Tudo sobre a história
dos calçados
Artista Plástico, Designer,
Pesquisador e Colecionador de coisas esquecidas e deixadas para trás
(principalmente histórias) por viajantes e andarilhos incautos. Multimídia. Neo
escritor em constante aprendizado.
"Louco" em relação ao conjunto de feitos e desfeitos ao longo da vida. Fato positivo (Colégio Interno-Reformatório, Bolsista da OEA na Itália, viajante, desobediente, portanto de certo modo realizado).
Atualmente estou Diretor do Museu Assis Chateaubriand da Universidade Estadual da Paraíba em Campina Grande, PB.
"Louco" em relação ao conjunto de feitos e desfeitos ao longo da vida. Fato positivo (Colégio Interno-Reformatório, Bolsista da OEA na Itália, viajante, desobediente, portanto de certo modo realizado).
Atualmente estou Diretor do Museu Assis Chateaubriand da Universidade Estadual da Paraíba em Campina Grande, PB.
Publicado em design por Angelo Rafael
em obviusmagazine
... a essência do que é realmente o calçado é imutável. E o fascínio que
ele exerce sobre o homem também.
A
história da humanidade está repleta de referências aos calçados. Mulheres
sumérias, hititas, babilônicas, assírias e persas já usavam sandálias amarradas
nos tornozelos, como a que a moda “lança” de vez em quando. Os modelos
masculinos, nestas mesmas civilizações eram quase botas, vazadas, que cobriam
as panturrilhas e eram amarradas nas coxas. Na África, em determinadas classes
sociais de certas tribos e etnias diversas sandálias eram enfiadas no dedo e
tinham cabedais coloridos, adornadas com contas e pedrinhas coloridas, que na
maioria das vezes queriam sinalizar origem étnica, poder ou classe social.
Heródoto, poeta grego do século III já falava em seu escrito “O Sapateiro”
sobre 18 tipos de calçados catalogados já naquela época. Por exemplo, o
“monodermom” que era praticamente um único pedaço de couro que ensacava o pé,
amarrado no tornozelo por um cordão, tipo ideal para o inverno. Outra tipologia
era a sandália propriamente dita, com a formação da palmilha com o desenho da
planta do pé, de onde saiam tiras que o seguravam e eram amarrados em cruz até
o joelho. Este modelo é um clássico que até hoje serve de referências para
estudos de design.
O
teatro grego se valia dos antepassados dos coturnos para as encenações das suas
tragédias e comédias, mas foram os romanos que usando-os nas batalhas e
conquistas se encarregaram de difundi-los. Já as mulheres gregas andavam
descalças ou de sandálias pelas ruas, dependendo das condições sociais de cada
uma. Na intimidade das casas e palácios usavam calçados fechados e mais
cômodos. As nobres romanas chegaram a usar sandálias cujos solados eram de ouro
fundido e marchetado e as tiras adornadas com pedras preciosas. No ano 301 dC,
um edito do Imperador Diocleciano faz referências a mais de vinte tipos de
calçados romanos, entre eles as famosas “caligae”, que eram calçados militares
de sola com faixas fixadas com pregos. A ele, o imperador, era reservado o “camepagus”,
e aos magistrados o “udo” feito com pele de cabra com pelos. Os bárbaros usavam
no período pós Império Romano os “uose”, tipologia similar a um coturno forrado
de pele. Foram os romanos que moldaram a gáspea do calçado e elaboraram formas
diferentes para os pés esquerdos e direitos, que vieram a ser aprimorados só em
1818 pelos ingleses.
.
Poulaine
As
classes sociais romanas diziam que tipo de calçados deveria os homens e as
mulheres usar. A cor amarela, verde e vermelho, além do branco, eram destinadas
às mulheres nobres. Os homens usavam a cor escalarte. Os cônsules usavam o
branco e os senadores sapatos finos, rasos e baixos na cor natural do couro. No
caso dos militares existiu uma variedade de calçados robustos de couro, com
dedos à mostra ou não, ferrados e reforçados. Dentre as curiosidades deste
mundo o Imperador Caius adotou um tipo específico de calçado militar. No
obscurantismo da Idade Média os tamancos de madeira eram usados por homens e
mulheres pobres, que no período do inverno os colocavam perto do fogo, ou até
brasas dentro dos modelos fechados para reterem o calor e assim aquecer os pés.
Em
relação às medidas foi o Rei Eduardo I que decretou que uma polegada seria
equivalente a três grãos de cevada enfileirados, medida esta que corresponde
até nossos dias. No séc. XII a França adota a estranha “Poulaine”, com pontas
longas que às vezes eram amarradas na perna ou no joelho, similar ao que
chamamos hoje se sapatos de palhaço.
Plataforma
No
séc. XV na Alemanha se usava a “pata de urso”, sapato fechado com a ponta
extremamente larga. Neste período Henrique VIII proibiu o uso de sapatos
pontiagudos, a seu favor, que tinha pés grandes e doloridos, provavelmente
devido a algum tipo de doença. Eram modelos simétricos e se tornaram bastante
populares. Na época dourada das grandes navegações e do mercantilismo europeu,
o couro e a pele foram dando lugar aos tecidos. Materiais exóticos aportavam em
famosos centros de comércio, vindos dos confins de além mar. Surgem muitos
sapatos sejam para homens que mulheres, confeccionados em vários tipos de
tecidos, bordados, pintados, cravejados de pedras, dentre outros.
Em
Veneza a versão da plataforma tomou um rumo inesperado: quanto mais alta era a
cepa do sapato, mas status tinha a senhora. Havia casos que elas só conseguiam
andar com a ajuda de dois empregados que as seguravam de cada lado pelas mãos.
Algum tempo depois as prostitutas venezianas adotaram esta tipologia como
reconhecimento da profissão. O calçado sempre viveu entre a funcionalidade e a
estética. Durante o estilo gótico as pontas se afunilaram e quanto mais
pontiagudas e longas mais determinava a condição social de quem o usasse.
Haveria uma relação com o estilo gótico onde as torres-agulhas de suas igrejas
buscavam os céus? Em 1600, Luís XIV baixou decreto que todos os nobres deveriam
calçar vermelho e saltos altos. Luiz XV os popularizou com laçarotes, fitas e
passamanarias e até hoje esta terminologia é usada para definir um sapato alto.
No entanto em pouco tempo este modelo masculino cede lugar ao feminino e os
homens passam a usar outros tipos de sapatos, baixos com fivelas largas. Na
Nova Inglaterra, puritana, os modelos se valeram de amarrações e dezenas de
botões no fechamento, principalmente nos sapatos femininos. Discrição e rigidez
eram palavras de ordem. Observamos também este mesmo conceito no vestuário.
O
Estilo Diretório lança o sapatinho bailarina para combinar com seus vestidos
vaporosos. De 1830 à virada do século as botas unissex com cadarços ou botões
eram a sensação, mesmo se neste período a Inglaterra lançou o mocassim de
indefectível estilo nativo da Nova Inglaterra. Só com o advento da máquina de
costura em meados do século XIX é que a manufatura dos calçados pôde deixar os
pregos que uniam a sola ao corpo do calçado, dando assim o primeiro passo para
a industrialização. Mesmo assim as tachas e pregos continuaram sendo usados em
certos tipos de calçados, e também por portugueses, no Brasil, que recebera
seus novos colonos sapateiros e oficiais similares. Houve um tempo em que os
aristocratas usavam calçados tão delicados que não resistiam a um único dia de
uso.
No
período vitoriano, em deferência à Rainha Vitória, que era de estatura baixa,
os saltos praticamente desapareceram. Este é um exemplo clássico de interferência
sócio-política nos costumes, hábitos e consequentemente nos modismos. Nesta
época as sapatilhas se tornaram quase obrigatórias para a maioria das mulheres
inglesas. Mas a moda é um círculo, que gira, ora lentamente, ora rápido e as
sapatilhas em curto espaço de tempo ficaram fora de moda. Na década de 1920 a
sandália reapareceu. Desta vez alta. O enfranque com a “alma de aço” permitiu
mais delicadeza, sutileza e colocou os dedos à mostra em detrimento às
tentativas anteriores de se criar uma posição mais altiva ou elegante para o
porte feminino. Eram os tempos de falsa euforia que precedeu a grande
depressão.
A
história narra muitas curiosidades sobre a altura dos saltos. Fala-se de certa
Médici que por ser baixa fez confeccionar sapatos com saltos altos para o seu
casamento, e depois copiados pelas damas e cortesãs francesas. Outros tecem
comentários sobre os Luíses. No entanto um sutil fio divide a verdadeira
história das lendas, mitos e suposições.
Uma
coisa em comum é certa: o fascínio que os sapatos altos sempre exerceram nas
pessoas e nas mulheres em especial. No pós - guerra o “new look” de Dior trás
de volta a feminilidade perdida. Franceses e italianos se juntam para dar ao
sapato um trono de não mais um coadjuvante na formação da nova identidade da
moda e do estilo. Assim, junto à cintura marcada, saia godê duplo cortada no
viés e as meias de nylon, inteiras, o sapato de bico fino e salto carretel é
copiado no mundo inteiro. Até hoje temos releituras, como é muito típico na
história da moda.
Havaianas
O
tênis, como o próprio nome determina foi originalmente concebido para prática
deste esporte. Hoje a alta tecnologia e as pesquisas científicas pontuam sobre
o conforto e desempenho, levando em consideração muito estudo e pesquisas em
novos materiais, ergonomia e design. Os tamancos, que originalmente eram
esculpidos numa peça inteiriça de madeira deixam os pés acima do solo, por
alguns poucos ou muitos centímetros. Os orientais tradicionais ainda hoje usam
em algumas cerimônias e ocasiões. O acaso ou necessidade, aliados à
criatividade pode conceber modelos como da nossa “Bombshell” Carmem Miranda,
que imortalizou o seu estilo e interpretação tendo como base as nossas cores e
a nossa exuberante natureza tupiniquim A sandália em si, usada por ambos os sexos,
tem sua principal característica deixar os pés à mostra, herança de um passado
mais que remoto. A versão feminina eleva e baixa os saltos de acordo com o
humor dos estilistas e demanda de mercado. Não esqueçamos de pontuar que a
versão masculina de duas tiras no peito do pé é a antítese do poder na época de
São Francisco. Hoje temos redesenho e revisitações até cravejadas de
brilhantes.
O
caso mais famoso no Brasil de sandália rasteira é o das sandálias Havaianas,
que no início de sua produção era voltada para um público popular e hoje temos
muitas versões. Já vimos até uma com a forquilha trabalhada em ouro.
Sapato
Dior
O
verbete chinelo tem sua raiz etimológica noutro verbete: China. O chinelo tem a
forma do contorno da planta do pé e uma faixa que a segura no seu dorso. A
sapatilha, alusão ao diminutivo de sapato, leve, fina e delgada, abrange vários
segmentos, dentre eles aquele do balé, chuteiras ou outras para esportes. No
caso da chuteira, como o próprio nome já diz é própria para chutar bolas, no
caso do esporte. Dentre suas características peculiares observamos os cravos no
solado, que evita quedas e escorregões. Vemos também cravos similares nos
sapatos especiais para a prática do golfe. Observamos que as botas, calçado de
cano alto, tem seus antepassados nos modelos romanos, e deles derivaram-se
muitos outros com características e serventias diferentes: coturno, galocha,
basqueteira, para usar na neve, para alpinistas, etc. A alpargata, que no
nordeste brasileiro chamamos de alpercata é uma variação antiga com a sua maior
representatividade no estilo sapatilha, confeccionada em lona com solado de
corda, e que na França desfrutou de grande popularidade nos anos 80, com o nome
de "espadrille". No entanto as alpercatas nordestinas são modelos com
características próprias, de linhas e modelagem fortes e com uma identidade
definida.
O senso de observação de quem estuda o calçado
faz com que não concordemos com descrições e derivações inflexíveis e lineares
sobre certa tipologia ou outra. Na realidade a essência do que é realmente o
calçado é imutável e o fascínio que ele exerce sobre o homem também.
© obvious: http://lounge.obviousmag.org/meus_sete_instrumentos/2015/04/um-flerte-historico-sobre-o-calcado.html#ixzz3XqiGZjJ4
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