segunda-feira, 6 de julho de 2015

POR QUE O TEMPO SÓ ANDA PARA FRENTE?

Adam BeckerDa BBC Future


Imagine tentar fazer malabarismos com ovos. Se um deles acabar quebrando na sua cabeça, um banho e uma roupa limpa parecem ser as únicas soluções. Afinal, colocar a clara e a gema de volta na casca e juntar os pedaços é impossível, certo?

Bem, na realidade, não. Não há nenhuma lei fundamental da natureza que impeça que um ovo seja “desquebrado”. Físicos, aliás, garantem que qualquer acontecimento do nosso cotidiano poderia ser revertido, a qualquer momento.
Mas por que, então, não podemos “desquebrar” um ovo, ou “desqueimar” um fósforo ou até “destorcer” o tornozelo? Por que as coisas não se revertem? Por que o futuro é totalmente diferente do passado?
Parecem ser perguntas simples. Mas para respondê-las, temos que ir até a origem do Universo e fora das fronteiras da Física.
Assim como várias outras histórias da Ciência, esta aqui também começa com Isaac Newton. Em 1666, um surto de peste bubônica o obrigou a deixar a Universidade de Cambridge e voltar para a casa da mãe no interior da Grã-Bretanha. Entediado e isolado, Newton mergulhou nos estudos.
Foi aí que ele criou suas famosas três leis da dinâmica, entre elas a conhecida máxima de que para cada ação há uma reação oposta da mesma intensidade.
As leis de Newton conseguem descrever o mundo de maneira espantosa. Elas explicam por que as maçãs caem das árvores e por que a Terra gira em torno do Sol. Mas elas têm uma estranha característica: funcionam tão bem de trás para a frente quanto de frente para trás – se um ovo se quebra, as leis de Newton dizem que ele pode ser “desquebrado”.
Obviamente, isso está errado, mas quase todas as teorias formuladas por físicos desde Newton têm o mesmo problema. “As leis fundamentais da Física não distinguem entre o passado e o futuro”, define Sean Carroll, físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos.
A importância da entropia


Leis da Física não conseguem explicar por que é impossível 'desquebrar' um ovo

A primeira pessoa a encarar esse problema seriamente foi o físico austríaco Ludwig Boltzmann, que viveu na segunda metade do século 19. Naquela época, muitas das ideias que hoje sabemos serem verdadeiras ainda estavam sendo discutidas, inclusive a de que tudo é feito de minúsculas partículas chamadas átomos.
Boltzmann estava convencido de que os átomos existiam. Mesmo tendo sido desprezado pela comunidade científica da época, ele defendia uma relação entre o aquecimento de materiais e a passagem do tempo.
Na época, os físicos desenvolveram a teoria da termodinâmica, que descreve o comportamento do calor. Contrariamente a seus colegas, Boltzmann acreditava que o aquecimento era provocado por uma movimentação aleatória de átomos, e que a termodinâmica poderia ser explicada assim.
O austríaco partiu de um estranho conceito: a entropia. Pela termodinâmica, todos os objetos do mundo têm uma certa quantidade de entropia associada a ele, e quando algo acontece, essa quantidade aumenta.
Por exemplo, ao colocarmos cubos de gelo em um copo d’água, a entropia dentro do copo aumenta.
O aumento da entropia é diferente de tudo o mais na Física: é um processo que ocorre em apenas uma direção.
Para explicar isso, Boltzmann descobriu que a entropia mede o número de maneiras pelas quais os átomos podem se rearranjar, assim como a energia que eles carregam. Ou seja, a entropia aumenta quando os átomos ficam mais desordenados.
Por isso, o gelo derrete na água. Há muito mais formas para as moléculas se rearranjarem no estado líquido do que no estado sólido.
Segundo Boltzmann, a entropia está relacionada com possibilidades. Objetos com baixa entropia são arrumados e, portanto, com menos probabilidade de existir ou permanecer como estão. Objetos com alta entropia são desordenados, o que os torna mais passíveis de existir.
A seta do tempo


Conceito da entropia ajuda a entender por que gelo derrete em contato com água líquida

Essa teoria pode ser um pouco deprimente, principalmente se você é do tipo organizado. Mas as ideias de Boltzmann parecem ter um lado positivo: elas conseguem explicar a direção do tempo.
Basicamente, se o universo como um todo se desloca de uma baixa entropia para uma alta entropia, nunca poderemos ver os acontecimentos se reverterem.
Nunca veremos um ovo se “desquebrar” porque existem várias maneiras para rearranjar os pedaços dele, e todas elas levam a um ovo rachado em vez de um ovo intacto.
A definição de entropia de Boltzmann explica até por que podemos nos lembrar do passado mas não podemos adivinhar o futuro. Para ele, o futuro é diferente do passado simplesmente porque a entropia aumenta.
Como forma de endossar sua teoria, o físico também desenvolveu a hipótese do passado, segundo a qual, em algum ponto em um passado distante, o universo estava em um estado de baixa entropia.
Mas se um estado de baixa entropia é pouco provável, como o universo permaneceu assim por um certo tempo?
Bem, isso Boltzmann nunca conseguiu explicar.
Ação da gravidade
Mas cientistas que o sucederam fizeram descobertas que sugerem uma resposta. Para começar, no século 20 aprendemos que o universo teve um início, quando era uma partícula incrivelmente quente e densa que rapidamente se expandiu e se resfriou, formando tudo o que existe hoje. Esta rápida expansão é o que conhecemos como o Big Bang.
É verdade que uma enorme explosão cósmica não parece algo com uma baixa entropia. Mas, aparentemente, esse conceito é ligeiramente diferente quando há um excesso de matéria.
Imagine uma vasta região vazia do espaço, no meio da qual está uma nuvem de gás com a massa do Sol. A gravidade mantém o gás unido, de maneira a compactá-lo e acabar formando uma estrela. Como isso é possível, se a entropia só aumenta?
A resposta é simples: a gravidade afeta a entropia. No caso de objetos verdadeiramente gigantescos, ser grumoso tem mais entropia do que ser denso e uniforme. Ou seja, um universo com galáxias, estrelas e planetas tem uma entropia mais alta do que um universo cheio de gases quentes e densos.
Para entender melhor o Big Bang, Sean Carroll e seus ex-alunos propuseram um modelo pelo qual “universos bebês” estão constantemente surgindo do nada, separando-se de seu “universo-mãe” e se expandindo para se tornarem universos como os nossos. E é a entropia desse “universo de universos” que sempre será grande, apesar de cada parte ter uma baixa entropia.
Se isso for verdade, o universo só parece ter uma baixa entropia porque não podemos ver tudo o que está à sua volta. Isso também valeria para a direção do tempo.
A Física moderna se baseia em duas grandes teorias. A mecânica quântica explica o comportamento de pequenos objetos, como os átomos, enquanto a relatividade descreve coisas grandes, como as estrelas.
'Teoria de tudo'
Para descrever o universo em sua origem, é preciso combinar as duas teorias para formar uma “teoria de tudo”.
Essa máxima será a chave para entendermos a seta do tempo. “Descobrir essa teoria vai nos ajudar a compreender como a natureza construiu o espaço e o tempo”, diz Marina Cortês, física na Universidade de Edinburgo, na Escócia.
Por enquanto, a mais promissora teoria de tudo é aquela que diz que todas as partículas subatômicas são compostas de minúsculos cordões. Essa teoria também defende que o espaço tem mais do que três dimensões e que nós vivemos em uma espécie de ‘multiverso’, onde as leis da física são diferentes em cada universo.
Agora, Cortês está trabalhando em teorias alternativas a essa que possam incorporar a seta do tempo em um nível fundamental.
Ela sugere que o universo é feito de uma série de eventos únicos, que nunca se repetem. Cada conjunto de eventos só pode influenciar os eventos do conjunto seguinte. Assim, se forma uma direção para o tempo.
“O tempo não é uma ilusão. Ele existe e está realmente avançando”, explica a cientista.
Seja qual for a maneira de explicar a direção do tempo, ela sempre estará ligada àquele estado de baixa entropia do princípio do universo.
E para entender isso, nossa maior esperança é a maior máquina já desenvolvida pelo homem: o Grande Colisor de Hádrons (LHC), o acelerador de partículas que funciona em uma circunferência de 27 quilômetros na fronteira entre a França e a Suíça.
Esse equipamento é capaz de esmagar prótons a uma velocidade muito próxima à da luz. A energia fenomenal dessas colisões cria novas partículas.
O LHC ficou fechado para manutenção nos últimos dois anos, mas recentemente voltou a funcionar em sua capacidade máxima. Com sorte, a máquina poderá observar novas e inesperadas partículas fundamentais que poderão apontar para uma teoria de tudo.

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