Geografia
Mapa mundo
O Sul pode estar acima, a Austrália no meio, a Europa abaixo à esquerda
e a África à direita.
JAIME RUBIO HANCOCK 20 ABR 2015
EL PAÍS – O JORNAL GLOBAL
De vez em quando, alguém nos recorda que todos os mapas são ruins. Como
este tuíte.
Estes mapas com o sul para cima não são usados
tão habitualmente na Austrália, mas são comuns como forma de
demonstrar que a orientação com o norte para cima é arbitrária: poderia
ser de qualquer outro jeito. Na verdade, ele expõe três dos problemas que os
cartógrafos enfrentaram ao longo da história.
1. Para
onde oriento o mapa?
Nos parece
tão óbvio que os mapas estejam voltados para o norte que nos esquecemos de que
essa é uma convenção, e que norte e para cima não
são sinônimos. “Não há nenhuma razão puramente geográfica pela qual uma direção
seja melhor do que a outra, ou pela qual os mapas ocidentais modernos tenham
naturalizado a suposição de que o norte deveria estar para cima”, escreve
Jeremy Brotton em seu livro A History of the World in 12 Maps (“uma
história do mundo em 12 mapas”).
De fato,
nos mapas medievais judaico-cristãos e até o final do século XV, a Terra era
representada orientada para o leste, com a Ásia para cima, a Europa abaixo à
esquerda e a África abaixo à direita, como no mapa-múndi de Saint Sever. Afinal
de contas, “orientar” vem de “oriente”.
O leste era
preferido em muitas culturas por ser a direção de onde vinha o sol, sendo o sul
a segunda direção em termos de preferência. O oeste estava associado à
decadência e morte, e o norte “à escuridão e à maldade”. Mas não em todo lugar:
os mapas babilônios e chineses, por exemplo, orientavam-se para o norte, assim
como as cartas propostas pelo astrônomo Ptolomeu no século II da era
cristã. Parece sensato, de fato, que os mapas para navegação levem em conta o
eixo norte-sul, dado o uso de bússolas, mas Brotton nos recorda que seria
igualmente fácil optar pelo sul acima.
Aliás,
“todos os estudiosos da Idade Média sabiam que a Terra era uma esfera”, explica
Umberto Eco em seu História das Terras e Lugares Lendários, citando
Dante, Orígenes, Ambrósio, Alberto Magno, Tomás de Aquino e Isidoro de Sevilha,
que inclusive calculou o comprimento da linha do equador. As dúvidas sobre a
rota proposta por Colombo, diga-se de passagem, não decorriam do temor de cair
num abismo, e sim do fato de que Colombo teria subestimado o tamanho da Terra,
traçando assim uma rota que não era tão curta quanto ele imaginava (e não era
mesmo).
Se alguém
ainda tem dúvidas sobre como é arbitrário orientar um mapa para qualquer
direção, basta ver esta foto. É a Terra fotografada da nave Apollo 17, com o
Polo Sul acima. Sim, normalmente giram a imagem para que ninguém fique
nervoso.
A ilha no
centro é Madagascar. / NASA
2. Que
coloco no centro?
Como se
pode ver no mapa do tuíte, a Austrália está situada no meio. A maioria dos
mapas “coloca no centro a cultura que os produziu”, como explica Brotton. O que
tem um sentido não só político, mas também prático: como quando abrimos o
Google Maps e a primeira coisa que queremos saber é onde estamos, para saber
qual caminho precisamos seguir.
“Alguma vez
você já quis tanto ser o centro das atenções que partiu a Ásia em dois?”,
pergunta esse ‘meme’ sobre os mapas norte-americanos que colocam as Américas no
centro
O centro
tem um valor simbólico, como no caso do mapa-múndi da catedral de Hereford,
desenhado por volta do ano 1300 na Inglaterra, mas que coloca Jerusalém em seu
centro. Ou como o mapa que aparece no logotipo das Nações Unidas, com
centro no Polo Norte, para que ninguém se zangue – uma ideia semelhante à
projeção criada pelo norte-americano Richard Edes Harrison durante a
Segunda Guerra Mundial, com outros objetivos em mente: mostrar tanto a
importância do avião no conflito como o lugar que os Estados Unidos e a União
Soviética ocupariam depois da guerra.
Esse é um
dos problemas mais complexos para os cartógrafos, explica Brotton, já que é impossível
projetar uma esfera em uma superfície bidimensional sem que haja algum
tipo de distorção na forma ou nos ângulos. Usemos como exemplo um mapa que
segue a projeção de Mercator, um planisfério de 1569 no qual muitos dos
mapas atuais se baseiam.
Mapa-múndi
com a projeção Mercator. / STREBE /
WIKIPEDIA
Conforme
recorda este vídeo do Buzzfeed, esse mapa contém proporções que não
são corretas.
Mercator “tratou o globo como um cilindro e manteve
os ângulos cuidadosamente em sua superfície”, explica Brotton. Os meridianos
não convergem como deveriam, e por isso a Antártida parece ser tão grande, e a
Groenlândia aparece com uma área semelhante à da América do Sul inteira, apesar
de ter apenas uma oitava parte da sua superfície. Além disso, a Europa parece
ter o dobro do tamanho da América do Sul, sendo que na verdade é metade. Há
várias outras distorções assim.
Mas, ainda
que pareça estranho, o mapa de Mercator está longe de ser ruim. As distorções
permitem manter os rumos marítimos em linhas retas, o que era um de seus
objetivos. Ainda hoje, Google Maps, Bing e OpenStreetMap,
por exemplo, usam uma variante do Mercator para seus mapas em grande escala, já
que seus “retângulos simétricos se adequam perfeitamente aos mosaicos de pixels
que compõe um mapa digital”, explica Simon Garfield em seu livro On the
Map: Why the World Looks the Way It Does (“sobre o mapa: por que o
mundo tem a aparência que tem”).
Ou seja,
todas as projeções têm suas vantagens, mas também seus inconvenientes (e
distorções, que podem ser medidas com os chamados indicadores de Tissot).
Até mesmo a projeção de Arno Peters, criada em 1973. No seu mapa, os
continentes do norte aparecem radicalmente reduzidos em tamanho, enquanto a
África e a América do Sul se apresentam como “lágrimas enormes escorrendo para
a Antártida”, como descreve Brotton. Esse planisfério buscava corrigir as
falhas de proporções do Mercator e demonstrar que anossa forma de ver o mundo
tem consequências políticas. O mapa de Peters foi o mais vendido durante as
duas décadas seguintes, sendo adotado por entidades como as Nações Unidas e a
ONG Oxfam. Chegou inclusive à série de TV West Wing, na qual um
cartógrafo pronuncia a frase: “Nada está onde você acha que está”.
Projeção de
Gall-Peters. / STREBE / WIKIPEDIA
Mas essa
projeção também tem distorções e erros de cálculo: a Nigéria e o Chade, por
exemplo, aparecem com o dobro do tamanho real. Ainda por cima, Peters não
mencionou que se baseara no trabalho de James Gall. Apesar de todos esses
defeitos, Brotton recorda que seu grande mérito é ter “obrigado os cartógrafos
a admitirem que seus mapas nunca haviam sido e nunca poderiam ser
ideologicamente neutros ou representações cientificamente objetivas”. O modelo
também contribuiu para que fossem criadas (ou recuperadas) projeções adequadas
para fins específicos, levando-se em conta que cada uma tem suas
aplicações.
A projeção
do mapa australiano citado no tuíte do começo, por exemplo, é a Hobo-Dyer,
de 2002, similar à Gall-Peters. Este outro mapa é da projeção Robinson, de
1963, incorporando elementos dos mapas de Mercator e Gall-Peters, além de
tentar simular certa curvatura, embora isso gere uma distorção nas altas
latitudes.
Projeção de
Robinson. / STREBE / WIKIPEDIA
A de Goode,
de 1923, mantém a proporção de tamanhos, mas as direções e distâncias não são
fidedignas.
Projeção de
Goode. / STREBE / WIKIPEDIA
A Dymaxion,
de R. Buckminster Fuller, é um icosaedro desenhado de forma a manter os
formatos e dimensões, tentando representar os continentes de forma contínua.
Projeção
Dymaxion. / ERIC GABA / WIKIPEDIA
A Winkel Tripel, de 1921, é uma das projeções
que menos distorcem. Desde 1998, a National Geographic a
utiliza como padrão, substituindo a Robinson.
À medida que
nos familiarizamos com a imagem do mundo, os mapas passaram a ser usados para
refletir temas sociais, políticos e econômicos. Na verdade, os planisférios
frequentemente são distorcidos de modo a refletir esses aspectos. Um dos
principais exemplos desta tendência é o Atlas of the Real World:
Mapping the Way We Live (“Atlas do mundo real: mapeando a forma como
vivemos”, de 1998), em que Daniel Dorling, Mark Newman e Anna Barford
desenharam 366 mapas adaptando-os segundo dados demográficos, de migração, de
mortalidade infantil e de mortalidade em conflitos bélicos, entre outros temas.
Na mesma linha, este mapa de TeaDranks, usuário do foro Reddit,
mostra os tamanhos dos países segundo sua população em 2015. Austrália e Canadá
quase desaparecem, e a Índia fica maior que a África.
Tamanho dos
países segundo sua população em 2015 / TEADRANKS
/ REDDIT
Este outro,
de Jan Van der Weijst, ajusta os tamanhos segundo a taxa de encarceramento
a cada 100.000 habitantes de cada país.
Mapa-múndi
com os tamanhos dos países ajustados segundo sua população carcerária. /JAN VAN DER WEIJST
Os mapas
também podem nos servir para ver o tamanho da África em perspectiva. E isso que
este exemplo segue a projeção de Mercator – o Reino Unido na realidade tem metade do
tamanho de Madagascar, e não um tamanho semelhante, por exemplo.
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