Literatura
Publicado em literatura por Gustavo Galli
em obviusmagazine
“Toda e qualquer descrição escrita aqui estará
jazida a partir do momento em que eu não for mais um vivente. A única
imortalidade é a arte.”
A arte de escrever é tão intrínseca à essência humana que é quase
possível afirmarmos que ela é mais uma descoberta do que propriamente uma
invenção. Com o desenvolvimento das civilizações ao longo de milênios, cada vez
mais a escrita se estabeleceu como uma importante forma de expressão e de
estilo, tornando seu valor incontestável. Tendo isso em mente, a pergunta que
surge é: Por que escrever?
É o ano de
2015. Segunda década do terceiro milênio. Vivemos nos dias atuais com a
sensação de que o tempo passa cada vez mais depressa, e, consequentemente, que
nossas vidas são cada vez menos aproveitadas. Em meio a toda essa correria
cotidiana que envolve a maioria das pessoas nas sociedades do mundo, surge em
minha cabeça uma tímida e silenciosa questão: Por que escrever?
Particularmente,
acredito que a escrita é, depois da música, a maior invenção que a humanidade
já teve o privilégio de conceber. Digo isso porque, para mim, a música na
verdade foi descoberta. É impossível que mesmo os povos mais sábios de outrora
tenham conseguido criar e desenvolver algo tão maravilhoso e inexplicável como
a música. Nós apenas a descobrimos e a aprimoramos. Não a inventamos – mesmo
que “música” signifique “a arte das musas”.
Mas afinal
de contas, quais as similaridades entre a escrita e a música? Ambas têm a mesma
origem: a necessidade humana de se expressar. Qualquer mente que não seja
medíocre e irracional – como muitas que encontramos facilmente em qualquer
lugar – tem a inerente vontade de exprimir o que se passa dentro dela. Seja
através de um texto, de uma composição musical, de um ensaio filosófico, de uma
pintura, de uma escultura ou qualquer outra forma de expressão. Escrever, assim
como pintar ou tocar um instrumento, é uma arte.
O mais
fascinante em relação a esse tipo de comunicação é a atemporalidade que ela
possui. A escrita e a leitura são independentes. Sente-se no sofá e comece a
ler A Divina Comédia (Dante Alighieri), publicada originalmente em 1555.
Depois, feche o livro e leia Assim falou Zaratustra (Friedrich Nietzsche),
publicado em 1883. A seguir, pegue o jornal de ontem e dê uma lida. Não há
limitações cronológicas. As obras estão lá e estarão sempre lá ao seu dispor,
com suas palavras perpetuadas, à espera de serem lidas. Outro ponto
interessante (e o mais forte) é a conexão que existe entre as duas mentes
(escritor-leitor). Schopenhauer já dizia que ler é “pensar com a cabeça de
outra pessoa”, mas, afinal, isso é tão ruim? Independentemente do que está
sendo lido, o leitor tem a experiência de ouvir o que uma mente pensante quis
declarar. O que o autor quis expressar? Quais sentimentos ou pensamentos ou
ideias ele achou digno de transferir e propagar para outras mentes? Some isso
ao fato da atemporalidade e pronto: eis a maior invenção humana.
No entanto,
questiono agora a qualidade do que se tem escrito ultimamente. A decadência da
literatura é notável e assustadora. Antigamente tínhamos mentes pensantes que
estruturavam todo o pensamento que queriam propagar para, só então, passar para
o papel. Hoje em dia mal temos o papel. Muitas pessoas sequer têm o interesse
em publicar um livro. Uma parcela do mundo não quer se expressar, e a outra
parcela não sabe. É insultante que tenhamos que ler o que quer que seja que não
tenha tido uma preparação prévia. Vemos esses pseudo-escritores borbulhando com
a vontade de exprimir o que suas mentes vazias cozinham e permanecemos carentes
com conteúdo de qualidade. São como macacos diante de canetas e teclados. Se
empertigam em suas cadeiras com ares de imponência, mas por trás de seus olhos
frios não há nada senão crianças desordeiras que se divertem em tentar passar
algo que nem eles mesmo entendem. Desrespeito e prepotência para com seus
leitores. É necessário entender que palavras difíceis e frases mal construídas
indicam, para os olhos de quem sabe o que está falando, o péssimo nível
cognitivo e até mesmo espiritual desses chimpanzés de óculos.
Todavia,
até mesmo nessa doença que existe em algumas pessoas tentarem transmitir
conhecimentos e pensamentos que na verdade não possuem (camuflados em textos
complexos e desconexos) há uma beleza evidente na literatura por si só. A
liberdade que se tem ao escrever é fantástica. Todos podem escrever (mesmo que
uns sejam desrespeitosos e quase iletrados) e tentar tornar tangível o que se
emaranha nos fios do pensamento. Enquanto torço para que a parcela que não quer
escrever comece a escrever, torço para os que tentam escrever aprendam a
escrever.
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