(A
diáspora do século XXI)
Colaboração de Fernando Alcoforado*
Com o fim da
Guerra Fria, Washington traçou estratégias para estabelecer sua dominação
mundial sobre os principais mercados e fontes de matérias-primas, com o uso do
poder militar, começando pelas regiões ricas em energia do Oriente Médio e da
Ásia Central. A crise de refugiados é o trágico resultado de uma política
criminosa de guerras e de intervenções militares para mudança de regime,
implementadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia no Afeganistão, no
Iraque, no Sudão, na Líbia e, acima de tudo, na Síria.
O que o
mundo testemunha hoje, com os milhares de refugiados desesperados na tentativa
de chegar à Europa, é efeito desta política, mantida desde então pelas grandes
potências ocidentais. Em mais de uma década, as guerras do Afeganistão e do
Iraque, travadas com o pretexto de serem "contra o terrorismo", e
justificadas com mentiras infames sobre "armas iraquianas de destruição em
massa", devastaram sociedades inteiras e mataram centenas de milhares de
homens, mulheres e crianças.
A estas
guerras seguiu-se a guerra por mudança de regime – liderada pelos Estados
Unidos e OTAN – que derrubou o governo de Muammar Gaddafi e transformou a Líbia
em um arremedo de país, praticamente sem governo, arruinado pela luta contínua
entre milícias rivais. Seguiu-se a guerra civil na Síria – alimentada, armada e
financiada pelo governo norte-americano e seus aliados europeus, com o objetivo
de derrubar Bashar Al-Assad e substituí-lo por um fantoche obediente às
potências ocidentais.
As
intervenções predatórias na Líbia e na Síria foram feitas em nome dos
"direitos humanos" e da "democracia”. Alguns chegaram a saudar
as ações de milícias ligadas ao Estado Islâmico contra o regime de Bashar
Al-Assad armadas e financiadas pelo governo norteamericano. A situação atual e
a pressão insuportável de morte e destruição que leva centenas de milhares de
pessoas à fuga desesperada e fatal representam a confluência de todos estes
crimes contra a humanidade praticados pelo governo dos Estados Unidos e seus
aliados europeus.
A ascensão
do Estado Islâmico (ISIS) e as guerras civis sectárias e sangrentas em curso no
Iraque e na Síria são o produto da devastação do Iraque pelos Estados Unidos,
seguida do apoio norte-americano e de seus aliados ao Estado Islâmico (ISIS) e
às milícias islâmicas semelhantes na Síria. Bush, Cheney, Rumsfeld, Rice,
Powell e outros do governo Bush, que travaram uma guerra de agressão no Iraque
com base em mentiras continuam totalmente impunes. O governo Obama é o
principal responsável pelas catástrofes que desencadeou na Líbia e na Síria e
continua impune. Todos eles são responsáveis pelo que acontece hoje nas 2
fronteiras da Europa, que deve ser visto, mais do que uma tragédia, como um
prolongado e contínuo crime de guerra.
A crise dos refugiados é um dos maiores
desafios do século 21, mas a resposta da comunidade internacional tem sido um
fracasso vergonhoso a começar pela ONU que nada faz para resolver o problema. A
atual crise de refugiados não vai ser resolvida se a comunidade internacional
não reconhecer que se trata de um problema mundial que exige a cooperação
internacional. A Anistia Internacional acusou a comunidade internacional de um
fracasso vergonhoso diante do que chamou de a pior crise de refugiados desde a
Segunda Guerra Mundial. Esta é a pior crise de refugiados da nossa era, com
milhões de homens, mulheres e crianças lutando para sobreviver a guerras
brutais e governos que perseguem interesses políticos egoístas em vez de
demonstrarem compaixão.
A situação é
desesperadora para os quatro milhões de refugiados da Síria, a maioria dos
quais vive em cinco países vizinhos – Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito
– que estão sobrecarregados com esse afluxo. Diante da reduzida assistência humanitária
e da falta de perspectivas de regressar para casa, muitos sírios estão tentando
chegar à Europa, sobretudo à Alemanha, através do Mediterrâneo, a rota marítima
mais perigosa. Além dos sírios, há mais de três milhões de refugiados da África
subsaariana. Ao fluxo originário de países que já estão há muitos anos em
crise, como o Sudão, o Congo e a Somália, somam-se centenas de milhares de
pessoas que tiveram de deixar países como o Sudão do Sul, a República
Centro-Africana, a Nigéria e o Burundi.
Diante da
impossibilidade de impedir o fluxo de refugiados para a Europa devido à
inviabilidade de seu retorno aos países de origem, não resta à comunidade
internacional alternativa em curto prazo, a não ser recepcionar a todos que
aspiram se afastar das áreas de conflito de onde vieram. Os Estados Unidos e a
União Europeia que foram responsáveis pela desorganização e devastação dos
países dos refugiados têm o dever moral de assisti-los e abrigá-los na atual
conjuntura. A ONU tem que sair também de sua passividade e passar a atuar com
efetividade para evitar o agravamento desta crise humanitária.
A história
da humanidade tem se caracterizado até o momento pela vitória da barbárie sobre
a civilização. Civilização e Barbárie são antônimas, ou seja, palavras com
significados opostos. Segundo o dicionário, Civilização é uma palavra imbuída
de qualidades, isto é, inclui os bens educados, os que vivem em sociedade, em
suma, os que se adéquam a padrões pré-estabelecidos. Em contraposição, Barbárie
é o estado em que vivem os bárbaros e estes são aqueles sem cultura, sem
civilização, violentos, cruéis, em suma, os que não se adéquam a padrões
pré-estabelecidos. Se o conceito de civilizado não se aplica aos povos da
periferia capitalista porque não são bem educados, o conceito de bárbaro se
aplica mais do que o de civilizado aos que se consideram civilizados (governos
norte-americanos e europeus) porque são violentos, cruéis e não se adéquam aos
padrões civilizacionais estabelecidos.
Segundo Eric
Hobsbawn, nos últimos 150 anos, a barbárie tem aumentado permanentemente. Ano a
ano, década a década, a violência e o desprezo pelo ser humano têm aumentado
parecendo não haver um limite para este fenômeno. Algo muitíssimo pior: os
homens e mulheres se acostumaram com a barbárie já não existindo espanto,
estranheza, nem horror frente aos atos desumanos. Karl Marx escreveu em 3 1847
esta passagem surpreendente e profética: "A barbárie reapareceu, mas desta
vez ela é engendrada no próprio seio da civilização e é parte integrante dela.
É a barbárie leprosa, a barbárie como lepra da civilização" (Ver Barbárie
e modernidade no século 20 de Michael Lowy, publicado no Brasil pelo jornal
"Em Tempo"- emtempo@ax.apc.org e, originalmente em francês, na
revista "Critique Communiste" nº 157, hiver 2000).
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft
& Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável-
Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e
Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes
do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia
no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI
(Editora CRV, Curitiba, 2015).
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