Apuração preliminar analisa papel do ex-presidente em negócios da
Odebrecht
CARLA JIMÉNEZ São Paulo 4 MAY 2015
El País – O Jornal Global
Lula da Silva, em um ato pelo Dia do Trabalho em São Paulo. / VICTOR MORIYAMA (GETTY IMAGES)
O Partido dos Trabalhadores vive dias turbulentos. Depois do processo da Lava-Jato, que
constatou um esquema de corrupção na Petrobras, desta vez, é o ex-presidente
Lula e o marqueteiro das campanhas eleitorais de Dilma Rousseff, João Santana,
que estão sob a mira dos agentes fiscalizadores. A Procuradoria Geral da República, em Brasília, abriu no último dia 21 o que no mundo jurídico se chama notícia de fato, uma
investigação preliminar sobre o papel do ex-presidente Lula nos negócios
fechados no exterior pela empreiteira Odebrecht.
Um dos procuradores do núcleo de Combate à Corrupção do órgão entrou com
uma representação, anexando matérias publicadas na imprensa, para levantar se
há indícios de tráfico de influência na atuação do ex-presidente junto a
governos internacionais, entre 2011 e 2014, para facilitar as parcerias com a
Odebrecht em outros países na execução de obras de infraestrutura. “Ainda não
há prova nenhuma, e isso não foi convertido em investigação”, explica Mirella
Aguiar, procuradora responsável por avaliar o processo e decidir se ele tem
consistência para se transformar numa investigação de fato. Ela tem até o dia
20 de maio para decidir sobre o andamento do processo, ou arquivá-lo,
inclusive.
O assunto foi levantado este final de semana pela revista semanal Época, em reportagem que questionou as viagens de Lula, custeadas pela
Odebrecht, a países como Gana ou República Dominicana, onde a empresa depois
fechou contratos de execução de obras, financiadas posteriormente pelo BNDES, o
banco público que financia obras de infraestrutura, inclusive no exterior. Se
for alvo de inquérito formal, tanto as viagens para o exterior, que mostram o
contato de Lula com líderes de outros países, como o eventual papel do
ex-presidente para a liberação de crédito à Odebrecht, poderiam ser objeto de
avaliação da PGR.
Em outra frente, a Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da
Polícia Federal abriu inquérito sobre o publicitário João Santana. Segundo o
jornal Folha de S. Paulo, o objetivo é apurar a suspeita de
que ele teria trazido ao Brasil 16 milhões de dólares, oriundos de Angola, em
2012, no que poderia ser uma operação de lavagem de dinheiro para beneficiar o
PT, segundo o jornal. Santana atuou, naquele ano, em duas campanhas eleitorais:
em São Paulo, para o então candidato Fernando Haddad, que venceu o pleito para
prefeito da capital, e em Angola, onde assessorou o partido MPLA, cujo então
candidato, José Eduardo dos Santos, venceu as eleições presidenciais. De acordo
com a Folha, o dinheiro devido em Angola pode ter sido pago por empreiteiras
que atuavam naquele país ao marqueteiro a título de custear a campanha de
Haddad.
As duas versões foram contestadas, tanto por Lula quanto por Santana. Na
página do Instituto Lula, em texto intitulado “As sete mentiras da capa da
Época sobre Lula”, a assessoria do ex-presidente rebate o conteúdo da
reportagem, lembrando que faz e fez palestras promovidas por empresas,
nacionais e internacionais, “remunerado, como outros ex-presidentes que fazem
palestras”. “Como é de praxe, as entidades promotoras se responsabilizam pelos
custos de deslocamento e hospedagem”, afirma.
A assessoria de Lula diz ainda que a revista criminaliza e partidariza a
questão do financiamento pelo BNDES de empresas brasileiras na exportação de
serviços. “É importante notar que esse financiamento começou antes de 2003, ou
seja, antes do governo do ex-presidente Lula.”
Santana, por sua vez, publicou na página da sua agência, a Pólis
Propaganda contratos de prestação de serviço, valores e documentos de
pagamentos recebidos tanto pela campanha em Angola como pelo PT, em São Paulo,
incluindo notas fiscais e recibos de transferência de recursos do exterior,
para comprovar que não houve pagamento cruzado, ou seja, o dinheiro da campanha
eleitoral angolana não foi utilizado para custear a campanha de Haddad. “Isso
não ocorreu, como está cabalmente provado nos itens anteriores desta nota”, diz
o texto, lembrando que o que está na Polícia Federal é “um procedimento
investigatório preliminar”, afirma.
As duas acusações podem até vir a ser arquivadas, mas dão combustível aos parlamentares de oposição, que trabalham para sangrar o Governo de Dilma Rousseff,
inclusive com a ameaça constante de pedidos de impeachment. No caso da denúncia
contra Lula, o assunto está servindo de pretexto para aumentar a pressão no
Congresso por uma Comissão Parlamentar de Inquérito do BNDES. O cientista
político Carlos Melo observa que a pauta política no Brasil está contaminada
por uma espécie de "vingança" contra Dilma e o PT, depois da campanha
eleitoral de 2014. A presidenta não foi perdoada por ter pregado um clima
terror sobre o que aconteceria com a economia caso seus adversários fossem
eleitos. Agora seu ministro da Fazenda, Joaquim
Levy, aplica receituário similar ao que Rousseff
rejeitava em campanha. “É um clima de uma eleição que ainda não acabou”, diz
Melo. “Mistura-se um clima de ressentimento com elementos de desconfiança que a
operação Lava Jato deixou”, afirma.
Melo diz que em política, errar tem um peso, mas mentir tem outro muito
maior. E a comunicação na campanha foi interpretada como uma sucessão de
mentiras.
A
dificuldade da presidente impor-se como uma liderança capaz de unir o Brasil
agrava a sua crise, acredita Melo. “Todos estão com o PT preso na garganta”,
diz ele. A economia próspera seria o antídoto perfeito para começar a fazer as
pazes com o país, mas assim como o PT a presidenta não saiu da tempestade,
perfeita para manter sua popularidade em baixa.
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