A arte escultórica
Picasso
esculpindo
A face menos
conhecida do gênio
É menos conhecida
do que a sua pintura, mas é tão rica e diversificada como esta. A obra
escultórica de Picasso foi sempre complementar aos seus quadros e desenhos. Ele
não era "apenas" um grande pintor que, por acaso, esculpia de vez em
quando. Agora, pela primeira vez, e até ao dia 25, a escultura de Picasso é
tema de uma grande exposição, em Paris.
Decorria o ano de 1900 quando Pablo Picasso, então com 19 anos, descobriu, numa exposição retrospectiva de Rodin, uma escultura moderna.
Picasso em se ateliê
Um pormenor
insignificante, não fosse o caso dessa escultura ter interessado o jovem
artista de tal maneira que influenciou toda a sua obra, levando-o a um percurso
de pintor-escultor. Apesar da faceta de escultor de Picasso ser menos conhecida
do que a de pintor, a verdade é que ambas foram paralelas ao longo da sua
carreira. Valem por si só, uma sem a outra. Mas, quando se juntam as peças dos
dois puzzles, percebe-se que se influenciaram e complementaram. Que Picasso foi
um artista completo e não apenas um grande pintor que, por acaso, também
esculpia. É essa a primeira ideia que assalta quem visita a exposição
"Picasso Sculpteur", no Centro Georges Pompidou, em Paris. São salas
e salas repletas de esculturas, com poucas cadeiras a convidar à contemplação.
São necessárias algumas horas (e um bom par de pernas) para apreciar
devidamente todas as peças em bronze, ferro, arame, chapa, madeira, colagens de
cartão, papel, areia... São cerca de 300 as obras que contam a história do
escultor Picasso, como nunca antes foi contada numa exposição parisiense. A
primeira incursão do artista espanhol pelo mundo das formas moldadas a três
dimensões deu-se em 1902, em casa do escultor Emil Fontbona, com "Mulher
sentada".
Três anos
mais tarde, e inspirando-se nas personagens circenses que pintou no período
rosa, esculpe "Cabeças de Saltimbancos", em bronze. Usa o mesmo
material em várias cabeças de mulher que retratam Fernande, sua modelo e
companheira. Cria as primeiras figuras em madeira, influenciadas pelo entalhe
de Gaugin, e elabora trabalhos inspirados nas esculturas ibérica, oceânica e
africana. Seguem-se as colagens, que desenvolve com Braque: junções de tudo com
tudo o que aparece à mão. Entre estas há várias construções que representam
guitarras, mas trabalhadas de formas diferentes - muitas vezes opostas - às dos
instrumentos tradicionais. Uma guitarra foi também o objeto central da sua
primeira instalação, em 1913. O que Picasso aprende com a escultura é
transportado para a pintura.
A partir de
1912, já durante o cubismo, o artista espanhol inclui nos seus quadros papéis
pintados, maços de tabaco amachucados e outros elementos do quotidiano, criando
"quadros-objeto". Por esta altura, já vem recriando nas telas a
ilusão de rugosidade e terceira dimensão, imitando o efeito visual das
colagens. Ao contrário de outros artistas, que se refugiavam na escultura para
relaxar quando não conseguiam resolver um determinado problema na sua pintura,
Picasso esculpia como pintava e gravava: com um objectivo em mente.
A escultura
nunca foi uma distracção, mas uma constante na obra do mestre espanhol, apesar
de algumas interrupções. A prova disso são os dias e dias que perdeu a desenhar
os projectos de esculturas nos seus cadernos de trabalho. Para Emmanuel Guigon,
que escreveu no suplemento espanhol "ABC Cultural" a propósito desta
mostra, é quase como se Picasso, por vezes, se cansasse das limitações da tela
e do pincel e procurasse novas possibilidades. Como se buscasse outra forma
(diferente dos quadros do cubismo) de criar a terceira dimensão. De ocupar o
espaço.
Picasso admira sua obra
"[Nesta
exposição] descobre-se o que apenas se adivinhava sem nunca se ter visto
realmente. Que Picasso foi um dos principais atores do processo de emancipação
da escultura moderna", escreve Guigon. Uma das colaborações mais
importantes na obra escultórica de Picasso foi com Julio González, descendente
de uma família de ferreiros artistas. Os dois conheceram-se em 1900, em Paris,
e tornaram-se amigos, passando muito tempo juntos em Paris e Barcelona, terra
natal de González. Mas uma discussão que nunca foi esclarecida afastou-os
durante muitos anos. Em 1921 fazem as pazes e, entre 1927 e 1932, trabalham
juntos. É González quem ensina a Picasso a arte de moldar e soldar o ferro e
ajuda-o a realizar algumas das suas obras maiores, dando forma, em ferro, aos
esboços do pintor espanhol. A primeira é um projeto de monumento para a campa
de Apollinaire, para assinalar, em 1927, a passagem de dez anos sobre a morte
do poeta.
Mais tarde,
quando Picasso já domina a arte, González empresta-lhe a sua forja e vê-o
trabalhar. É já sozinho que Picasso cria a versão em ferro de "Mulher no
jardim" (1929-1930), ainda a pensar no monumento a Apollinaire. No
entanto, nenhuma das propostas que faz é aceite pela comissão das comemorações.
Mas Picasso também influencia o trabalho de González, levando-o a misturar
diversas matérias primas - ferro, latão, e bronze - e a obter novos materiais
mais fáceis de cortar, dobrar e entalhar. "González saberá encontrar o
caminho para uma obra autónoma, iniciando para uma nova geração de escultores,
na continuidade de Picasso, a escultura em ferro no espaço", escreve
Marielle Tabart, conservadora do Museu Nacional de Arte Moderna francês, num
pequeno catálogo publicado a propósito da exposição. No mesmo período em que
trabalha o ferro, a presença de Marie-Thérèse (mãe da sua segunda filha e uma
de várias mulheres que inspiraram a sua obra) leva Picasso a criar diversas
esculturas eróticas e nus. A maioria são figuras sensuais e serenas, mas
algumas esculturas representam a sexualidade de forma brutal. Durante o Verão
que se segue, enche o seu caderno de trabalho de formas meio-fálicas, meio
vaginais. Em 1930 compra o castelo de Boisgeloup, onde se instala para
esculpir. É aqui que nascem diversas pequenas figuras em madeira esculpida e
várias "Banhistas".
Picasso cria
também esculturas longilíneas em gesso que, anos mais tarde, servirão de molde
a esculturas em bronze. A ruptura definitiva com Olga Khokhlova, ainda sua
mulher e mãe do primeiro filho, em 1935, marca o início de um dos piores
períodos da vida do artista. Olga exige o castelo Boisgeloup, para o
contrariar, e Picasso muda-se com Marie-Thérèse e a filha de ambos para um
atelier emprestado.
Para além de
alguns pequenos trabalhos, Picasso não volta a esculpir antes de 1940.São as
guerras civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial que levam Picasso a
dedicar-se novamente à escultura. "A cabeça de Dora Maar" (1941) e
"O Homem com o Carneiro" (1943) são alguns dos trabalhos deste
período. "Toda a arte de Picasso, nestes anos negros, oscila entre dois
extremos: visões de pesadelo de retratos dramáticos ou monstruosos que refletem
o terror, o humor negro das naturezas mortas com espinhas de peixes ou de uma
salsicha enrolada picada por um garfo, para enganar a fome e o frio; mas também
escapadelas para a frescura de um ramo de flores sobre a mesa, o vigor de uma
planta de tomates diante de uma janela, a sensualidade do corpo nu de Dora
Maar" defende, no catálogo, Brigitte Léal, conservadora responsável no
Museu Nacional de Arte Moderna francês. As obras esculturas "de
pesadelo" de Picasso são posteriores a "Gernica", que pintou em
1937. Dora Maar seguiu-se a Marie-Thérèse nos papéis de musa inspiradora e companheira
de cama de Picasso. Mas também ela, por sua vez, cede o lugar. Em 1947 é já com
Françoise Gilote (que lhe dará dois filhos) que Picasso se instala em
Vallauris, onde inicia o seu trabalho de ceramista. Para além de pintar
cerâmica utilitária, o artista cria vasos antropomórficos e com a forma de
corujas, que se assemelham a esculturas.
Quando se
quer divertir, transforma objetos por recuperar em esculturas hilariantes,
muito imaginativas, a que a presença dos filhos pequenos não será alheia.
"La Guenon et son petit", "La grue" e "A cabra"
são algumas dessas esculturas. Nos últimos anos de vida, regressa à chapa
dobrada e colada, ao cartão e papel e retoma o princípio dos planos sobrepostos
e das construções no espaço. Colabora também com o escultor sueco Carl Nesjar,
que pratica a técnica "bétograve" (consiste em arremessar areia ou
brita contra superfícies de betão). Baseando-se em obras pintadas, desenhos a
lápis ou maquetes de Picasso, o sueco realiza esculturas monumentais, a preto e
branco, em França, Espanha, nos Estados Unidos e na Escandinávia. Picasso tem a
oportunidade de ver reconhecida a importância da sua obra escultórica, em 1966,
com a realização de
A arte africana influenciou Picasso
uma grande
exposição retrospectiva em Paris, por ocasião do seu 85º aniversário. Morre em
1973, sendo enterrado no jardim do seu castelo em Vauvenargues, perto do Monte
St. Victoire, onde vive com a sua última mulher, Jacqueline Roque. E é a ela
que Picasso diz frequentemente, nos últimos anos de criação: "As minhas
estátuas são metáforas plásticas.
Cerâmica
Origem:publico.pt/noticias/jornal-picasso-o-escultor148229
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