A 'pegada' de carbono dos produtos à base de carne inviabiliza seu
consumo ao ritmo atual
Os reis da carne são brasileiros
GUILLERMO ALTARES Hoyos del Espino
O fazendeiro Jesús González Veneros. / ULY MARTÍN
Na coroação
da rainha Elizabeth II, em 1953, foi servido frango, uma ave que pode parecer
pouco nobre para um momento de tanta pompa e circunstância. Daquela cerimônia
nasceu uma das receitas britânicas mais famosas: Coronation Chicken.
De lá para cá, o consumo de carne no Ocidente cresceu tanto que algo
que antes era fora do comum hoje é normal. Apenas entre 1990 e 2012, segundo
dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura), o número de galinhas no mundo cresceu 104,2%, passando de 11,788
bilhões para 24,705 bilhões, e o de cabeças de gado bovino, altamente
contaminante para o meio ambiente, passou de 1,445 bilhão para 1,684 bilhão (um
aumento de 16,5%). A dúvida é se o planeta conseguirá suportar esse aumento: um
estudo de 2013, também da FAO, assegura que a produção de carne é responsável
por 14,5% das emissões de carbono e que, ao mesmo tempo, o consumo de carne
aumenta em torno de 5% a 6% ao ano nos países em desenvolvimento. “O gado
exerce um papel muito importante nas mudanças climáticas”, concluiu a FAO.
“Nossa
alimentação é baseada em produtos de origem animal, e sabemos que a repercussão
ambiental desses produtos é muito grande”, explica Emilio Martínez de Victoria
Muñoz, ex-presidente do Comitê Científico da Agência Espanhola de Segurança
Alimentar e Nutrição. “Um quilo de carne é muito menos sustentável que um quilo
de verduras.” O antropólogo Jesus Contreras, do Observatório da Alimentação,
observa: “Se todos os habitantes da China consumissem tanta carne quanto nós,
seria insustentável. Temos um problema de sustentabilidade, porque temos uma
alimentação que é energeticamente muito cara.”
A carne
passou por várias crises. Por um lado, há os conselhos médicos relativos ao
consumo excessivo de alguns tipos de carne (suína, carne vermelha). Por outro,
como foi o caso com a doença da vaca louca, estão as polêmicas geradas pelos
produtos usados na alimentação do gado. Mas o grande problema do consumo de
carne guarda muito mais relação com o meio ambiente que com a saúde. A
chamada pegada de carbono, que mede os recursos necessários
para produzir alguma coisa, é gigantesca no caso da carne, tanto que ninguém
acredita que o ritmo atual do consumo possa ser mantido. Novamente segundo
a FAO, no conjunto dos países desenvolvidos o consumo médio per capita era de
60 quilos ao ano em 1964; hoje é de 95,7 quilos, e calcula-se que em 2030 terá
chegado a 100,1 quilos.
O
jornalista Andrew Lawyer, que acaba de publicar um livro sobre a história dos
frangos, Why did the chicken cross the world? (Por que o frango
atravessou o mundo?), diz que é impossível calcular o número de aves
sacrificadas diariamente no mundo: “Não existem estatísticas, mas tenho certeza
que são dezenas de milhões. O consumo de frango cresce muito rapidamente.”
Quanto mais urbanizados os países, maior é seu consumo de ovos e frangos. Na
Espanha, a produção de carne de aves passou de 836.000 toneladas em 1990 para
1,3 milhão em 2013.
Pedro
Matarranz e sua criação suína em Cantimpalos. / ULY MARTÍN
A carne é
um setor econômico muito importante na Espanha. De acordo com os dados mais
recentes obtidos da associação de produtores de carne, em 2013 foi exportado
1,57 milhão de toneladas, no valor de 4,189 bilhões de euros. Com 3,4% da
produção mundial, a Espanha é o quarto maior produtor mundial de carne suína,
perdendo apenas para a China (que produz 50% da carne suína do mundo), EUA
(10%) e Alemanha (5,3%). E é o segundo país europeu, com 16% do total.
Esse mundo
industrial, do qual vivem milhares de pequenas economias – basta lembrar a
crise em Burgos no final de 2014 quando a fábrica de Cantimpalos pegou fogo --,
pode ser visto na vila de Cantimpalos, em Segóvia, com 1.400 habitantes, 16
indústrias de embutidos e uma produção de chouriço de 42 toneladas em 2013. “A
produção de carne suína não recebe ajuda do governo”, explica o pequeno
produtor Pedro Matarranz. “Esta cidade vive das fábricas de embutidos, da
pecuária ou da agricultura.”
Sob o calor
de julho no planalto de Segóvia, uma visita à sua pequena criação revela as
dificuldades enormes desse trabalho, desde o manejo de 500 toneladas de dejetos
ao ano (se bem que Matarranz uso sobretudo palha) para convertê-los em
fertilizantes até as enormes medidas de segurança sanitária. Também na produção
em escala familiar, que é quase artesanal, a carne de porco requer um esforço
enorme de energia.
“A comida
do futuro será a comida do passado”, diz um assessor da FAO, Sandro Dernini. “A
pegada de carbono da produção de proteínas animais é enorme.” Mostrando manchas
negras numa encosta distante da Serra de Gredos, o pecuarista Jesús González
Veneros, de Ávila, comenta: “Este ofício mudou muito pouco em 200 anos”. Um
olhar leigo é incapaz de distinguir as cabeças de gado na montanha, mas Veneros
as localiza perfeitamente. Para chegar até lá ele precisa de um cavalo, como
faziam seu bisavô, seu avô e seu pai, também pecuaristas. Esse tipo de criação
representa a expressão máxima da carne ecológica, da qual depende um
ecossistema econômico e social, mas não será capaz de suprir a demanda mundial
a não ser que o consumo de carne seja reduzido em pouquíssimo tempo.
E esse problema se
coloca em um mundo onde 900 milhões de pessoas passam fome diariamente. Como
assinala a FAO, o setor da carne enfrenta o desafio impossível de aumentar a
produção, diante de um aumento da demanda e da população do planeta e da
necessidade simultânea de reduzir as emissões de gases estufa.
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