A crise grega tem ingredientes muito sérios, tanto para os países
desenvolvidos quanto para os países em desenvolvimento.
Grécia aceita plano europeu com
mínimas concessões adicionais
LUIZ FELIPE DE SEIXAS CORRÊA
Luis Felipe de Seixas Corrêa é
um diplomata brasileiro.
El PAÍS – O JORNAL
GLOBAL - Facebook
A atual crise da Grécia é relevante não apenas para a União
Europeia, mas também para todos os países em desenvolvimento que mantêm
relações de proximidade com os organismos financeiros internacionais e com os
países desenvolvidos em geral. Vista pela opinião pública brasileira como um
problema distante, a crise grega tem
ingredientes muito sérios tanto para os países desenvolvidos, quanto para os países em desenvolvimento.
Havendo-se endividado fora de qualquer limite razoável nos anos de bonança, a
Grécia paga hoje o preço de uma virtual falência por falta de recursos e pela
negativa dos países europeus em aumentar os empréstimos sem uma contrapartida
substantiva de políticas de austeridade. Sem recursos para pagar o que deve, a
Grécia busca leniência e recebe de volta declarações morais do tipo da fábula
de La Fontaine sobre a cigarra e a formiga: Cantou no verão? Agora dance no
inverno!.
Essa é a lógica do poder. Esquecem os poderosos,
porém, que têm uma responsabilidade solidária: emprestaram além do razoável. E
agora querem cobrar, arriscando o que se imagina possa ser uma catástrofe
social e econômica na Grécia. Se flexibilizarem em demasia a Grécia, porém,
como justificariam o aperto que foi dado à Espanha, a Portugal e à Irlanda? Sem
falar no que poderia ser eventualmente aplicado à Itália e, diz-se até, à
França. Ambos são como se diz em inglês, "too big to fail". Mas se
estivermos efetivamente à beira de uma nova recessão mundial, nada é
impossível.
Acredita-se
que terá havido um erro de cálculo por parte da União Europeia — em
particular da Alemanha, maior credor individual da Grécia — ao insistir em
que a Grécia continuasse a pagar e a recusar novos empréstimos. Bruxelas talvez
tenha imaginado que a Grécia poderia ter sido mais flexível e que serviria de
exemplo para outros países que viessem a ser tentados a fazer coisa parecida.
Na realidade, isso não aconteceu. O núcleo duro da União Europeia talvez tenha
criado uma situação ainda mais difícil para si mesmo.
O pedido de
novo empréstimo já foi feito. Escrevo às vésperas do prazo dado à Grécia pela
União Europeia para apresentar nova proposta para consertar os desequilíbrios
econômicos e financeiros que a levaram à bancarrota. Muita coisa pode ainda
acontecer. Inclusive o recuo de Bruxelas. A demissão do Ministro das
Finanças grego logo após o referendum pode ter sido
armada justamente para facilitar o acordo. Como se diz na linguagem política
brasileira, "tirou-se o bode da sala!". Mas pode não ser. Neste caso
a Grécia deixaria o Euro (quem sabe até se afastaria da União Europeia),
desvalorizaria a dracma e trataria a duras penas de conformar sua economia à
realidade não propriamente "desenvolvida" do país. Aumentaria o
turismo, vender-se-iam mais azeitonas e mais azeite e a Grécia retomaria a sua
trajetória.
Não
deixaria de ser uma grave crise para a construção europeia. Afinal, como diziam
os românticos, "todas as ruas de Paris começam em Atenas!". Europa é
um nome que vem da mitologia grega. É lá que começa a História do que veio a
ser o mundo ocidental. Bruxelas será insensível a esse fato?
Pode ser
que sim. Pode ser que não.
Se for
insensível, abrirá mais as portas para a saída do Reino Unido porque terá
indicado a sua falta de flexibilidade para atender o que se considera como a
excepcionalidade britânica. Se for sensível, poderá por outros caminhos dar
margem a um processo de desconstrução das normas da integração europeia.
Nesse tipo
de situação a tendência da diplomacia é procrastinar: adiar uma decisão até que
ela se torne inevitável. Ou seja, tomar medidas aproximativas, de meio termo,
que permitam ganhar tempo na expectativa de que algo novo ou extraordinário
possa acontecer. O problema é que normalmente não acontece coisa alguma...
E o Brasil,
que tem a ver com isso?
Muita
coisa.
Primeiro,
porque a estabilidade da União Europeia constitui fator indispensável para a
estabilidade mundial. Já estamos vivendo um período bastante instável com o
crescimento vai-e-volta dos EUA, com o que pode estar-se caracterizando como
uma interrupção no crescimento acelerado da China, e com a lentíssima
retomada do Japão. Sem falar nas permanentes incertezas geradas pela
confrontação com o islamismo radical.
Segundo,
porque, às voltas com uma recessão séria e uma crise político-institucional
igualmente sombria, o Brasil precisará de muito espaço externo para voltar a
crescer.
Terceiro,
porque uma eventual desconstrução da Europa terá certamente consequências para
a construção do Mercosul.
Se a Grécia
for levada a tomar a cicuta que foi dada a Sócrates na Antiguidade, sofreremos todos. O filósofo suportou a condenação com
enorme dignidade. Sabia que seu pensamento era maior e mais profundo do que o
dos que desejavam suprimi-lo. A sociedade grega de hoje, porém, não tem o
temperamento socrático. Poderá muito bem não tomar a cicuta. Preferirá a
liberdade política e econômica. Vai pagar muito caro qualquer que seja a sua
decisão: tal como o mítico herói nordestino, se ficar, o Bicho come; se correr,
o Bicho pega!
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