sábado, 18 de abril de 2015

VOTO DISTRITAL MISTO

  Raymundo Pinto
É desembargador aposentado, é escritor, membro da Academia Feirense de Letras e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. 


           Após as recentes manifestações que levaram multidões às ruas de várias cidades do país, voltaram a ser discutidas as medidas que teriam mais prioridade de implantação para aplacar ou solucionar as enormes crises – política e econômica, em especial – em que está mergulhado (ou atolado?) o Brasil. Em momentos de incertezas como esses, não faltam os que, da oposição ou até da situação, proclamem que é preciso, antes de tudo, proceder-se a uma profunda reforma política. As opiniões são as mais díspares sobre o conteúdo da aludida reforma. Há, porém, um quase consenso na condenação do atual sistema de votação proporcional de parlamentares. O propósito dos que o aprovaram no bojo da Constituição Federal foi, a princípio, louvável, ou seja, assegurar representação às minorias, abrindo oportunidade aos partidos menores. Na prática, entretanto, têm-se verificado algumas gritantes distorções. Em São Paulo, por exemplo, uma forma de protestos carreou para um só cidadão – palhaço de profissão (nada de mal quanto a isso), mas de pouquíssima instrução – mais de um milhão de votos em duas seguidas eleições. O alto quociente eleitoral que seu partido obteve propiciou a vitória de outros candidatos com votação pouco expressiva. Aqui na Bahia, comenta-se a derrota de um candidato a deputado federal pelo PSDB, que conseguiu mais de 80 mil votos na eleição de 2010, enquanto outros se elegeram com menos da metade desse número.
               

São variados os aspectos que envolvem a pretendida reforma. Proponho-me a tecer breves considerações apenas sobre a eleição dos membros do poder legislativo, exceto o Senado (que é pelo voto majoritário). Os que desaprovam o sistema proporcional vigente, logo sugerem a votação distrital e invocam o êxito de sua aplicação principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos. A grande vantagem da divisão em distritos está em exigir menos recursos financeiros dos candidatos. Hoje somente os ricos ou protegidos de certas empresas (várias delas envolvidas no “petrolão”) têm condições de sustentar uma onerosa campanha para deputado na maioria dos estados brasileiros. Por outro lado, é justificável o receio de que haja uma tendência dos que forem eleitos pela nova forma – preocupados tão somente com suas respectivas comunidades – esqueçam ou se descuidem dos graves problemas nacionais. Não é recomendável copiar, sem fazer uma análise profunda, modelos que deram certo em nações mais civilizadas e de cultura bem diferente. O Brasil, além de sua imensa extensão territorial, possui regiões e periferias de grandes cidades em que a população é pobre e de baixíssimo grau de educação. Os críticos do chamado voto distrital puro insistem em apontar o perigo da queda sensível no nível do Congresso Nacional e das Assembleias Estaduais, com seus membros perdidos em discutir temas “paroquiais”. Qual a solução mais viável, então?

             Uma determinada corrente política, tendo à frente o PT, defende o votação em listas fechadas. O eleitor, no caso de eleição para cargos legislativos (exceto senador), votaria tão somente na legenda. Os partidos apresentariam previamente uma relação de candidatos e o número de eleitos dependeria do quociente eleitoral obtido. Uma das vantagens seria que os partidos ganhariam mais força e representatividade. Alguns líderes importantes com visão de estadista – mas às vezes de fraco desempenho eleitoral – teriam presença certa nos parlamentos. No entanto, acusa-se como sendo o maior defeito desse sistema a possibilidade de as cúpulas partidárias, na hora de preparar a lista, procurarem se beneficiar em desfavor de pretendentes de menor influência.

             Analisando com isenção os prós e contras dos sistemas acima mencionados, proponho que o nosso país deveria fazer a experiência – bem-sucedida na Alemanha – de adotar o voto distrital misto. Trata-se de um meio termo que afastaria as principais desvantagens da lista fechada e do voto distrital puro. Consiste em utilizar essas duas formas de modo simultâneo, ou seja, votando cada eleitor para um candidato e para uma legenda partidária, parte dos parlamentares (incluindo membros da Câmara Federal, Assembleias dos Estados e Câmaras de Vereadores) seria eleita em votação nos distritos e a outra parte de acordo com o quociente eleitoral conseguido pelos partidos, que registrariam listas prévias. Na Bahia, por exemplo, a Assembleia teria um número par de membros (64 em lugar de 63), sendo que o estado teria de ser dividido em 32 distritos, com vários municípios em cada um, obedecida a proximidade por região. Ganharia o candidato que obtivesse mais votos no distrito. As demais 32 vagas seriam preenchidas mediante a votação em listas fechadas dos partidos.

É evidente que a simples mudança do atual sistema proporcional para o distrital misto não seria uma panaceia que iria solucionar todos os nossos problemas políticos, mas, com certeza, já se daria um considerável passo no sentido de moralizar as eleições e evitar a condenável influência do poder econômico. Há, sem dúvidas, outrotemas que merecem ser enfrentados na pretendida reforma, destacando-se o financiamento das campanhas e, sobretudo, a aprovação de uma severa legislação que institua a denomina “cláusula de barreira”, que limite o número de partidos e impeça essa absurda proliferação de “legendas de aluguel” que impera na atualidade. Boas ideias não faltam para tornar efetiva a reforma eleitoral. Oxalá os políticos se convençam, afinal, da urgente necessidade dela.

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