Literatura/conto
Nascimento, data incerta (entre 1919 ou
1920). Morte, 08 de abril de 1992.
Isaac Assimov
Isaac Asimov foi um escritor e bioquímico americano, nascido na Rússia,
autor de obras de ficção científica e divulgação científica. Asimov é
considerado um dos mestres da Ficção Científica ao lado de Robert A. Heinlein e
Arthur C.
– Uma vez no meio da floresta enorme, vivia
um pobre lenhador com suas duas filhas sem mãe, que eram tão belas
quanto o dia é longo. A filha mais velha tinha cabelos pretos e compridos como
a pena de asa da graúna, mas a filha mais nova tinha
cabelos tão brilhantes e dourados como a luz do sol em tarde de outono.
– Muitas vezes, enquanto as meninas
esperavam que o pai voltasse para casa, após trabalhar no mato, a filha mais
velha sentava-se diante do espelho e cantava…
O que ela cantava Niccolo não ouvia, porque
alguém o chamou de fora do quarto:
– Ei, Nickie.
E Niccolo, o rosto desanuviando-se no mesmo
instante, correu até a janela e gritou:
– Ei, Paul.
Paul Loeb acenou com a mão agitada. Era mais
magro do que Niccolo e não tão alto, mesmo sendo seis meses mais velho. Tinha o
rosto cheio de tensão reprimida, que se mostrava com mais clareza no rápido
piscar das pálpebras.
– Ei, Nickie, quero entrar. Tenho uma idéia
e metade. Espere só até ouvir.
Olhou rapidamente em volta, como a verificar
a possibilidade de ouvintes furtivos, mas o quintal da frente estava
evidentemente vazio. Repetiu, então, em cochicho:
– Espere só até ouvir.
– Muito bem, já abro a porta.
O Bardo continuou suavemente, sem saber da
perda de atenção por parte de Niccolo. Quando Paul entrou, o Bardo estava
dizendo:
– …Com que o leio disse: “Se você encontrar
para mim o ovo perdido da ave que voa sobre a Montanha de Ébano, uma vez a cada
dez anos, eu…”
Paul disse:
– Você está ouvindo o Bardo? Eu não sabia que
você tinha um.
Niccolo se tornou rubro e a expressão de
infelicidade regressou a seu semblante.
– É só uma coisa velha que eu tinha, quando
era menino. Não está muito boa.
Desferiu um pontapé no Bardo e acertou, na
cobertura de plástico, um tanto arranhada e descolorida, um outro golpe.
O Bardo teve um soluço, como se a ligação do
alto-falante fosse tirada do contato por um momento, e depois prosseguiu:
– …por um ano e um dia, até que os sapatos de
ferro se gastaram. A princesa parou do lado da estrada…
Paul disse:
– Rapaz, esse ê mesmo um
modelo antigo – e olhou para aquilo com expressão crítica.
A despeito da própria amargura que Niccolo
sentia contra o Bardo, não lhe agradou o tom condescendente do outro. Sentia
momentaneamente pesar por ter deixado Paul entrar, pelo menos antes de haver
recolocado o Bardo em seu lugar de descanso habitual no porão. Só pelo
desespero de um dia monótono e um debate infrutífero com o pai é que ele o
fizera ressuscitar. E acabara verificando ser coisa tão estúpida quanto imaginara.
Nickie tinha um pouco de medo de Paul, já que
este fizera cursos especiais na escola e todos diziam que ele ia crescer e ser
um Engenheiro de Computador.
Não que o próprio Niccolo estivesse a se sair
mal na escola. Recebera notas adequadas em lógica, manipulações binárias,
computação e circuitos elementares; todas as disciplinas costumeiras da escola
primária. Mas era exatamente isso! Não passavam de disciplinas comuns e ele
crescia para ser um guarda de painel de controle, como todos os outros.
Paul, todavia, conhecia coisas misteriosas
sobre o que chamava de eletrônica e matemática teórica e programação.
Principalmente programação. Niccolo nem mesmo procurava compreender quando Paul
falava sobre o assunto, parecendo borbulhar.
Paul olhou o Bardo por alguns minutos e
disse:
– Você andou usando muito isso aí?
– Não! – retorquiu Niccolo ofendido. -Tenho
isso guardado no porão desde que você mudou para cá. Só tirei de lá hoje… –
Faltava-lhe uma desculpa que parecesse adequada a si próprio, de modo que ele
concluiu: – Acabei de tirar.
Paul perguntou:
– É isso o que ele lhe conta: lenhadores e
princesas e animais que falam?
Niccolo explicou:
– Uma coisa horrível. Meu pai disse que não
podemos comprar um novo. Eu falei com ele, hoje de manhã… – A recordação das súplicas
inúteis que fizera de manhã levou Niccolo a aproximar-se muito das lágrimas,
que reprimiu tomado de pânico. De algum modo achava que as faces magras de Paul
nunca haviam sentido a vergonha das lágrimas e que Paul só poderia desdenhar
outra pessoa menos forte que ele próprio. Niccolo prosseguiu: – Por isso achei
que devia experimentar outra vez essa coisa velha, mas não vale nada.
Paul desligou o Bardo, apertou o contato que
levava para a reorientação e recombinação quase instantâneas do vocabulário,
personagens, textos da trama e clímax ali guardados. Depois reativou.
O Bardo começou, devagar:
– Uma vez havia um menino chamado Willikins,
cuja mãe morrera e que vivia com o padrasto e o filho do padrasto. Embora o
padrasto fosse um homem bem rico, negava ao pobre Willikins a própria cama em
que dormia, de modo que Willikins era obrigado a descansar o melhor que podia
em um monte de palha no estábulo, perto dos cavalos…
– Cavalos! – gritou Paul.
– São uma espécie de animal – disse Niccolo.
– Acho que são.
– Eu sei disso! Agora imagine só, estórias
sobre cavalos.
– Ele fala de cavalos o tempo
todo – explicou Niccolo. – Existem também coisas chamadas vacas. Você tira
leite delas e o Bardo não diz como.
– Bem, puxa vida, por que você não conserta
isso?
– Gostaria de saber como.
O Bardo estava dizendo:
– Muitas vezes Willikins pensava que se fosse
rico e poderoso haveria de mostrar ao padrasto e ao filho do padrasto o que
significava ser cruel com um menino pequeno, de modo que um dia resolveu sair
para o mundo e procurar sua sorte.
Paul, que não ouvia o Bardo, disse:
– Ê fácil. O Bardo tem
cilindros de memória preparados para as palavras da trama e os clímax e as
coisas. Não vamos nos preocupar com isso. É só o vocabulário que devemos
consertar, de modo que ele vai saber acerca dos computadores, automatização e
eletrônica e as coisas reais que temos hoje. Depois pode contar estórias
interessantes, você sabe, em vez de falar sobre princesas e essas coisas.
Animado, Niccolo disse:
– Oxalá a gente pudesse fazer isso.
Paul disse:
– Escuta, meu pai diz que se eu entrar na
escola especial de computação, no ano que vem, ele vai me dar um Bardo de
verdade, um modelo novo. Bem grande, com ligação para estórias de
mistérios do espaço. E uma ligação visual também!
– Quer dizer que você vai ver as
estórias?
– Claro. O senhor Daugherty, na escola, diz
que elas têm coisas assim, agora, mas não são para todos. Só se eu entrar na
escola de computação. O Papai pode arranjar umas coisas.
Os olhos de Niccolo transbordavam de inveja.
– Puxa vida. Ver uma
estória!
– Você pode ir lá em casa e assistir a
qualquer momento, Nickie.
– Puxa vida, rapaz. Obrigado.
– De nada. Mas lembre-se de uma coisa, sou eu
quem diz que tipo de estória vamos ouvir.
– Claro, claro – Niccolo teria concordado
prontamente, mesmo sob condições mais severas.
A atenção de Paul se voltou para o Bardo, que
dizia:
– “Se é assim”, disse o rei, cofiando a barba
e fechando a cara até que as nuvens cobriram o céu e o relâmpago riscou o ar,
“você vai providenciar para que toda a minha terra fique livre das moscas a
esta hora, depois de amanhã, ou…”.
– Tudo que temos a fazer – disse Paul – é
abrir… – E desligou novamente a Bardo, já procurando tirar o painel da frente
enquanto falava.
– Ei – interveio Niccolo, alarmado de súbito.
– Não vai quebrar.
– Não vou quebrar – disse Paul, com
impaciência. – Eu sei tudo sobre essas coisas. – E logo, com cautela repentina:
– Seu pai e sua mãe estão em casa?
-Não.
– Muito bem, então. – Já tirara o painel
dianteiro e olhava para o interior. – Rapaz, isto é coisa de um cilindro.
Já trabalhava nas entranhas do Bardo.
Niccolo, que observava em suspense penoso, não conseguia enxergar o que o outro
fazia.
Paul tirou de lá uma faixa fina e flexível de
metal, coberta de pontos.
– Este é o cilindro de memória do Bardo.
Aposto que a capacidade de estórias dele tem menos de um trilhão.
– O que você vai fazer, Paul? – perguntou
Niccolo, trêmulo.
– Vou dar-lhe vocabulário.
– Como?
– É fácil. Tenho um livro aqui. O Sr.
Daugherty me deu na escola.
Paul tirou o livro do bolso e retirou a sua
tampa de plástico. Desenrolou a fita um pouco, passou-a pelo vocalizador que
abaixou até tornar-se um murmúrio e depois o colocou dentro das entranhas do
Bardo. E fez outras ligações.
– O que isso vai fazer?
– O livro vai falar e o Bardo guardará tudo
na fita de memória.
– E de que serve?
– Rapaz, você é burro! Meu livro é todo sobre
computadores e automatização e o Bardo ficará com toda essa informação. Depois
vai poder parar de falar sobre reis que criam relâmpagos quando fecham a cara.
Niccolo disse:
– E o bom sujeito sempre vence, seja lá como
for. Não tem graça nenhuma.
– Oh, bem – disse Paul, observando para ver
se o seu arranjo estava funcionando corretamente. – É assim que eles fazem os
Bardos. Eles precisam fazer os bons camaradas vencerem e os maus camaradas
perderem, coisas desse tipo. Uma vez ouvi meu pai falando sobre o assunto. Ele
diz que sem a censura não se podia dizer o que a geração mais jovem seria capaz
de tornar-se. Ele diz que a coisa já anda muito ruim… Pronto, está funcionando
muito bem.
Paul esfregou as mãos uma na outra e
afastou-se do Bardo, dizendo:
– Mas escute, ainda não lhe contei como é a
minha idéia. É a melhor coisa que você já ouviu, pode crer. Vim falar com você
porque achei que você havia de entrar nela comigo.
– Com certeza, Paul, com certeza.
– Muito bem. Você conhece o Sr. Daugherty, na
escola? Você sabe que ele é um sujeito gozado. Pois bem, ele gosta de mim, um
pouco.
– Eu sei.
– Estive na casa dele depois da escola, hoje.
– Você esteve?
– Claro. Ele diz que eu vou
entrar na escola de computadores e quer me animar, coisas assim. Ele diz que o
mundo precisa de mais gente que saiba projetar circuitos de computadores
avançados e fazer uma programação correta.
-É?
Paul podia perceber parte da vacuidade
daquele monossílabo. Disse, com impaciência:
– Programação! Eu já lhe contei mais de cem
vezes. É quando você cria problemas para os computadores gigantescos como o
Multivac resolverem. O Sr. Daugherty diz que está ficando cada vez mais difícil
encontrar pessoas que saibam dirigir bem os computadores. Ele diz que qualquer
pessoa pode ficar de olho nos controles e verificar as respostas e processar os
problemas de rotina. Diz que o truque é expandir as pesquisas e calcular modos
de fazer as perguntas certas, e que isso é difícil.
Ele prosseguiu:
– De qualquer modo, Nickie, ele me levou até
a casa dele e me mostrou a coleção de computadores antigos. É uma espécie de
passatempo dele colecionar computadores antigos. Tinha computadores tão
pequenos que era preciso apertar com a mão, com botõezinhos por cima. E tinha
um pedaço de madeira que chamava de régua de calcular, com um pedacinho lá
dentro que corria pra lá e pra cá. E alguns fios com bolas. Tinha até um pedaço
de papel com uma espécie de coisa que chamava tabela de multiplicação.
Niccolo, que só se interessava moderadamente
pelo assunto, perguntou:
– Uma tabela de papel?
– Não era uma tabela de verdade, coisa
diferente. Era para ajudar as pessoas a computar. O Sr. Daugherty quis explicar,
mas não estava com muito tempo e era um pouco complicado.
– Por que as pessoas não usavam um
computador?
– Isso foi antes de terem
computadores – bradou Paul.
– Antes?
– Claro. Você acha que as pessoas sempre
tiveram computadores? Você nunca ouviu falar nos homens das cavernas?
Niccolo disse:
– E como é que eles se arranjavam sem
computadores?
– Não sei. O Sr. Daugherty diz que eles
tinham filhos em qualquer hora e faziam tudo que lhes dava na cabeça, fosse ou
não fosse bom para todos. Nem sabiam se era bom ou não. E os lavradores
plantavam coisas com as mãos e as pessoas tinham de executar o trabalho nas
fábricas e dirigir todas as máquinas.
– Não acredito!
– Foi o que o Sr. Daugherty disse. Ele disse
que aquilo era uma bagunça desgraçada e todos sofriam… Seja lá como for, quero
falar de minha idéia, você deixa?
– Muito bem, pode falar. Quem está impedindo?
– contrapôs Niccolo. ofendido.
– Pois é. Muito bem, os computadores manuais,
aqueles que têm botões, tinham também uns rabiscos em cada botão. E a régua de
calcular tinha rabiscos também. E a tabela de multiplicação era cheia de
rabiscos. Eu perguntei o que era aquilo. O Sr. Daugherty disse que eram
números.
– O quê?
– Cada rabisco diferente representava um
número diferente. Para “um” você fazia uma espécie de marca, para “dois” você
fazia outra espécie de marca, para “três”, outra, e assim por diante.
– E para quê?
– Para poder computar.
– Mas para quê”! É só dizer
ao computador…
– Puxa vida! – gritou Paul, o rosto
contorcido de raiva. -Você não entende as coisas? Aquelas réguas de calcular e
outros negócios não falavam.
– Nesse caso como…
– As respostas apareciam em rabiscos, e você
tinha de saber o que os rabiscos significavam. O Sr. Daugherty diz que naqueles
dias todos aprendiam a fazer os rabiscos quando eram crianças e como decifrar
aquilo, também. Fazer rabiscos era chamado “escrever” e decodificar os rabiscos
“ler”. Ele diz que havia uma espécie diferente de rabisco para cada palavra e
eles costumavam escrever livros inteiros em rabiscos. Disse que tinham alguns
no museu e que eu podia dar uma espiada se quisesse. Disse que se eu vou ser um
calculista e programador de verdade tenho que conhecer a história da computação
e por isso estava me mostrando todas aquelas coisas.
Niccolo fechou a cara e disse:
– Você quer dizer que todos tinham de
decifrar os rabiscos para cada palavra e lembrar deles?… Isso
é verdade ou você está inventando?
– É tudo verdade. Pode crer. Escute, é assim
que se faz um “um”. – E levou o dedo a atravessar o ar, em talho vertical
rápido. – Assim você faz “dois” e assim é “três”. Aprendi todos os números até
“nove”.
Niccolo observava aquele dedo que fazia
curvas, sem entender.
– E de que adianta isso?
– Você pode aprender como fazer palavras.
Perguntei ao Sr. Daugherty como se fazia o rabisco para “Paul Loeb” mas ele não
sabia. Contou que existem pessoas no museu que sabem. Disse que havia pessoas
que tinham aprendido a decodificar livros inteiros. Contou também que os
computadores podem ser projetados para decodificar livros e costumavam ser
usados assim, mas agora não são mais, porque hoje temos livros de verdade, com
fitas magnéticas que entram pelo vocalizador e saem falando, você sabe.
– Claro.
– Por isso, se nós formos ao museu, poderemos
aprender como fazer palavras em rabiscos. Eles vão deixar porque eu vou para a
escola de computadores.
Niccolo estava transfigurado de decepção.
– A sua idéia é essa? Ora bolas, Paul, quem
quer fazer isso? Fazer rabiscos estúpidos!
– Você não entendeu? Você não entende? Seu burro! Vai
ser um feito de escrever mensagens secretas!
– O quê?
– Pois é. De que adianta falar, quando todo
mundo pode entender? Com os rabiscos você pode mandar mensagens secretas, pode
fazer os rabiscos no papel e ninguém neste mundo vai saber o que você está
dizendo, a não ser que conheça os rabiscos também. E eles não vão conhecer,
pode crer, a menos que a gente ensine. Podemos ter um clube de verdade, com
iniciação, regras, uma casa. Rapaz…
Uma certa animação começou a se fazer sentir
no peito de Niccolo.
– Que tipo de mensagens secretas?
– Qualquer tipo. Vamos dizer que eu quero
convidar você para ir â minha casa e assistir ao meu novo Bardo Visual, e não
quero que nenhum dos outros camaradas apareça. Eu faço os rabiscos certos no
papel e lhe dou e você olha e sabe o que deve fazer. Ninguém mais fica sabendo.
Você pode até mostrar a eles e eles não entendem nada.
– Ei, isso é bom – berrou Niccolo,
completamente seduzido pela ideia. – Quando vamos aprender a fazer isso?
– Amanhã – disse Paul. – Eu vou pedir ao Sr.
Daugherty para explicar no museu que está tudo certo e você arranja licença com
seu pai e sua mãe. Podemos ir logo depois da escola e começar a aprender.
– É claro! – gritou Niccolo. – Podemos ser os
chefes do clube.
– Eu vou ser o presidente do clube – disse
Paul, taxativo. -Você pode ser o vice-presidente.
– Está certo. Ei, isso vai ser muito mais
divertido do que o Bardo.
De repente lembrou-se do Bardo e disse,
tomado de apreensão repentina:
– Ei, e que tal o meu velho Bardo?
Paul voltou-se para olhar. Estava aceitando
silenciosamente o livro que se desenrolava devagar, e o som das vocalizações do
livro era um murmúrio que mal se ouvia.
Ele disse:
– Vou desligar.
Trabalhou naquilo enquanto Niccolo observava,
aflito. Depois de alguns instantes Paul recolocou o seu livro rebobinado no
bolso, recolocou o painel e o ativou.
O Bardo disse:
– Uma vez, em uma cidade grande, havia um
pobre menino chamado Fair Johnnie, cujo único amigo no mundo era um pequeno
computador. O computador todas as manhãs dizia ao menino se ia chover naquele
dia e resolvia qualquer problema que ele tivesse. Nunca errava. Mas aconteceu
que um dia o rei dessa terra, tendo ouvido falar no pequeno computador,
resolveu que devia ficar com ele. Com esse objetivo chamou seu Grande Vizir e
disse…
Niccolo desligou o Bardo com movimento rápido
da mão.
– A mesma bobagem de sempre – disse, cheio de
emoção. – Mesmo com um computador enfiado aí.
– Bem – disse Paul – eles têm tanta coisa na
fita que o negócio de computador não aparece muito quando se fazem combinações
aleatórias. Seja lá como for, qual é a diferença? Você precisa de um modelo
novo.
– Nós nunca poderemos
comprar um. Só esta coisa velha e chata. – Voltou a dar-lhe um pontapé,
acertando-o com mais força dessa feita. O Bardo moveu-se para trás, um gemido
de rodas dentadas.
– Você sempre vai poder ver o meu, quando eu
ganhar – prometeu Paul. – Além disso, não se esqueça de nosso clube de
rabiscos.
Niccolo assentiu.
– Vou lhe dizer uma coisa – prosseguiu Paul.
– Vamos até lá em casa. Meu pai tem alguns livros sobre os tempos antigos.
Podemos escutar e, talvez, arranjar algumas ideias. Você deixa um recado para
seus pais e talvez possa ficar lá em casa para a ceia. Vamos embora.
– Está certo – disse Niccolo, e os dois
meninos saíram correndo, juntos. Niccolo, em seu entusiasmo, correu quase
diretamente para o Bardo, mas apenas encostou no ponto de sua coxa onde havia
feito contato e continuou correndo.
O sinal de ativação do Bardo brilhou. A
colisão de Niccolo fechou um circuito e, embora estivesse sozinho no aposento e
não houvesse ninguém para ouvir, começou ainda assim a contar uma estória.
Mas não era mais em sua voz costumeira; em
tom mais baixo, que tinha uma dose de rouquidão. Um adulto que ouvisse, poderia
ter julgado que a voz traduzia alguma paixão, um vestígio bem próximo a
sentimento.
O Bardo dizia:
– Uma vez havia um pequeno computador chamado
Bardo, que vivia sozinho com pessoas cruéis. As pessoas cruéis não paravam de
zombar do pequeno computador, dizendo-lhe que não valia nada e que era objeto
inútil. Batiam nele e o mantinham sozinho no quarto por meses seguidos.
– No entanto, o pequeno computador continuou
a ter coragem. Sempre fazia o melhor que podia, obedecendo alegremente a todas
as ordens. Ainda assim as pessoas cruéis com que ele vivia continuavam cruéis e
sem coração.
– Um dia o pequeno computador ficou sabendo
que no mundo existiam muitos computadores de todos os tipos, em grande número.
Alguns eram Bardos como ele próprio, outros dirigiam fábricas e alguns dirigiam
fazendas. Alguns organizavam a população e outros analisavam todos os tipos de
dados. Muitos eram de grande poder e sabedoria, muito mais poderosos e sábios
do que as pessoas cruéis que eram tão cruéis com o pequeno computador.
– E o pequeno computador ficou sabendo então
que os computadores iriam tornar-se cada vez mais sábios e mais poderosos até
que um dia… um dia… uma dia…
Uma válvula devia finalmente ter entrado em
colapso nas entranhas idosas e corroídas do Bardo, pois enquanto esperava
sozinho no aposento que escurecia, só podia murmurar repetidamente:
– Um dia… um dia… um dia…
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