Fernando
Ortolan,
Mestre em
História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, RS
A história das fragorosas batalhas e
heroicos feitos militares da Guerra do Paraguai (1864-1870) é, geralmente, um
palco exclusivo dos homens. Mas as mulheres, apesar de serem banidas dos
estudos sobre o maior conflito da América do Sul, não só se encarregaram da
confecção de uniformes e das plantações, mas participaram das frentes de
combate e, em determinadas situações e estágios da guerra, foram a alternativa
para a defesa da pátria paraguaia.
Francisca Cabrera foi uma dessas
heroínas. O jornal Cabichuí de 12 de agosto de 1867 recorda o “gesto magnífico,
digno de figurar nas páginas da história” daquela “singular mulher da estirpe
dos guarani, mãe de quatro filhos”. Ao notar que os soldados brasileiros
cercavam seu vilarejo, Francisca Cabrera escondeu-se no mato com os filhos
pequenos. Segundo o jornal, ela queria lutar com um punhal, e falou para seu
filho maior que, se acaso morresse, deveriam continuar lutando.
Em 22 de junho de 1868, o mesmo
Cabichuí conta a aventura de Barabara Alen e Dolores Caballero. No momento em
que estavam “limpando o suor do rosto e cuidando do gado”, foram atacadas por
um “monstruoso jaguar”. Mataram-no com apenas uma faca, um cinto e um pedaço de
pau, oferecendo a pele do animal ao marechal Solano Lopez, o grande líder
paraguaio. A notícia tem diversas menções de afronta a dom Pedro II, chamado de
“monarca escravocrata”. E provoca: “Se as mulheres paraguaias, com armas de tão
pouco valor se livram dos tigres, pensam vocês, macacos e ‘amacados’, que lhes
custaria trabalho livrarem-se de vocês, macacos de baixa e contaminada ralé?”.
A imagem de uma mulher guerreira e
competente para a batalha tinha o propósito de impor medo ao exército inimigo,
legitimando uma força substituta na guerra. Essa admiração atingiu o auge no
relato de um duelo de uma heroína paraguaia com um capitão brasileiro que
queria estuprá-la. Segundo o jornal El Centinela de 17 de outubro de 1867, a
mulher lutou contra um capitão do Exército Brasileiro e mais 12 militares.
Conseguiu matar o capitão, saindo com o braço esquerdo ferido e com um
ferimento grave na cabeça. “Este fato de valor feminino é para a nossa história
o mais firme exemplo do nosso belo sexo, que ao lado do valoroso marechal López
tem ajudado a vencer ou morrer, seguindo os soldados que assombram com sua
bravura”, afirma o jornal.
Com o fim da guerra, as exultantes
notícias dos jornais não fariam efeito em favor das mulheres. Quase todas as
que caíram nas mãos de brasileiros foram violentadas. Muitas foram presas
fáceis para os 30 mil soldados que tomaram a capital do Paraguai. Os soldados
brasileiros celebraram a queda de Assunção violando as mulheres, saqueando
casas e edifícios públicos. “A soldadesca desenfreada abriu as válvulas a sua
feroz lascívia e essas infelizes que haviam visto morrer seus maridos, filhos e
noivos sofreram os ultrajes da luxúria na noite mais negra de sua vida”,
afirmou na época o general Garmendia, do Paraguai.
Nesses episódios, a mulher tem
valorizada sua agressividade, um comportamento considerado atípico e até
impróprio em tempos de paz. A heroína anônima mereceu destaque da imprensa ao
enfrentar o perigo não com temor, mas com coragem. A imprensa enxergava esses
fatos como atos sublimes que serviam de motivação não só para as mulheres, como
também para todos os soldados paraguaios. Mas as notícias sobre elas também
reforçavam o papel feminino em uma sociedade patriarcal, que atribui mais
responsabilidades que direitos à mulher.
*Mestre em História pela Universidade
do Vale do Rio dos Sinos, RS.
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