Aos 80 anos, a simplicidade do
ex-mandatário uruguaio fascina uma juventude com novos valores e que exige
mudanças
FELIPE BETIM São Paulo 30 AGO 2015 - 18:45 BRT
El
PaÍS – O JORNAL GLOBAL
José “Pepe” Mujica anda encurvado, devagar. Dirige um Fusca,
veste um terno meio surrado, não corta a unha do pé, possui uma pança imensa e
evita a todo o momento o contato visual. Sua fala é mansa, doce. Diz coisas
óbvias, sensatas, que qualquer outro velho camponês poderia dizer. A última
neste sábado, ao lado do ex-presidente Lula: “Os políticos devem aprender a
viver como a maioria do país, não como a minoria”.
Mujica
esteve no Brasil nesta semana e brilhou como um astro pop. Em tempos de tanta
desilusão política, quase 10.000 jovens lotaram a concha acústica da UERJ —uma
fã relatou ter chegado duas horas antes do ato para conseguir lugar, como em um
concerto— apenas para ver um senhor normal, pacato, e escutar um show de
sensatezes. Quase um sermão de avô. E a explicação para isso —a parte, claro,
de que ele regularizou a maconha— é tão simples quanto suas palavras: existem
determinados elementos do nosso cotidiano político que deixaram de ser naturais
e se tornaram insultantes.
Só para
ficar no âmbito da política brasileira: já não é natural que os cofres públicos
de um país em desenvolvimento paguem 324.000 reais em 52 quartos de luxo e 17
carros para uma comitiva, como fez a presidenta Dilma Rousseff em Roma em 2013 para a missa inaugural do
Papa Francisco. Ou que, em tempos de ajuste fiscal, haja uma fatura de 100.000
dólares em limusines nos Estados Unidos neste ano. É uma aberração que deputados,
senadores e vereadores ganhem, somados todos os benefícios, quase 100.000 reais
por mês, trabalhem três dias por semana e ainda perambulem com carros pretos de
suas repartições pela cidade —e ainda querem proibir o Uber. Insulta ver Lamborghinis e obras de arte escondidas nas mãos de quem foi eleito para
zelar pelo bem público.
A austeridade de Mujica representa o contrário disso tudo. Ele dá um
show de normalidade ao mesmo tempo em que toda essa normalidade acaba virando
um show. “Um presidente não deve se confundir com um monarca”, disse neste
sábado. Tão óbvio, né? Mas no Brasil talvez isso aconteça porque todo mundo
vive num palácio: do Planalto, dos Bandeirantes, da Liberdade, da
Guanabara...
Quando
presidente, Mujica doava parte de seu salário, continuava a viver em sua
chácara na periferia de Montevidéu, ia de Fusca para o trabalho, não usava
gravata —às vezes nem sapato!— e ainda abria as portas do palácio presidencial
no inverno para os moradores de rua. De quebra, apoiou a regularização da
maconha, a liberalização do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo —
já não é normal no Uruguai que as mulheres estejam proibidas a fazer o que
querem e que as pessoas não possam se amar livremente, mas isso é papo para
outro dia.
E não nos
façamos de bobos: Mujica se identifica como um socialista, não renega suas
origens de esquerda. Mas suas palavras são carregadas de uma sensatez tão
sincera —perdão pela insistência— que até mesmo um conservador desprevenido
acaba caindo na sua rede. Por exemplo: "Os estudantes tem que se dar conta
que não é só uma mudança do sistema, é uma mudança de cultura, é uma cultura
civilizatória. E não tem como sonhar com um mundo melhor se não gastar a vida
lutando por ele. Temos que superar o individualismo e criar consciência
coletiva para transformar a sociedade", disse na UERJ.
A notícia
boa é que as pessoas estão, finalmente, cada vez mais seguras desse seu estado
de saco cheio. Vários analistas e estudos coincidem que os
protestos, estejam eles travestidos de esquerda (junho de 2013) ou de direita
(2015), são claros ao repudiar o tipo de conduta dos políticos. Basta ver a
quantidade de compartilhamentos nas redes sociais do Brasil de fotos do
primeiro-ministro inglês David Cameron indo trabalhar de metrô. Dez entre dez
analistas políticos vêm repetindo desde 2013: a cabeça do brasileiro mudou, mas
os políticos ainda não entenderam isso. "O Brasil que foi às ruas é um
país que quer que o político ande de ônibus, que seja igual ao que ele
é", já explicava o cientista
político Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Análise, naquela época.
Mujica
representa essa mudança de mentalidade não apenas no Brasil, mas no mundo todo.
E já não está sozinho. A Espanha, que viveu massivos protestos em 2011 e só
agora começa a sair da crise econômica, já colheu alguns frutos nas eleições
municipais deste ano, ao eleger prefeitos e prefeitas de plataformas cidadãs
nas principais capitais do país. Todos e todas com o mesmo perfil de Mujica. O
caso de Madri é o mais emblemático. Em seu primeiro dia de trabalho, a prefeita
e ex-juíza Manuela Carmena, de 71 anos, foi capa dos jornais por ir ao trabalho
de metrô. Cortou salários, cargos, carros oficiais e outros privilégios.
"Jamais poderia imaginar que os jovens depositariam suas esperanças em uma
avó já aposentada como eu", chegou a dizer.
Existe um certo mal-estar
generalizado e a juventude, do Brasil e de todo o mundo, pede o fim de “tudo
isso que está aí”. Uma geração com novos valores e hábitos mais austeros que
seus pais, que prefere viajar e compartilhar um carro ao invés de pagar caro
por um. E o curioso é que, como nos casos de Mujica e Carmena, às vezes buscam
a regeneração política nos cabeças brancas porque não se encontra quem entendeu
o recado nem entre as novas lideranças. Afinal, não se trata de pegar em armas
e mudar todo o sistema. A revolução que exigem é silenciosa: se chama decência.
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