Economia da América Latina
Assim como o Brasil, países como Colômbia,
Peru e Chile amargam déficit nas contas públicas com o fim da festa das
commodities
ALEJANDRO BOLAÑOS Madri,
Para o El País – O JORNAL GLOBAL - Facebook
Protesto
em Buenos Aires contra o ‘corralito’ financeiro argentino, em dezembro de 2001.
/WALTER ASTRADA (AP)
Os colombianos esperam um déficit de 3% em 2015, mesmo patamar esperado
pelos chilenos. O Peru prevê, inicialmente, déficit de 2% do PIB neste ano.
Mas e o que vem
agora? A América Latina conseguirá interromper a sucessão de bonanças e
colapsos financeiros que há meio século sacode sua economia e sociedade?
“Tradicionalmente, a economia latino-americana sempre foi muito influenciada
por fatores externos. E continua sendo assim”, disse Carmen Reinhart, da
Universidade Harvard, no encerramento da assembleia anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Lima.
O fato de a
capital peruana ter sediado o evento ilustra a importância que a região
alcançou nos últimos anos para a economia mundial, já que o Fundo não realizava
uma assembleia na América Latina desde 1967. Reinhart é autora, junto com
Kenneth Roggoff, ex-economista-chefe do FMI, do livro Oito Séculos de
Delírios Financeiros – Desta Vez É Diferente (editora Campus), que
detalha quantas vezes a expansão do crédito se descontrolou nos bons tempos, e
quantas vezes dívidas incobráveis desatam colapsos financeiros que assolam as
economias. Uma pesquisa que revela que nove dos dez países que mais vezes
deixaram de pagar a credores estrangeiros nos últimos dois séculos são
latino-americanos.
A década perdida
A última
sucessão de colapsos financeiros aconteceu nos anos 1980, a década perdida,
embora ainda tenha havido fortes repercussões posteriores. “Na maioria dos
países, foram quase duas décadas perdidas, com exceção do Chile e da Colômbia.
No Brasil houve uma crise importante em 1998, na Argentina, em 1995 e 2001, no México, em 1994”, observa Roberto Frenkel, do Centro de Estudos de Estado e
Sociedade, em Buenos Aires. Mas a década perdida fez por merecer esse título.
Nos anos setenta, a reciclagem dos petrodólares impulsionou a entrada de
capital estrangeiro na região. A dívida externa se multiplicou por 15, e o
empenho por defender as taxas de câmbio supervalorizadas após o choque do
petróleo de 1979 esgotou as reservas. O calote da dívida interrompeu
definitivamente o crédito externo, e as desvalorizações encareceram as
importações e alimentaram incríveis episódios de hiperinflação: os preços
chegaram a se multiplicar por 15 ao longo de um ano na Nicarágua, por 30 no Brasil, e por 70 no Peru.
A região,
que antes chegou a crescer 6% ao ano, começou a década de oitenta com três anos
de recessão, acompanhada de aumento do desemprego e da pobreza. Os anos noventa
foram de ajustes draconianos, polêmicas privatizações e de reformas
liberalizantes que deixaram a redistribuição de renda em segundo plano. Menos
desequilíbrios, mas à custa de mais desigualdade, de mais descontentamento
social. E a crise econômica global que marcou o início do século XXI, originada
nos Estados Unidos, voltou a se amplificar na América Latina, tendo como
símbolo máximo o corralito financeiro [restrição de saques] da
Argentina, no final de 2001.“Depois, a região encontrou um rumo comum, no qual
a adoção de regimes cambiais mais flexíveis desempenhou um papel determinante,
benéfico”, afirma Frenkel.
Além disso,
somou-se à cautela na política macroeconômica uma nova agenda política, em que
a intervenção do Estado (escolarização, luta contra a pobreza, atendimento
médico) ganhou peso. O Brasil, que combinou o legado econômico ortodoxo
de Fernando Henrique Cardoso com as políticas sociais
de Luiz Inácio Lula da Silva (eleito presidente em
2002), foi a melhor bandeira dessa nova etapa, que teve sotaques nacionais
muito diversos. Além disso, o vento do exterior outra vez soprava a favor. Para
José Antonio Ocampo, da Universidade Columbia (EUA), “o quinquênio de
crescimento excepcional, que vai de 2004 a 2008”, deve muito “a uma espécie de
alinhamento dos astros”.
“A região
aproveitou um crescimento rápido do comércio internacional, bons preços das
matérias-primas, oportunidades de emigração e grandes fluxos de financiamento”,
cita o professor colombiano, antes de concluir: “Nada disso existe mais”. A
freada da China, a frágil recuperação dos países avançados após a crise de 2009
e o desabamento do preço das matérias-primas dominam o cenário mundial
atualmente. A facilidade aparente com a que a América Latina superou a crise
financeira global de 2009 foi vista como um sinal de fortaleza. “Quando houve
esse primeiro aviso, cogitou-se que seria um ajuste transitório e pesou o
conselho do FMI de fazer políticas fiscais e monetárias expansivas. Mas desde
2011 ficou claro que não era transitório. E agora os capitais saem, agrava-se o
déficit exterior, e as moedas se desvalorizam”, observa Frenkel.
Maus conselhos
O aviso de
2009, insiste Ricardo Caballero, professor de Economia do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), “foi respondido com grande soberba”. “Lembro
de uma conferência no FMI, três ou quatro anos atrás, onde vários gestores
políticos da região declararam o fim dos sudden stops [uma
interrupção repentina no financiamento privado internacional] como resultado da
adoção do câmbio flutuante e da emissão de dívida em moeda local. Fiz ali a
observação de que não tínhamos visto os sudden stops tradicionais
devido à política monetária extraordinariamente complacente dos países
desenvolvidos e ao sustentado crescimento da demanda chinesa por nossos
produtos”, particulariza o professor chileno.
Agora, com a
iminente ascensão das taxas de juros nos Estados Unidos, os problemas para a
região se acumulam. As condições externas pioram, e as perspectivas para a
América Latina – o FMI prevê uma leve recessão este ano – se ressentem ainda
mais. Trata-se de uma familiar relação causa-efeito, que obriga a olhar para o
que aconteceu no último boom, um balanço de luzes e sombras. “A
etapa de bonança provocada por um aumento do preço das matérias primas e da
entrada de capitais costuma ser um convite ao desastre na região. Desta vez a
gestão foi um pouco mais prudente, com melhores políticas econômicas”, defendeu
Reinhart. “Houve algumas medidas positivas no começo, alguma poupança daqueles
rendimentos extraordinários, mas imediatamente se considerou que os preços
elevados das matérias-primas respondiam a uma situação permanente”, opina
Guillermo Calvo, também professor de Economia na Universidade Columbia.
“Agora o
déficit público e o déficit exterior não param de crescer. A região fez a
festa, mas ela acabou, e será preciso ajustar outra vez”, conclui. “Tivemos um
episódio daquilo que se conhece como doença holandesa. Quando o preço e a
produção de um bem de exportação sobem muito, as matérias-primas em nosso caso,
geralmente elas arruínam o resto do setor exportador, por causa de uma
valorização sustentada da taxa de câmbio”, acrescenta Caballero. “A valorização
cambial levou a uma desindustrialização generalizada”, concorda Frenkel. “Em
alguns casos, os ganhos do auge das matérias-primas serviram para financiar a
construção de infraestrutura, a redução da indigência, ou alguns experimentos
produtivos. Mas não foram revertidos alguns problemas históricos, como a
educação e a segurança pública”, comenta Eduardo Gudynas, do Centro
Latino-Americano de Ecologia Social (CLAES’), com sede em Montevidéu. Resta ver
se a região será capaz de sair do caminho trilhado no último meio século. “As
desvalorizações não estimularam a inflação, isso não havíamos visto antes, é
uma esperança de que se administre bem o ajuste. Mas é muito prematuro cantar
vitória”, diz o argentino Guillermo Calvo.
Com um
retrocesso que o FMI estima em 10% do PIB neste ano e uma inflação que já quase
triplicou, a Venezuela demonstrou ser a mais vulnerável aos choques externos.
“Voltou ao pior das últimas décadas, mas não tem o impacto regional que poderia
ter uma economia como a brasileira”, disse Reinhart. “Estou muito preocupada
com a situação do Brasil. À vulnerabilidade após uma longa etapa de bonança
somam-se questões internas, um bloqueio político e casos de corrupção que
interagem com os fatores externos”, acrescentou.
Motivos conjunturais
Ocampo, por outro lado, vê na
recessão brasileira “mais razões conjunturais do que estruturais”. E, também,
razões para otimismo: “A dívida externa está mais baixa, a situação fiscal de
saída é melhor, não há processos de hiperinflação, e eu acredito que a América
Latina, depois de um período de dúvida, vai manter o acesso ao financiamento
externo, embora mais caro”. América Latina como um todo volta à estaca
zero. “Só o fato de a região desta vez evitar as crises financeiras já seria um
grande passo”, disse Reinhart. O primeiro de muitos na direção de um
crescimento mais equilibrado. “A desindustrialização foi excessiva, o investimento
em tecnologia muito baixo, e há muito por fazer até obter uma educação de
qualidade, um setor público eficaz, e uma melhora na infraestrutura que
potencialize o crescimento”, sintetiza Ocampo.
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