Publicado em artes e ideias por Bianca Ferreira,
em obviusmagazine
”21
anos, ex-estudante de medicina veterinária, atual estudante de artes visuais.
Se pudesse moraria em cada país do
mundo, conheceria cada cultura, cada religião, cada povo. Sonha poder viajar e
trabalhar ao mesmo tempo, retratar artisticamente as pessoas que encontra e que
marcam sua vida, e deixar um pouco dela mesma em cada um que conhece.
Fala e escreve muito sobre direitos
humanos. Sempre quis dar aula e trazer às pessoas uma perspectiva diferente
sobre a arte, história, realidade. É perdidamente apaixonada pela cultura
ameríndia.
Em uma frase: "Todas as coisas
estão ligadas, como o sangue que une uma família".
Seja mais. Sinta mais. Respire. Somos humanos cheios de cores, cheios de
dores, cheios de amores. Vamos nos entregar aos desejos e aos sonhos. Vamos
aceitar nossos defeitos, vamos aceitar-nos uns aos outros. Vamos dar uma trégua
à nossa imperfeição e deixá-la fazer parte de nós. Vamos viver!
Ora, pois,
você deve estar pensando, essa é uma tela de Salvador Dalí? E a resposta é:
não. Esta é uma imagem do Projeto Brainbows, da Universidade de Havard. Mais especificamente,
esta é a imagem do cérebro de um rato com apenas três proteínas fluorescentes
se recombinando diversas vezes, produzindo mais de 90 tons de cores. Então
agora você deve estar pensando: mas o que isto tem a ver com Salvador Dalí
afinal? Ora, nada. E ao mesmo tempo, tudo!
Seria
humanamente impossível dizer em um post tudo o que precisa ser dito sobre
Salvador Dalí. E a menos que eu queira fazer os leitores dormirem e babarem em
cima do teclado, é preciso desenvolver uma maneira pouco comum de falar sobre
arte. Voltarei a falar sobre Dali e seu método outras vezes neste blog, por
isso, vamos com calma.
Resumidamente,
a história da vida de Dalí é a seguinte: nascido na Catalunha, Espanha, se
mostrou excêntrico e narcisista desde criança. Estudou na Escola Belas Artes
São Fernando em Madri, antes de ser expulso por fazer a afirmativa peculiar de
que ninguém lá era suficientemente bom para avalia-lo. Morando na França
conheceu o movimento surrealista, do qual foi expulso por não compartilhar da mesma
ideologia política que a maioria dos artistas.
Depois de
envolvimentos homossexuais, apaixonou-se por uma imigrante russa conhecida como
Gála Éluard, na época esposa do poeta Paul Éluard. Em 1934, Gála casou-se com
Salvador Dalí e se tornou sua musa e inspiração. O pai de Dalí, por fim, não
aprovava sua relação amorosa com Gála, dez anos mais velha que ele e então
divorciada. O rompimento da relação com o pai produziu em Dalí uma obsessão
pela pintura, como se esta fosse para ele uma válvula de escape. Segue uma
declaração de Dalí sobre sua amada:
“Gala
trouxe-me, no verdadeiro sentido da palavra, a ordem que faltava à minha vida.
Eu existia apenas num saco cheio de buracos, mole e delicado, sempre à procura
de uma muleta. Ao juntar-me a Gala, encontrei a minha coluna vertebral e, ao
fazer amor com ela, preenchi a minha pele.”
Sei que as
meninas se derreteram com tanta eloquência. Agora, mais do que antes, você que
esta a ler esta passagem deve se perguntar: que Dalí é este que eu, a autora,
estou incentivando as pessoas a libertarem? Um excêntrico prepotente que oscila
entre sua sexualidade e expõe a público suas frustrações? E de novo a resposta
é: não. Eu vou chegar lá, meu querido leitor apressado. Agora que conhecemos a
história deste ser humano peculiar, vamos entendê-lo.
Dalí soube
mostrar uma perspectiva artística desde jovem quando produziu suas primeiras
obras, como por exemplo, “Moça à Janela”. Mas foi o seu amadurecimento como
pintor, depois de ter conhecido Gála, que expôs toda sua capacidade. Um exemplo
disso é sua obra “O Grande Masturbador”. É isso mesmo que você leu.
Disponibilizei-a para que você não perca o foco do texto ao procura-la na
internet devido à curiosidade:
A
interpretação desta obra é interessante graças à quantidade de informações que
Dalí coloca em uma só pintura. São obras desse tipo que fazem as pessoas
classificarem os artistas como “possuidores de um parafuso a menos”. Contudo, é
o entendimento de telas assim que deixa evidente como esses mesmos artistas,
tal qual Salvador Dalí, têm na verdade mais parafusos que a maioria. Preciso
destacar que muitos estudiosos da área de psicologia fazem paralelos entre as
“estranhezas” da obra de Dalí e a psicologia de Freud. Contudo, deixo isso para
os entendidos e introduzo aqui apenas os conhecimentos artísticos.
A figura
principal que ocupa a maioria da tela e que se assemelha a um rosto virado para
baixo, apoiado no chão pelo nariz, é uma figura que está presente em muitas de
suas obras, como você pode ver em “A Persistência da Memória” que vem a seguir.
Estudiosos acreditam que seja uma referência a uma formação rochosa de Créus,
no litoral da Catalunha. Ao mesmo tempo, de olhos fechados e cabelo dividido ao
meio, parece também alguém que sonha. A mulher loira que na parte superior da
tela acredita-se que seja Gála, musa inspiradora de Dalí e que pode ser vista
também em muitas outras obras.
Este
quadro, pintado em 1929, pode ser a representação que Dalí fez para o momento
em que conheceu Gála. Momento esse que muitos acreditam ter sido a primeira vez
na vida em que ele se sentiu atraído por uma mulher. Em uma de suas declarações
Dalí conta como falhou diversas vezes em atingir o orgasmo numa relação sexual,
tendo que fazê-lo depois através da masturbação. Conhecer Gála foi para ele um
momento único, onde esse desejo tão intenso marcou sua vida profundamente, e
fazia parte do estilo de Dalí trazer esses fatos pessoais ao público através
das imagens.
Elementos
como o gafanhoto e as formigas também estão sempre presentes em suas obras, ligados
ao medo profundo que o autor tinha dos insetos. Também podem ser vistos na obra
“Persistência da Memória” sobre o relógio menor, como se estivessem a
devorá-lo. Plumas coloridas e conchas também amedrontaram o autor durante a sua
infância. Dalí mostra-nos então sua visão confusa e desconexa sobre o sexo. Ao
mesmo tempo em que isso era pra ele instigante, claro, também era perturbador.
A lembrança de como seu pai o havia ensinado sexualidade, mostrando-lhe um
livro de doenças venéreas, trazia a Dalí uma expectativa que se misturava ao
desejo e ao nojo. Subsequente a isso, podemos ver ainda no inferior da tela um
homem abraçando uma rocha com formato de um corpo feminino. A frieza da rocha
num corpo de mulher talvez nos exemplifique a contradição mental de Dalí, que
ao mesmo tempo em que se sentia tão seduzido por uma mulher, pensava que ela
talvez jamais fosse capaz de leva-lo ao orgasmo.
Temos ainda
diversas outras referências das quais eu poderia escrever páginas e páginas,
mas isso deixaria o post chato pra caramba e ninguém ia terminar de lê-lo.
Falando, portanto, brevemente, o gafanhoto é também um animal bissexual, e que
tem a cabeça arrancada pela fêmea após o coito. Sob o topo da imagem que se
assemelha a uma cabeça existe um anzol, dotado de uma conotação um tanto
fálica. Um pouco mais acima, pedras, uma rolha e uma concha do mar
equilibram-se sobre todas as controvérsias de Dalí. No canto inferior esquerdo,
um homem sozinho se afasta no horizonte. O que tudo isso significa eu deixo a
seu critério dessa vez. Interprete como a obra faz você se sentir, isso é arte.
E o que era
uma imagem sem sentido, tornou-se agora um conjunto de nuances, algumas
discretas, outras expostas, algumas sutis, outras evidentes. O fato é que Dalí
consegue dar realidade aos sonhos que invadem sua mente. De alguma maneira,
toda sua loucura invade as formas e as cores, e o que antes parecia lunático
desfere sobre nós um golpe de lucidez. Apesar de egocêntrico, narcisista e
prepotente, é essa confiança que Dalí deposita em seu potencial e em si mesmo
que fez dele o gênio. Salvador Dalí não buscou exaltar suas qualidades, não
tentou convencer ninguém de que era único. Ele acreditou nisso desde o começo,
e julgando até mesmo suas frustrações e loucuras dignas de retrato, produziu
obras únicas e de uma complexidade chocante.
Eis que se
revela então o verdadeiro intuito deste texto. Salvador Dalí, dotado de uma
mente que era ao mesmo tempo brilhante e perturbada, genial e paranoica. Uma
mente que poderia ter se tornado até mesmo psicótica, tornou-se uma explosão de
formas e irrealidades. Se a mente de um pequeno roedor é capaz de produzir 90
tons de cores e uma imagem tão bonita, como seria a mente de Dalí? Existiriam
cores suficientes no mundo pra retratar tamanha complexidade? E se eu dissesse
que dentro de cada um de nós vive um Salvador Dalí?
Que humano
não compartilha das mesmas maluquices? Talvez não exatamente essas, talvez não
do mesmo jeito, mas todos nós estamos sempre divididos em nossas opiniões, em
nossas concepções. Estamos sempre confusos com relação aos nossos sentimentos,
sempre divagando em nossos pensamentos. E a exemplo de Dalí, eu não digo: pense
direito. Eu não digo: seja mais racional. Pelo contrário. Eu digo: liberte-se
meu amigo. Aceite suas irrealidades, seus defeitos, suas frustrações. Faça
delas as frustrações mais belas que alguém já viu. Torne-se esplêndido, um ser
humano notável cujos defeitos explodem de sua alma tão coloridos quanto suas
qualidades, porque você é brilhante assim.
Mais
racional coisa nenhuma. Seja mais sentimental. Seja mais real. Seja mais
humano. Seja quem você é. Tenha essa coragem. Deixo aqui minha singela
homenagem à alma fascinante que foi Salvador Dalí.
© obvious: http://obviousmag.org/humaniarte/2015/05/-ora-pois-voce-deve.html#ixzz3ZS9p6bK8
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