Sob seu reinado, o Reino Unido
perdeu o poderio imperial e continua procurando seu papel
El
País – O JORNAL GLOBAL
JORGE RESTREPO
Os jornais
anunciavam o começo de um novo período elisabetano. Mas 63 anos depois se pode
dizer que, ao contrário da tataravó Vitória, de quem tirou, na quarta-feira passada, a honra de
ser a monarca que mais tempo ocupou o trono britânico, Elizabeth II não dará nome a um período. Diga vitoriano e pensará em trens de vapor,
em expansão industrial e geográfica, em miséria dickensiana, em Londres
marcando o ritmo do planeta. Pode ser, por outro lado, que os fatos
acontecidos nos 23.229 dias de reinado de Elizabeth II tenham sido muito
dinâmicos e diversos para se traduzirem em uma só palavra. E se esta fosse
encontrada não seria, certamente, o nome da rainha da Inglaterra.
Elizabeth II viajou mais que qualquer monarca da história. Viu seu rosto
estampado em cédulas de todos os continentes menos a Antártida. Sua coroação
foi a primeira televisionada, foi a
primeira rainha da Inglaterra a enviar um e-mail e a primeira monarca
‘tuiteira’. Mas a influência do país
no mundo, e a da rainha no país, diminuíram demais para permitir que Elizabeth
II dê nome a uma era.
“Não serei a
soberana de uma monarquia democrática”, escreveu a rainha Vitória ao
primeiro-ministro Gladstone em uma carta – que felizmente seu secretário
particular pôde interceptar a tempo –, ameaçando abdicar se seguisse adiante
com seus planos de reformar a Câmara dos Lordes. E isso, o que Vitória se
negava a ser, é o que foi Elizabeth II desde que se sentou no trono de seu pai.
Talvez nada
represente melhor sua assimilação do papel de monarca constitucional que a
resposta que deu a um paroquiano, há um ano, ao sair da igreja de Balmoral,
quando ele lhe perguntou sobre a independência de Escócia, sobre a qual os
cidadãos estavam prestes a se pronunciar em referendo. Respondeu que estava
certa de que os escoceses iam pensar muito bem antes de tomar uma decisão. Era
o mais longe que podia chegar. Em vez de lhes dizer o que fazer, considerou
como certo que os escoceses atuariam com responsabilidade. Embora mais tarde,
em particular, segundo o relato de David Cameron a Michael Bloomberg que foi
captado pelos microfones, a rainha “ronronasse” de satisfação do outro lado do
telefone quando o primeiro-ministro lhe comunicou que os escoceses tinham
decidido ficar.
O delicado jogo entre a abertura às pessoas e o
distanciamento foi outro terreno que acabou dominando
A vida de
Elizabeth II mudou para sempre no ano em que seu país teve três reis. George V
pronunciou suas duas últimas palavras em seu leito de morte em 20 de janeiro de
1936. “Maldita seja!”, disse à enfermeira que injetou uma dose letal de morfina
e cocaína para encurtar sua agonia e, como reconheceria seu médico, para
conseguir que sua morte fosse anunciada na edição matutina do The Times e
não nos “menos apropriados” jornais vespertinos.
Naquele dia
seu filho Edward se tornaria o rei Edward VIII, mas preferiu o amor à coroa e
abdicou, em 11 de dezembro daquele mesmo ano, para poder casar-se com a
americana duas vezes divorciada Wallis Simpson. Seu irmão Albert herdou então o
trono – como George VI – contra a sua vontade. “Caí e chorei como uma criança”,
escreveu em seu diário o pai da atual rainha. A família se mudou da rua
Piccadilly para o palácio de Buckingham e ela, a pequena Lilibet, então com 10
anos, saltou de repente para o primeiro lugar na linha de sucessão ao trono.
Começou a
guerra e, com ela, o primeiro contato da então princesa com o dever que a
acompanharia pelo resto da vida. Representou seu pai em aparições públicas e
ingressou no serviço auxiliar de mulheres. Ali aprendeu uma desenvoltura ao
volante que, muitos anos mais tarde, levou o príncipe saudita Abdullah a
implorar para que fosse mais devagar e olhasse para a estrada enquanto a rainha
lhe mostrava a propriedade de Balmoral a bordo de seu Land Rover.
Durante a
guerra, também, Elizabeth manteve correspondência com um jovem oficial da
marinha, Philip da Dinamarca e Grécia, com quem contrairia em 20 de novembro de
1947 um matrimônio que dura até hoje, em que nasceram quatro filhos: Charles,
Anne, Andrew e Edward.
No dia em
que terminou o conflito, Elizabeth II viveu o que recorda como um dos dias mais
memoráveis de sua vida. Convenceu seus pais que a deixassem, junto com sua irmã
Margareth, somar-se às comemorações do dia da vitória. Naquele dia, misturada
entre seus futuros súditos, experimentou o que é fazer parte de uma multidão
anônima pela última vez em sua vida.
O delicado
jogo entre a abertura às pessoas e o distanciamento foi outro terreno que a
rainha Elizabeth II acabou dominando. Na década de 1990 compreendeu que, nos
novos tempos, não era uma verdade absoluta aquilo que escreveu Walter Bagehot
em 1867 de que, para preservar uma monarquia constitucional, “não se deve
permitir que a luz do dia entre na magia”. A morte de Diana, ex-esposa do
príncipe de Gales, mergulhou o país em luto e deixou a luz do dia entrar na
privacidade da família real. A negativa inicial da rainha a fazer uma
declaração pública afastou-a do povo. Mas retificou e recuperou o favor de uma
sociedade que, hoje, com três gerações de herdeiros diretos vivos, ainda
mantém.
Foram muitas as aspirações
depositadas na rainha do pós-guerra, coroada aos 26 anos. Mas a realidade logo
proporcionou um banho de humildade ao país quando, em 1956, a guerra do Sinai
demonstrou que a outrora potência imperial não era mais que uma subordinada do
poder emergente dos Estados Unidos. O declínio do império, consumado com a
entrega de Hong Kong em 1997, parecia já inevitável. Sob o reinado de Elizabeth
II, o Reino Unido perdeu um império e continua procurando um papel. Mas não
será ela, a rainha sem período, que o proporcionará.
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