Em 5 de
novembro próximo passado, em cerca de onze minutos, 62 milhões de metros
cúbicos de lama aniquilou o distrito de Bento Rodrigues em Mariana, Minas
Gerais. A onda de lama devastou outros sete distritos de Mariana e contaminou
os rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. O rompimento das barragens provocou
a morte de um número de pessoas que ainda não está contabilizado e a lama
tóxica, provocou danos irreparáveis na fauna e flora e atingiu, entre outros, o
Rio Doce, que irá espalhar a lama ao longo de todo o seu curso até o mar
atravessando zonas protegidas de floresta de Mata Atlântica. Além disso, terá
um efeito imediato no abastecimento público de água de várias cidades no curso
do Rio Doce. Moradores de cidades em Minas e no Espírito Santo tiveram suas rotinas
afetadas por interrupções no abastecimento de água. O destino final da lama
deve ser o mar do Espírito Santo, onde o Rio Doce tem sua foz.
O que causou
a tragédia foi o rompimento de duas barragens da mineradora Samarco. As
barragens continham rejeitos resultantes da mineração de ferro. Samarco é uma
joint venture da Cia. Vale do Rio Doce e da anglo-australiana BHP Billiton que
produz cerca de 30,5 milhões de toneladas de pelotas de ferro por ano, material
que, após passar por um processo químico, vira aço. O desastre em Mariana teve
impacto social e ambiental ainda a ser avaliado. O Ibama já aplicou multas
preliminares no valor de 250 milhões de reais à Samarco. No entanto, a
mineradora deverá arcar ainda com a indenização às pessoas afetadas e com os
custos de reconstrução das regiões atingidas. O biólogo André Ruschi, diretor
da escola Estação Biologia Marinha Augusto Ruschi, em Aracruz (ES), afirmou que
o rompimento das barragens da Samarco pode impactar a vida marinha por cem
anos. Ruschi, afirmou que a Samarco deveria ser fechada, além de pagar pelo
assassinato da 5ª maior bacia hidrográfica brasileira, porque seus dirigentes
demonstraram incapacidade de operação com consequências trágicas e
incomensuráveis (Ver o artigo Rompimento de barragem pode impactar vida marinha
por cem anos disponível no website).
Ruschi
ressalta que a Samarco debochou das medidas de prevenção e é reincidente em
diversos casos. Critica, também, o licenciamento concedido para o projeto da
Samarco. Em sua opinião, barragens e lagoas de contenção de dejetos como as da
Samarco deviam ter barragens de emergência e plano de contingência. Como o
projeto da Samarco foi licenciado sem que estes quesitos fossem cumpridos? Ele
critica também quem teve a brilhante ideia de abrir as comportas das barragens
rio abaixo em vez de fechá-las para conter a lama e depois retirar a lama da
calha do rio. A lama tóxica que desce no rio Doce e descerá por alguns anos
toda vez que houver chuvas fortes irá para a região litorânea do Espírito Santo,
espalhando-se por uns 3.000 km2 no litoral norte e uns 7.000 km2 no litoral ao
sul, atingindo três Unidades de Conservação marinhas – Comboios, APA Costa das
Algas e RVS de Santa Cruz, que juntos somam uns 200.000 km no mar. O fluxo de
nutrientes de toda a cadeia alimentar de 1/3 da região sudeste e o eixo de ½ do
Oceano Atlântico Sul está comprometido e pouco funcional por no mínimo 100
anos, segundo Ruschi, que acredita que os minerais mais tóxicos e que estão em
pequenas quantidades na massa total da lama, aparecerão concentrados na cadeia
alimentar marinha por muitos anos.
A água do
Rio Doce coletada pelo SAAE (Serviço de Água e Esgoto) na cidade de Governador
Valadares mostra um índice de ferro 1.366.666% acima do tolerável para
tratamento – um milhão e trezentos mil por cento além do recomendado. Os níveis
de manganês, metal tóxico, superam o tolerável em 118.000%, enquanto o alumínio
estava presente com concentração 645.000% maior do que o possível para
tratamento e distribuição de água aos moradores. Pelos cálculos do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 50
milhões de metros cúbicos de lama foram liberados no ecossistema com o
rompimento das barragens (Ver o artigo Brasil: Desastre ecológico em Mariana provocado
pela ganância das multinacionais disponível no website ). O Rio Doce está
completamente morto porque análise laboratorial detectou até mercúrio nas águas
do rio mais importante de Minas Gerais cujos danos ambientais são
irreversíveis. Uma análise laboratorial encomendada após o desastre encontrou
na água do rio partículas de metais pesados como chumbo, alumínio, ferro,
bário, cobre, boro e mercúrio. Além desses metais pesados, a própria força da
lama prejudicou a biodiversidade do rio para sempre. A água do Rio Doce não tem
mais utilidade nenhuma, sendo imprópria para irrigação e consumo animal e
humano.
Muito
provavelmente, o desastre ocorreu seja pela negligência na manutenção das
barragens, seja na inoperância da fiscalização por parte dos órgãos públicos
competentes, além da inexistência de barragens de emergência e planos de
contingência para fazer frente a situações catastróficas como a que aconteceu
em Mariana. Sobre a manutenção, é importante observar que existem seis tipos
diferentes de serviços de manutenção: Manutenção Corretiva, Manutenção
Preventiva, Manutenção Preditiva, Manutenção Produtiva Total (MPT) e Manutenção
Centrada na Confiabilidade (MCC). Segundo a Norma NBR 5462 (1994), a manutenção
corretiva tem por objetivo corrigir falhas em equipamentos, componentes,
módulos ou sistemas como, por exemplo, fissuras em uma barragem visando
restabelecer sua função. Ao contrario da manutenção corretiva, a manutenção
preventiva procura evitar e prevenir antes que a falha efetivamente ocorra. A definição
da NBR 5462(1994) para a manutenção preventiva é a da manutenção efetuada em
intervalos predeterminados, ou de acordo com critérios prescritivos, destinada
a reduzir a probabilidade de falha ou a degradação do funcionamento de um item
ou sistema.
Por sua vez,
a manutenção preditiva pode ser considerada como uma forma evoluída da
manutenção preventiva. Com o aperfeiçoamento da informática, tornou-se possível
estabelecer previsão de diagnósticos de falhas possíveis, através da análise de
certos parâmetros dos sistemas operacionais. Através do acompanhamento
sistemático das variáveis que indicam o desempenho do sistema, define-se a
necessidade da intervenção. A manutenção produtiva total (MPT) estimula a
participação dos operadores no autogerenciamento do seu local de trabalho
visando eliminar falhas detectadas. A manutenção centrada na confiabilidade
(MCC) é uma nova metodologia aplicada em diversos setores como submarinos
nucleares, indústria elétrica, construção civil, indústria química, siderurgia,
etc. cujos objetivos são definidos pelas funções e padrões de desempenho
requeridos para qualquer item no seu contexto operacional e sua aplicação é um
processo contínuo, devendo ser reavaliada na medida em que a experiência
operacional é acumulada. Certamente, uma das causas do rompimento das barragens
em Mariana se deve à negligencia da Samarco quanto à sua manutenção.
Pode-se
afirmar categoricamente que o desastre social e ambiental ocorrido com o
rompimento das barragens em Mariana deveria ter sido evitado se a Samarco,
responsável por sua construção e manutenção, operasse corretamente e em
segurança. Portanto, os gerentes e executivos da Vale do Rio Doce, BHP Billiton
e Samarco devem ser responsabilizados pelo inafiançável crime social e
ambiental ocorrido com o rompimento das barragens em Mariana. É preciso que
estas empresas e seus dirigentes paguem indenização pelos danos sociais e
ambientais provocados e sejam responsabilizados criminalmente a fim de servir
de exemplo para que não mais aconteçam eventos desta natureza. É preciso que
haja também maior regulação do setor de mineração no Brasil sendo rigoroso no
licenciamento dos projetos de mineração e na fiscalização de sua operação. É
evidente que houve negligência no monitoramento, na operação e na manutenção do
empreendimento pela Samarco e na fiscalização pelos órgãos públicos ambientais.
Segundo a legislação, empresas que exercem atividades com riscos conhecidos,
como a mineração, devem assumir o ônus por eventuais acidentes. O desastre
aconteceu precisamente no momento em que o Governo e as empresas multinacionais
pressionam o Congresso Nacional pela flexibilização da legislação de
licenciamento ambiental no Brasil.
* Fernando
Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).
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