Raymundo
Pinto
É desembargador aposentado, é
escritor, membro da Academia Feirense de Letras e da Academia de Letras
Jurídicas da Bahia.
Após as recentes manifestações que levaram multidões às ruas de várias
cidades do país, voltaram a ser discutidas as medidas que teriam mais
prioridade de implantação para aplacar ou solucionar as enormes crises –
política e econômica, em especial – em que está mergulhado (ou atolado?) o
Brasil. Em momentos de incertezas como esses, não faltam os que, da oposição ou
até da situação, proclamem que é preciso, antes de tudo, proceder-se a uma
profunda reforma política. As opiniões são as mais díspares sobre o conteúdo da
aludida reforma. Há, porém, um quase consenso na condenação do atual sistema de
votação proporcional de parlamentares. O propósito dos que o aprovaram no bojo
da Constituição Federal foi, a princípio, louvável, ou seja, assegurar
representação às minorias, abrindo oportunidade aos partidos menores. Na
prática, entretanto, têm-se verificado algumas gritantes distorções. Em São
Paulo, por exemplo, uma forma de protestos carreou para um só cidadão – palhaço
de profissão (nada de mal quanto a isso), mas de pouquíssima instrução – mais
de um milhão de votos em duas seguidas eleições. O alto quociente eleitoral que
seu partido obteve propiciou a vitória de outros candidatos com votação pouco
expressiva. Aqui na Bahia, comenta-se a derrota de um candidato a deputado
federal pelo PSDB, que conseguiu mais de 80 mil votos na eleição de 2010,
enquanto outros se elegeram com menos da metade desse número.
São
variados os aspectos que envolvem a pretendida reforma. Proponho-me a tecer
breves considerações apenas sobre a eleição dos membros do poder legislativo,
exceto o Senado (que é pelo voto majoritário). Os que desaprovam o sistema
proporcional vigente, logo sugerem a votação distrital e invocam o êxito de sua
aplicação principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos. A grande vantagem
da divisão em distritos está em exigir menos recursos financeiros dos
candidatos. Hoje somente os ricos ou protegidos de certas empresas (várias
delas envolvidas no “petrolão”) têm condições de sustentar uma onerosa campanha
para deputado na maioria dos estados brasileiros. Por outro lado, é
justificável o receio de que haja uma tendência dos que forem eleitos pela nova
forma – preocupados tão somente com suas respectivas comunidades – esqueçam ou
se descuidem dos graves problemas nacionais. Não é recomendável copiar, sem
fazer uma análise profunda, modelos que deram certo em nações mais civilizadas
e de cultura bem diferente. O Brasil, além de sua imensa extensão territorial,
possui regiões e periferias de grandes cidades em que a população é pobre e de
baixíssimo grau de educação. Os críticos do chamado voto distrital puro insistem
em apontar o perigo da queda sensível no nível do Congresso Nacional e das
Assembleias Estaduais, com seus membros perdidos em discutir temas
“paroquiais”. Qual a solução mais viável, então?
Uma
determinada corrente política, tendo à frente o PT, defende o votação em listas
fechadas. O eleitor, no caso de eleição para cargos legislativos (exceto
senador), votaria tão somente na legenda. Os partidos apresentariam previamente
uma relação de candidatos e o número de eleitos dependeria do quociente
eleitoral obtido. Uma das vantagens seria que os partidos ganhariam mais força
e representatividade. Alguns líderes importantes com visão de estadista – mas
às vezes de fraco desempenho eleitoral – teriam presença certa nos parlamentos.
No entanto, acusa-se como sendo o maior defeito desse sistema a possibilidade
de as cúpulas partidárias, na hora de preparar a lista, procurarem se beneficiar
em desfavor de pretendentes de menor influência.
Analisando com isenção os prós e contras dos sistemas acima mencionados,
proponho que o nosso país deveria fazer a experiência – bem-sucedida na
Alemanha – de adotar o voto distrital misto. Trata-se de um meio
termo que afastaria as principais desvantagens da lista fechada e do voto
distrital puro. Consiste em utilizar essas duas formas de modo simultâneo, ou
seja, votando cada eleitor para um candidato e para uma legenda partidária,
parte dos parlamentares (incluindo membros da Câmara Federal, Assembleias dos
Estados e Câmaras de Vereadores) seria eleita em votação nos distritos e a
outra parte de acordo com o quociente eleitoral conseguido pelos partidos, que
registrariam listas prévias. Na Bahia, por exemplo, a Assembleia teria um
número par de membros (64 em lugar de 63), sendo que o estado teria de ser
dividido em 32 distritos, com vários municípios em cada um, obedecida a
proximidade por região. Ganharia o candidato que obtivesse mais votos no
distrito. As demais 32 vagas seriam preenchidas mediante a votação em listas
fechadas dos partidos.
É
evidente que a simples mudança do atual sistema proporcional para o distrital
misto não seria uma panaceia que iria solucionar todos os nossos problemas
políticos, mas, com certeza, já se daria um considerável passo no sentido de
moralizar as eleições e evitar a condenável influência do poder econômico. Há,
sem dúvidas, outros temas que merecem ser enfrentados na pretendida
reforma, destacando-se o financiamento das campanhas e, sobretudo, a aprovação
de uma severa legislação que institua a denomina “cláusula de barreira”, que
limite o número de partidos e impeça essa absurda proliferação de “legendas de
aluguel” que impera na atualidade. Boas ideias não faltam para tornar efetiva a
reforma eleitoral. Oxalá os políticos se convençam, afinal, da urgente
necessidade dela.
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