DRUMMOND: O SOLUÇO DE VIDA QUE REBENTA DE CADA
VERSO É IMORTAL
Alguém
que escreve para não sufocar, mas não gosta. Escreve no
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Publicado em literatura por Renata
Ferreira
No dia 17 de agosto de
1987, há 28 anos, a luz se apagou para o poeta do Sentimento do Mundo, Rosa do povo,
do Claro Enigma... O poeta cujos poemas transitam no tempo. Nunca esqueceremos
Carlos. O soluço de vida que rebenta de cada verso é imortal.
Carlos Drummond de Andrade nasceu em 31 de
outubro de 1902, em Itabira Minas Gerais, cidade que influenciou sua obra. Seus
primeiros trabalhos foram publicados no Diário de Minas. O poeta não demorou em
se impor no cenário da poesia brasileira, da melhor poesia. Também foi
cronista, jornalista e funcionário público.
“Quando nasci, um anjo torto desses que vivem
na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida...”
Esse poema teve “filhos”, "filhos"
nascidos da intertextualidade, “filhos” nascidos também pelo amor a Drummond,
cada “filho” com sua singularidade. Torquato neto escreveu LET'S PLAY THAT,
musicado por Jards Macalé;
"Quando eu nasci um anjo louco muito
louco veio ler a minha mão não era um anjo barroco era um anjo muito louco,
torto com asas de avião eis que esse anjo me disse apertando minha mão com um
sorriso entre dentes vai bicho desafinar o coro dos contentes vai bicho
desafinar o coro dos contentes".
Já Chico Buarque escreveu Até o fim
“Quando nasci veio um anjo safado O chato dum
querubim E decretou que eu tava predestinado A ser errado assim Já de saída a
minha estrada entortou Mas vou até o fim...”
Em Adelia Prado temos o poema Com licença
poética
“Quando nasci um anjo esbelto, desses que
tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada...”
O próprio Poema de sete faces apresenta
intertextualidade com um versículo bíblico. (Evangelho de Mateus, capítulo 27,
versículo 46).
“... o que quer dizer: Meu Deus, meu Deus,
por que me abandonaste?”
Drummond não escondeu sua desilusão com o
mundo, um mundo que causava mal-estar, encontramos dentre as diversas
temáticas: o retrato do cotidiano, os problemas sociais e políticos ,não só
mundiais como os brasileiros.
A poesia de Drummond foi dividida em quatros
fases. A primeira, conhecida como Gauche, é a fase da reflexão existencial, do
isolamento, do individualismo. A segunda fase é a social, nesta o poeta
escreveu Sentimento do Mundo (1940), José (1942) e Rosa do Povo(1945). Temos um
Drummond mais participativo, o isolamento da primeira fase é substituído pelo
grito que ecoa a problemática do mundo. A terceira fase é dividida em dois
momentos, Drummond percorria novos caminhos, o da poesia filosófica e o da
poesia nominal. A quarta fase (década de 70, 80), a última, é uma fase mais
memorialística (Infância, família) e temas universais também são retomados.
Para finalizar a singela homenagem, segue um dos mais belos poemas do poeta.
Sentimento do Mundo
Tenho apenas duas mãos e o sentimento do
mundo, mas estou cheio de escravos, minhas lembranças escorrem e o corpo
transige na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu estará morto e
saqueado, eu mesmo estarei morto, morto meu desejo, morto o pântano sem
acordes.
Os camaradas não disseram que havia uma
guerra e era necessário trazer fogo e alimento. Sinto-me disperso, anterior a
fronteiras, humildemente vos peço que me perdoeis.
Quando os corpos passarem, eu ficarei sozinho
desfiando a recordação do sineiro, da viúva e do microscopista que habitavam a
barraca e não foram encontrados ao amanhecer
esse amanhecer mais noite que a noite.
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