Arte Fotográfica
Raquel Avolio
Publicado em fotografia por Raquel Avolio
Em 1981, com apenas 22 anos, a fotógrafa americana
Francesca Woodman cometeu suicídio, atirando-se da janela de um loft na cidade
de Nova Iorque. Porém, para ela, a morte não simbolizou o fim, e sim o início:
Woodman logo recebeu amplo reconhecimento por suas contribuições ao mundo da
fotografia e tornou-se uma espécie de ícone em sua arte, tendo seu trabalho
analisado e dissecado até os dias de hoje.
Foi
entre treze e quatorze anos que Francesca Woodman capturou seu primeiro
autorretrato. A partir de então, a fotógrafa não parou de se dedicar ao seu
ofício e sua carreira, coisas que sempre levou muito a sério. Bastante
prolífica, deixou um legado extenso: seu trabalho compreende por volta das
oitocentas fotografias, sempre em preto-e-branco. As imagens que capturou,
quase todas envolvendo autorretratos e/ou corpos dialogando com espaços ricos
em detalhes, apresentam uma singularidade poucas vezes vista em artistas tão
jovens. Cinco anos após sua morte, precisamente no ano de 1986, a jovem Woodman
viria a ser descoberta – e, mais tarde, influenciaria uma vasta gama de
fotógrafos, tornando-se também objeto de extensivos estudos críticos.
Francesca
Woodman nasceu no ano de 1958, numa família de artistas – George e Betty, seus
pais, trabalhavam com pintura e escultura, respectivamente, e sempre a
incentivaram a se expressar através da arte. Seu irmão, Charlie, lecionava, e
também era um artista. Ela passou a infância no Colorado, em Massachusetts, e
alguns de seus verões idílicos em Florença, na Itália, onde seus pais tinham
uma velha fazenda. Quando cresceu, optou por fazer um programa de estudos em
Roma, decisão que refletia sua profunda conexão com o país. Fluente no idioma
italiano, Francesca chegou a estabelecer diversas conexões com outros artistas
e intelectuais durante sua curta estadia na Itália.
O
pai da artista descreveu o trabalho da filha como sendo um “drama organizado”.
A família Woodman tratava a arte como um trabalho sério, e, em um documentário
de C. Scott Willis intitulado The Woodmans, George diz que “você
não sai para se dedicar aos seus passatempos aos domingos ou algo do tipo, você
faz arte”. Ainda no documentário, Betty afirma que não vê o trabalho da filha
como “autobiográfico”, mas crê que toda arte que fazemos é, em certo nível,
autobiográfica – é tudo sobre nós mesmos.
A
artista trabalhou de forma incansável com apenas duas cores: o preto e o
branco, utilizando primariamente de sua própria imagem em seus trabalhos, por
meio de uma ótica ora obscura, ora onírica nas composições, mesclando a fotografia
com elementos performáticos e teatrais. Os corpos em suas fotos parecem estar
em constante diálogo com seus arredores, e, em alguns casos, parecem se fundir
com o ambiente no qual estão inseridos. Woodman era uma adepta da longa
exposição, o que significa que conseguia capturar movimentos de si mesma e de
seus modelos através das lentes, resultando em um efeito ligeiramente embaçado
em um grande número de fotografias. Apesar disso, o resultado é preciso e
bastante consistente, e é possível atentar-se para os cenários que são muitas
vezes meticulosamente planejados, organizados e repletos de detalhes.
Sua
família e seus amigos próximos a viam como uma pessoa passional, “extremamente
ambiciosa, consciente e focada” na imagem que criava de si, porém bastante
“frágil e vulnerável” ao mesmo tempo em que era “talentosa e convencida de seu
talento”. Ela almejava reconhecimento, e tinha certeza de que, de fato, o
merecia, especialmente durante os dois anos que viveu em Nova Iorque.
Há
um certo misticismo que paira ao redor de artistas que morrem com pouca idade e
de forma trágica: alguns descreveriam até mesmo como um tipo de fascínio, uma
obsessão cultural de nossos tempos. É praticamente impossível analisar o
trabalho de Woodman sem relacioná-lo diretamente com sua vida pessoal, mais
especificamente com seu suicídio, porém é deveras simplória e desprovida de bom
senso a análise de que as fotos são mero produto da mente de uma jovem
deprimida – há muito mais por trás deste fato, e o receptor das obras deve se
atentar para o fato de que, com imensa frequência, é profundamente aconselhável
separar a vida pessoal do artista de sua obra.
Francesca
Woodman não obteve reconhecimento em vida – ao menos não da forma que gostaria
de ter tido. Ela chegou, por exemplo, a mandar diversos portfólios para
fotógrafos da área da moda, mas não recebeu respostas, e “seus esforços e
solicitações não deram resultados”. No verão de 1980, Woodman foi residente em
uma colônia para artistas em New Hampshire. No fim deste mesmo ano, ela estaria
bastante deprimida em virtude do fracasso de seu trabalho em obter atenção de
público e crítica, e também em decorrência do término de um relacionamento
amoroso. Ela tentou o suicídio e sobreviveu, tendo ido viver com os pais em
Manhattan após o incidente.
Em
Janeiro de 1981, Francesca viria a cometer suicídio, e, poucos anos depois,
viria a tornar-se um ícone, sendo finalmente reconhecida por seu talento, sua
originalidade e sua dedicação ao ofício que lhe era tão importante e especial.
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