quarta-feira, 22 de abril de 2015

POR QUE ESCREVER?

Literatura

Publicado em literatura por Gustavo Galli
 em obviusmagazine

“Toda e qualquer descrição escrita aqui estará jazida a partir do momento em que eu não for mais um vivente. A única imortalidade é a arte.”
   
A arte de escrever é tão intrínseca à essência humana que é quase possível afirmarmos que ela é mais uma descoberta do que propriamente uma invenção. Com o desenvolvimento das civilizações ao longo de milênios, cada vez mais a escrita se estabeleceu como uma importante forma de expressão e de estilo, tornando seu valor incontestável. Tendo isso em mente, a pergunta que surge é: Por que escrever?


É o ano de 2015. Segunda década do terceiro milênio. Vivemos nos dias atuais com a sensação de que o tempo passa cada vez mais depressa, e, consequentemente, que nossas vidas são cada vez menos aproveitadas. Em meio a toda essa correria cotidiana que envolve a maioria das pessoas nas sociedades do mundo, surge em minha cabeça uma tímida e silenciosa questão: Por que escrever?
Particularmente, acredito que a escrita é, depois da música, a maior invenção que a humanidade já teve o privilégio de conceber. Digo isso porque, para mim, a música na verdade foi descoberta. É impossível que mesmo os povos mais sábios de outrora tenham conseguido criar e desenvolver algo tão maravilhoso e inexplicável como a música. Nós apenas a descobrimos e a aprimoramos. Não a inventamos – mesmo que “música” signifique “a arte das musas”.
Mas afinal de contas, quais as similaridades entre a escrita e a música? Ambas têm a mesma origem: a necessidade humana de se expressar. Qualquer mente que não seja medíocre e irracional – como muitas que encontramos facilmente em qualquer lugar – tem a inerente vontade de exprimir o que se passa dentro dela. Seja através de um texto, de uma composição musical, de um ensaio filosófico, de uma pintura, de uma escultura ou qualquer outra forma de expressão. Escrever, assim como pintar ou tocar um instrumento, é uma arte.

O mais fascinante em relação a esse tipo de comunicação é a atemporalidade que ela possui. A escrita e a leitura são independentes. Sente-se no sofá e comece a ler A Divina Comédia (Dante Alighieri), publicada originalmente em 1555. Depois, feche o livro e leia Assim falou Zaratustra (Friedrich Nietzsche), publicado em 1883. A seguir, pegue o jornal de ontem e dê uma lida. Não há limitações cronológicas. As obras estão lá e estarão sempre lá ao seu dispor, com suas palavras perpetuadas, à espera de serem lidas. Outro ponto interessante (e o mais forte) é a conexão que existe entre as duas mentes (escritor-leitor). Schopenhauer já dizia que ler é “pensar com a cabeça de outra pessoa”, mas, afinal, isso é tão ruim? Independentemente do que está sendo lido, o leitor tem a experiência de ouvir o que uma mente pensante quis declarar. O que o autor quis expressar? Quais sentimentos ou pensamentos ou ideias ele achou digno de transferir e propagar para outras mentes? Some isso ao fato da atemporalidade e pronto: eis a maior invenção humana.


No entanto, questiono agora a qualidade do que se tem escrito ultimamente. A decadência da literatura é notável e assustadora. Antigamente tínhamos mentes pensantes que estruturavam todo o pensamento que queriam propagar para, só então, passar para o papel. Hoje em dia mal temos o papel. Muitas pessoas sequer têm o interesse em publicar um livro. Uma parcela do mundo não quer se expressar, e a outra parcela não sabe. É insultante que tenhamos que ler o que quer que seja que não tenha tido uma preparação prévia. Vemos esses pseudo-escritores borbulhando com a vontade de exprimir o que suas mentes vazias cozinham e permanecemos carentes com conteúdo de qualidade. São como macacos diante de canetas e teclados. Se empertigam em suas cadeiras com ares de imponência, mas por trás de seus olhos frios não há nada senão crianças desordeiras que se divertem em tentar passar algo que nem eles mesmo entendem. Desrespeito e prepotência para com seus leitores. É necessário entender que palavras difíceis e frases mal construídas indicam, para os olhos de quem sabe o que está falando, o péssimo nível cognitivo e até mesmo espiritual desses chimpanzés de óculos.
Todavia, até mesmo nessa doença que existe em algumas pessoas tentarem transmitir conhecimentos e pensamentos que na verdade não possuem (camuflados em textos complexos e desconexos) há uma beleza evidente na literatura por si só. A liberdade que se tem ao escrever é fantástica. Todos podem escrever (mesmo que uns sejam desrespeitosos e quase iletrados) e tentar tornar tangível o que se emaranha nos fios do pensamento. Enquanto torço para que a parcela que não quer escrever comece a escrever, torço para os que tentam escrever aprendam a escrever.


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