Criação/ astrofísica
O belga Georges Lemaître também
foi sacerdote, além de um formidável matemático.
El País – O Jornal Global,
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é doutor em Ciências Físicas e trabalha como
engenheiro no Instituto de Astrofísica de Canarias (IAC). Combina suas tarefas
técnico-científicas com a divulgação e publicação de obras de ficção. Publicou
dois romances com a astronomia como eixo principal: El Castillo de las
Estrellas (RocaEditorial, 2007) e, recentemente, El Templo del
Cielo (RocaEditorial, 2013)
Sabemos que
ciência e religião nunca se deram muito bem. Houve um tempo, já distante, que
conciliar os dois termos não só era aconselhável, mas quase obrigatório. Caso
contrário, perguntem às cinzas de Giordano Bruno ou a seu compatriota Galileu,
forçado muito a contragosto a reposicionar a Terra no centro do Universo quando
esta já havia encontrado seu lugar. Se para os católicos a situação era difícil, os protestantes não ficavam muito atrás, e
Kepler, um contemporâneo de Galileu e Bruno, esteve a ponto ver sua mãe
queimada na fogueira assim como a imaginação de Bruno por suposta bruxaria.
No entanto,
nem sempre os preconceitos circulam na mesma direção. Mesmo em tempos mais
recentes.
Talvez um
exemplo disso seja o físico e matemático belga Georges Lemaître. Nem mesmo uma cratera na Lua e
o nome de uma nave espacial da ESA — o ATV5, que também já virou cinza — nos
faz lembrar dele. E isso porque estamos falando do homem que se atreveu a
corrigir —educadamente, é verdade— o próprio Albert Einstein, antevendo o que Edwin Hubble comprovaria mais
tarde com telescópios de Mount Wilson: a expansão do Universo. O que todos nós conhecemos hoje
como o Big Bang.
Lemaître
nasceu em Charleroi (Bélgica), em 1894. Apaixonado pelas ciências e engenharia,
teve que interromper seus estudos aos 20 anos para defender seu país, imerso na
Primeira Guerra Mundial, sendo até mesmo condecorado como oficial de
artilharia. Não deve ter gostado nada da experiência e, horrorizado, decidiu
virar padre.
Era o ano de
1923. Mas Lemaître não abandonou sua primeira vocação. Sua formação acadêmica
em física e matemática foi formidável, começando por sua passagem pela
Universidade de Cambridge e terminando com um doutorado no ainda mítico
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Pouco
depois, em 1927, publicaria em uma revista local o esboço de seu modelo de
universo. Partindo dos postulados de Einstein —um cosmos estático de massa
constante—, chega a um resultado totalmente diferente: o raio do universo tinha
de crescer continuamente para ser estável. Ao tomar conhecimento da hipótese, o
gênio alemão rejeita a ideia veementemente: "Seus cálculos estão corretos,
mas o modelo físico é atroz". E isso mesmo levando em conta que Lemaître
sempre fazia uso da famosa constante cosmológica inventada pelo próprio
Einstein, a qual mais tarde o alemão renegaria com mais veemência do que a
utilizada por Galileu para escapar da fogueira purificadora. Em 1931, seu
trabalho chegou às páginas da Nature, detalhando sua teoria completa do
"átomo primordial" ou "ovo cósmico", e de suas linhas
surgiria o que depois foi chamada exclusivamente Lei de... Hubble.
Einstein e Lemaître
concordaram em várias ocasiões. Einstein, agnóstico, duvidava do padre belga,
já que seu modelo cosmológico logicamente era acompanhado de uma origem divina
(?) no espaço-tempo, e tanto ele quanto muitos astrofísicos não gostavam nada
disso. Mas o admirava. Uma vez, durante uma estadia em Bruxelas e dando uma
palestra diante de um público erudito, Einstein espetou: "Suponho que não
devem ter entendido nada, exceto, claro, o abade Lemaître". Em território
comanche, juntos em Princeton, Einstein também deixou escapar ao ouvir seu
colega belga pregar: "Esta [de Lemaître] é a mais bela explicação da
Criação que já ouvi". O detalhe é que realmente estava falando sério.
Naturalmente,
a fama de Lemaître não demorou para chegar ao Vaticano. Apesar das tentativas
depreciativas do tão brilhante quanto desbocado Fred Hoyle e dos seguidores da
teoria do universo estacionário — o mesmo Hoyle, durante um programa da rádio
BBC, batizaria com bastante veneno a teoria de Lemaître como Big Bang, em 1949
—, o modelo de universo em permanente expansão era imparável. Lemaître ocupou
diferentes cargos na Academia Pontifícia das Ciências, sendo assessor pessoal
do Papa Pio XII. E este não queria deixar passar tal oportunidade. Se o
Universo tem 13,7 bilhões de anos, importaria muito se fosse criado em sete
dias bíblicos ou em pouco mais de 10 segundos? Para o grande pesar de Pio XII
—que, curiosamente, foi elogiado por Einstein em sua defesa dos judeus durante
a Segunda Guerra Mundial —, Lemaître evitou explorar a ciência para o benefício
da religião. São suas as palavras:
Einstein, agnóstico, duvidava
do padre belga, já que seu modelo cosmológico era acompanhado de uma origem
divina Mas o admirava
Depois de
escutar Lemaître, o prudente Pio XII abandonou a ideia de transformar o Big
Bang em um dogma de fé
"O
cientista cristão tem os mesmos meios que seu colega não crente. Também tem a
mesma liberdade de espírito, pelo menos se a ideia que tem das verdades
religiosas está à altura de sua formação científica. Sabe que tudo foi feito
por Deus, mas também sabe que Deus não substitui suas criaturas. Nunca será
possível reduzir o Ser Supremo a uma hipótese científica. Portanto, o cientista
cristão avança livremente, confiante de que sua pesquisa não pode entrar em
conflito com sua fé". Depois de escutar Lemaître, o prudente Pio XII
abandonou a ideia de transformar o Big Bang em um dogma de fé.
Lemaître
morreu em 1966, apenas dois anos após a descoberta irrefutável da radiação de
fundo em micro-ondas, o eco proveniente da origem do Universo, de seu Big Bang.
Talvez seu nome pintado na placa de uma nave espacial não faça justiça
suficiente a uma mente —crente ou não— divina.
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