração. Existem arquivos dos próprios militares onde ela se justifica
dizendo que isso foi criado por jornalistas sensacionalistas). A popularidade a
manteve fora da prisão, mas foi obrigada pelas autoridades a cantar o Hino
Nacional durante um espetáculo em um estádio, fato que despertou a ira da
esquerda brasileira.
Sempre engajada
politicamente, Elis participou de uma série de movimentos de renovação política
e cultural brasileira, com voz ativa da campanha pela Anistia de
exilados brasileiros. O despertar de uma postura artística engajada e com
excelente repercussão acompanharia toda a carreira, sendo enfatizada por
interpretações consagradas de O bêbado e a equilibrista (João
Bosco e Aldir Blanc), a qual vibrava como o hino da
anistia. A canção coroou a volta de personalidades brasileiras do exílio, a
partir de 1979. Um deles, citado na canção, era o irmão do Henfil,
o Betinho, importante sociólogo brasileiro.
Outra questão
importante se refere ao direito dos músicos brasileiros, polêmica que Elis
encabeçou, participando de muitas reuniões em Brasília. Além disso, foi
presidente da Assim, Associação de Intérpretes e de Músicos.
Causando grande
comoção nacional, faleceu aos 36 anos de idade em 19 de
janeiro de 1982, devido a complicações decorrentes de uma overdose de cocaína,
e bebida alcoólica. O laudo médico foi elaborado por José Luiz Lourenço e
Chibly Hadad, sendo o diretor do IML Harry Shibata, médico conhecido por
seu envolvimento no caso do jornalista Vladimir Herzog, assassinado por
elementos da ditadura militar. O corpo de Elis encontra-se sepultado no Cemitério
do Morumbi em São Paulo.
Elis Regina é mãe de João
Marcelo Bôscoli (n. 1970), filho do seu primeiro casamento com o
músico Ronaldo Bôscoli (1928-1994), e de Pedro Camargo
Mariano (n. 1975) e Maria Rita (n. 1977), filhos de seu segundo
marido, o pianista César Camargo Mariano (n. 1943).
Monumento à
Elis Regina em Porto Alegre, RS.
O estilo musical interpretado
ao longo da carreira percorria assim o "fino da bossa nova",
firmando-se como uma das maiores referências vocais deste gênero. Aos poucos, o
estilo MPB, pautado por um hibridismo ainda mais urbano e 'popularesco'
que a bossa nova, distanciando-se das raízes do jazz americano,
seria mais um estilo explorado. Já no samba consagrou Tiro ao
Álvaro e Iracema (Adoniran Barbosa), entre outros.
Notabilizou-se pela uniformidade vocal, primazia técnica e uma afinação a toda
prova. O registro vocal pode ser definido como de uma mezzo-soprano
característico com um fundo levemente metálico e vagamente rouco.
Desde a década
de 1960, quando surgiram os especiais do Festival de Música Popular
Brasileira (TV Record), até o final da década de 1980, a
televisão brasileira foi marcada pelo sucesso dos espetáculos transmitidos;
apresentando os novos talentos, registravam índices recordes de audiência.
No Festival conheceu Chico Buarque, mas acabou desistindo
de gravá-lo devido à impaciência com a timidez do compositor. Elis
participou do especial Mulher 80 (Rede Globo), um
desses momentos marcantes da televisão; o programa exibiu uma série de
entrevistas e musicais cujo tema era a mulher e a discussão do
papel feminino na sociedade de então, abordando esta temática no contexto da
música nacional e da inegável preponderância das vozes femininas, com Maria
Bethânia, Fafá de Belém, Zezé Motta, Marina Lima, Simone, Rita
Lee, Joanna, Elis Regina, Gal Costa e as participações especiais
das atrizes Regina Duarte e Narjara Turetta, que
protagonizaram o seriado Malu Mulher.
A antológica
interpretação de Arrastão (Edu Lobo e Vinícius de
Moraes), no Festival, escreveu um novo capítulo na história da
música brasileira, inaugurando a MPB e apresentando uma Elis ousada. Uma
interpretação inesquecível, encenada pouco depois de completar apenas 20 anos
de idade e coroada com o reconhecimento do Prêmio Berimbau de Ouro.
O Troféu Roquette Pinto veio na sequência, elegendo-a a Melhor
cantora do ano.
Fã incondicional
de Ângela Maria, a quem prestou várias homenagens, Elis impulsionava uma
carreira não menos gloriosa, possibilitando o lançamento do primeiro LP individual, Samba
eu canto assim (CBD, selo Philips). Pioneira, em 1966 lançou
o selo Artistas, registrando o primeiro disco independente
produzido no Brasil, intitulado Viva o Festival da Música Popular
Brasileira, gravado durante o festival. Mais uma vitoriosa participação no
III Festival de Música Popular Brasileira (TV Record), a
canção O cantador (Dori Caymmi e Nelson Motta),
classificando-se para a finalíssima e reconhecida com o prêmio de Melhor
Intérprete.
Em 1968, uma
viagem à Europa a lança no eixo musical internacional, conquistando
grande sucesso, principalmente no Olympia de Paris, onde
se tornou a primeira artista a se apresentar duas vezes num mesmo ano,
naquela que é a mais antiga sala de espetáculos musicais de Paris. Em 1969,
gravou Aquarela do Brasil em Estocolmo com Toots
Thielemans.
Foi Elis quem
também lançou boa parte dos compositores até então desconhecidos, como Milton
Nascimento, Renato Teixeira, Tim Maia, Gilberto Gil, João
Bosco e Aldir Blanc, Sueli Costa, entre outros. Um dos grandes
admiradores, Milton Nascimento, a elegeu musa inspiradora e a
ela dedicou inúmeras composições.











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