Não
debite à sua memória os esquecimentos que você tem. Tampouco se recrimine pelas
falhas de esquecimento.
Crônica
de Luiz Carlos Facó
Este domingo
escolheu roupa nova para vestir. Engalanado, desfila garboso, sem hesitações,
numa passarela iluminada pelo sol. Dá-nos mostras de sua leveza, graciosidade e
incomum deslumbre. Num espetáculo que transcende a imaginação dos mais
talentoso e sensível artista. Por isso mesmo, incapaz de concebê-lo ou
retratá-lo. Sinto-me feliz por presenciar este raro espetáculo, de pássaros
adejando e pipilando confronte a minha janela, criando cirandas para coroá-lo
único. Árvores balouçando suas frondes como se o reverenciassem. Nas encostas,
que daqui diviso, as flores silvestres, homenageando-o, vicejam em cores
vibrantes. Ouro, prata, azul, vermelho, púrpura.
Tantas, quantas as que
enfeitam a vida. Um arco-íris. A terra umedecida, úbere da criação, em ais de
aprazimento, deixa escapar seu gostoso e inconfundível cheirinho
característico. Um festival primaveril que se antecipa, prematuramente, à
partida do inverno que agoniza. É criança chegando. Prenúncio de tempos
felizes, que tonifica jovens e aquece idosos. Profetizam haver lugar, no mundo,
para a parcimônia, o desarmamento dos espíritos, a compreensão, a paz. Para a
consubstanciação da crença em Deus nos nossos corações. A comunhão das
religiões. Abrigo seguro para guardar valores éticos e morais tão relegados
nesse último decênio. Ser tempo de arrefecimento de disputas e ódios. Ser
período de acasalamento. Ser o momento do amor.
É, neste
dia, retrato por inteiro da magnificência do Criador, que faço questão de
expressar-me, aproveitando o meu espírito movendo-se do ócio execrável à
alegria produtiva, com disposição para cavalgar o alazão das ideias.
Oportunidade única, impossível de se descartar sob pena de ser tomado pelo
remorso.
Sou
recalcitrante em esquecer. Muita vez, esqueço um endereço, um número de
telefone, um nome, até de um lugar por onde passei. Recrimino-me e prometo a
mim mesmo, fervorosamente, não permitir recaídas. Tudo debalde. Na primeira
oportunidade, desprezo ou faço pouco caso dessas ausências e, por via de
consequência, lá se vão para o baú envelhecido e furado da minha memória alguns
fatos que mereceria lembrar ou festejar.
E, quando me dou conta de tais incidentes ou sucessões de omissões,
debito-as à velhice que me acolhe, o que para mim é decepcionante.
Outro dia,
ensimesmado por ter esquecido o meu aniversário, pus-me a buscar e procurar
explicações para esse defeito que eu não conseguia corrigir. Recorri, para
tanto, ao meu computador pessoal, o cérebro, e descobri que tudo importante que
vira, ouvira, aprendera, lera, estavam incólumes, em arquivos, no meu aparelho
pensante. Até aquele dado domingo festivo descrito no início desta crônica.
Mais, que ele só não registrara o que não tinha tido importância para mim.
A propósito,
nessa busca empreendida, lembrei-me até de uma frase do Prof. Nelson de Souza
Sampaio, no momento em que eu cursava o primeiro ano de faculdade, quando
ensinava Direito Constitucional: “justitia est constant et perpetua voluntas
sunt uniquique tribuere”. Fato ocorrido há sessenta anos.
Portanto,
amigos leitores, se algo desse tipo acontecer hoje ou vier a se apresentar a
você amanhã não se preocupe, não acuse a sua memória de relapsa ou cansada. Tal
ocorreu simplesmente porque você não achou importante que algum episódio,
circunstância, evento, fosse registrado por ela em vista de ter sido
irrelevante ou dispensável ao seu interesse.
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