O
PALCO DA ‘PARIS DOS TRÓPICOS’ JÁ FOI CAMPO DE PELADA
O Teatro Amazonas, em Manaus, pode virar patrimônio da humanidade
El PaÍS – O JORNAL GLOBAL, FACEBOOK
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O Teatro Amazonas, em Manaus. / EMBRATUR
Quando a campainha solta um som estridente por terceira vez ninguém mais
entra ou sai do Teatro Amazonas, em Manaus. Uma
apresentação da Orquestra Municipal se iniciará em segundos para uma plateia
cheia de gente aliviada pelo ar condicionado, ligado no volume máximo. Um oásis
para o calor ininterrupto de 40 graus da capital. É domingo à noite, quase
todas as 701 cadeiras estão ocupadas. Ninguém pagou para estar ali. O local que
teve por muitos anos seu uso restrito a uma elite enriquecida pela extração do
látex, a matéria-prima da borracha, hoje é mais democrático.
Durante muito tempo, o Teatro Amazonas,
inaugurado em 1896 - 74 anos depois da independência do Brasil -, foi um dos
maiores símbolos da riqueza do ciclo da borracha na Amazônia, entre o
fim do século XIX e início do século XX. Naquela época, Manaus, que foi a primeira cidade brasileira a ter
energia elétrica, era chamada de ‘Paris dos Trópicos’. A riqueza
desfilava pelas ruas com pessoas em belas vestimentas, feitas de várias camadas
de tecidos, inapropriados para o calor tropical. Como os filhos dos barões da
borracha eram enviados à França para estudar e voltavam falando francês, a
língua tornou-se oficial entre os nobres.
O calçamento de todo o entorno do Teatro Amazonas era feito de tijolos
de borracha para abafar o barulho das charretes. O simples tocar no chão da
ferradura do cavalo não poderia atrapalhar a ópera dentro do teatro, afinal.
Hoje, as ruas são de asfalto comum, e o tijolo de borracha virou peça de museu.
Mas o piso do Largo
São Sebastião, que fica em frente ao teatro, pode parecer um
pouco mais familiar. Ele é feito de
pedras portuguesas, pretas e brancas, em formato de onda. As mesmas das famosas calçadas da Praia de Copacabana, no Rio de
Janeiro, que
estampam cangas e suvenirs cariocas. As de Manaus, em todo
caso, foram construídas antes, e em homenagem não às ondas, mas ao encontro das
águas dos rios Negro e Solimões. Há outra
referência ao encontro desses dois rios da região. Parte do chão do teatro é
mesclado com um piso de dois tipos de madeira brasileira: Pau Amarelo, mais
clara (Solimões) , e Acapú, mais escura (Negro), representando o fenômeno dessa
confluência, que é atração para turistas que visitam a cidade.
Por fora, o teatro
é uma construção clássica, pintada de cor de rosa claro com os detalhes em
branco, e um pequeno jardim em frente. Ao longo dos anos, já teve fachada azul,
amarela e, durante os anos da ditadura militar, cinza. O rosa é sua cor original. Em cima do terceiro andar da construção,
há uma cúpula, feita de um mosaico com
36.000 peças de cerâmica em forma de escama de peixe, com as cores da
bandeira do Brasil. De acordo com o guia turístico do teatro, o valor da
construção hoje, em moedas atuais, giraria em torno de 60 bilhões de reais.
A estrutura
do teatro é toda de ferro maciço, trazido da Inglaterra e da Alemanha no século
XIX. Por dentro, mármore, vidro de
murano, pedras portuguesas, cobre, ouro e madeiras nobres forram a construção.
Lustres de cristal originais fazem a iluminação até hoje.
Inaugurado pelo
governador Eduardo Ribeiro, o primeiro governador negro do Brasil, o Teatro
Amazonas levou 17 anos para ficar pronto. As obras ficaram abandonadas por oito
anos até serem retomadas por Ribeiro. Durante esse tempo, o que era para ser o
centro cultural de uma das maiores elites do país serviu de campo de ‘pelada’, abrigou
festas de debutantes e outros eventos menos nobres.
A aparência desse colosso, em meio a uma cidade que passa longe de estar
entre as mais desenvolvidas do Brasil de hoje, é alvo de ironias. Muitos que
ali vivem dizem que o teatro parece um bolo de casamento. Críticas a parte, o
reconhecimento da importância do teatro como bem cultural do país ganhou
esferas maiores. O Teatro Amazonas, assim como o Teatro da Paz, em Belém (PA),
está na lista da Unesco para concorrer ao posto de Patrimônio da Humanidade
2015.
Ainda é preciso apresentar algumas documentações e o resultado ainda não
tem previsão de sair. Mas, independentemente do título, os dois teatros são
duas das heranças de um tempo curto entre a ascensão e a queda do ciclo da
borracha. A decadência desse ciclo iniciou-se quando a Amazônia começou a
perder o monopólio da plantação das seringueiras, por volta de 1912. Naquela
época, os ingleses passaram
a plantar essas árvores a preços menores em locais da África, com
sementes levadas da própria floresta amazônica, e o Brasil perdeu o monopólio
do comércio.
Hoje, não é
preciso falar francês e tampouco usar quilos de roupa para entrar no teatro.
Basta chegar antes do soar da terceira campainha (substituto do bastão de
Molière).
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