Clima
Colaboração de Fernando
Alcoforado*
Depois de
vários anos de negociações, impasses, avanços tímidos e fracassos, 195 países e
a União Europeia produziram na COP 21 em Paris um acordo global que define como
a humanidade combaterá o aquecimento global nas próximas décadas. Pela primeira
vez, cada país do mundo se compromete a reduzir as emissões de gases do efeito
estufa, fortalecer a resiliência (capacidade de voltar ao seu estado natural,
principalmente após uma situação crítica e fora do comum) e se unir em uma
causa comum para combater a mudança climática. O acordo não tem caráter legal
para todas as metas, como queria a maioria.
O acordo da
COP 21 é composto por um documento de 31 páginas. Ele contém um texto de 12
páginas, o Acordo de Paris, e uma decisão que detalha como o acordo será executado.
Juntos, os dois documentos formam uma espécie de manual de reorientação da
economia mundial. Eles sinalizam, ainda que de forma muito preliminar, que a
farra desbragada das emissões de gases de efeito estufa precisa chegar ao fim
em algum momento do século XXI. Para os otimistas, o acordo representa o fim da
era dos combustíveis fósseis.
O objetivo
declarado do Acordo de Paris é o de conter o aumento da temperatura média
global em bem menos do que 2 oC acima dos níveis pré-industriais e envidar esforços
para limitar o aumento de temperatura a 1,5 oC acima dos níveis
pré-industriais, reconhecendo que isso reduziria de maneira significativa os
riscos e os impactos da mudança climática. A menção à meta de 1,5 oC surgiu
graças à ação conjunta dos países insulares, que serão condenados à extinção no
longo prazo pelo aumento do nível do mar resultante de um aquecimento de 2 oC.
Como as metas de redução de emissões de gases
do efeito estufa apresentadas são incapazes de segurar a temperatura no patamar
necessário, foi decidido que será preciso fazer ajustes nelas a cada cinco
anos, a partir de 2023. Esses ajustes precisariam de um referencial, que não
foi considerado no texto do Acordo de Paris. O Acordo de Paris prevê também que
os países ricos se comprometam com o desembolso de pelo menos US$ 100 bilhões
por ano a partir de 2020 para projetos de redução de emissões nos países
emergentes e confirma que os países em desenvolvimento poderão ampliar a base
dos doadores no futuro, ainda que de maneira voluntária.
Dois
aspectos fundamentais não foram considerados no Acordo de Paris: 1) o objetivo
de longo prazo de descarbonizar a economia em 2050 ou de cortar no mínimo 70%
das emissões mundiais de gases-estufa até a metade do século XXI; e, 2) a meta
de temperatura não vem acompanhada de um roteiro dizendo como o mundo pretende
chegar a menos de 2 oC ou a 1,5 oC, o que enfraquece a perseguição desse alvo.
Em outras palavras, a COP 21 produziu um acordo que é, na prática, uma mera
carta de intenção.
Percebe-se, portanto,
que o Acordo de Paris não resolve as questões fundamentais, além de as metas
voluntárias indicadas por cada uma das nações somadas não serem 2 suficientes
para garantir que o aquecimento global fique bem abaixo de 2 graus Celsius,
rumo ao 1,5 grau Celsius até o ano 2100. Além disso, o documento é omisso ao
não apresentar propostas que contribuam para a construção de um modelo de
desenvolvimento sustentável em nosso planeta em substituição ao insustentável
modelo de desenvolvimento capitalista existente e para a construção de um mundo
de paz que se contraponha às guerras que proliferam pelo mundo. O modelo de
desenvolvimento capitalista em vigor e as guerras são os maiores responsáveis
pelo comprometimento do meio ambiente do planeta.
Há 140 anos,
Karl Marx já tinha alertado em O Capital para as consequências destruidoras
para o meio ambiente do então recente modo de produção capitalista. Marx
afirmou que “cada progresso da agricultura capitalista é não só um progresso na
arte de espoliar o trabalhador, mas também na arte de espoliar o solo; cada
progresso no aumento de sua fertilidade dentro de um dado prazo é também um
progresso na ruína das fontes duradouras desta fertilidade. Quanto mais um
país, como, por exemplo, os Estados Unidos, tem como base de seu
desenvolvimento a grande indústria, tanto mais rápido será tal processo de
destruição. A produção capitalista, portanto, apenas desenvolve a técnica e a
combinação do processo social de produção, minando, simultaneamente, as fontes
de todas as riquezas: a terra e o operário” (K. Marx. O Capital, Vol. I. São
Paulo: Boi tempo Editora, 2013).
O
capitalismo é um sistema econômico que se baseia na propriedade privada dos
meios de produção. Para movimentar recursos, produzir e lucrar mais, acumulando
mais e mais capital, as empresas capitalistas consomem e destroem recursos
naturais em busca do crescimento e do lucro como pré-requisito fundamental para
que o sistema capitalista continue em expansão. O capitalismo destrói para
voltar a se impulsionar. É indiscutível que houve um enorme avanço no nível de
bem-estar médio dos habitantes do planeta Terra a partir da Revolução
Industrial na Inglaterra em 1760. No entanto, muito disso foi conquistado à
custa do uso desordenado dos recursos naturais, principalmente para gerar a
energia necessária baseada em combustíveis fósseis que sustentou o crescimento
econômico capitalista. Hoje, a natureza já está cobrando o seu preço, bastando
observar os impactos resultantes das mudanças climáticas que tendem a se tornar
catastróficas.
Para mudar
essa situação e colocar um fim às constantes mudanças climáticas que ameaçam de
destruição nosso planeta e a humanidade, é necessário promover uma profunda
transformação da atual sociedade. A insustentabilidade do modelo de desenvolvimento
capitalista em vigor é evidente haja vista que tem sido extremamente destrutivo
das condições de vida no planeta. Diante deste fato, é um imperativo a
substituição do atual modo capitalista de produção dominante em todo o planeta
por outro modo de produção que leve em conta o homem integrado com o meio
ambiente, com a natureza, isto é, o modelo de desenvolvimento sustentável. Isto
não foi considerado na COP 21.
Outra
questão não abordada na COP 21 diz respeito às guerras, também grande
responsável pelo comprometimento do meio ambiente do planeta, as quais se
proliferam pelo mundo e servem para alavancar o capitalismo. Entre as inúmeras
consequências funestas das guerras, estão os efeitos devastadores sobre o meio
ambiente. Os bombardeios de alvos militares e de populações civis, o intenso
movimento de veículos militares e tropas, a grande concentração de voos de
combates, os mísseis jogados sobre 3 cidades e a destruição de estruturas
militares e industriais durante todos esses conflitos também provocam a emissão
de metais pesados e outras substâncias que contaminam o solo, a água e o ar.
Além da contaminação ambiental é necessário considerar ainda a modificação das
paisagens naturais e a perda da biodiversidade, a longo prazo, seja pela
presença de minas terrestres ou agentes químicos dispersados no ambiente. Isto
não foi considerado, também, na COP 21.
Finalmente,
é importante ressaltar que o Acordo de Paris é omisso, também, no que concerne
à construção de um sistema de governabilidade no planeta que seja capaz de
assegurar o reordenamento da economia mundial que está levando o mundo à
depressão, do meio ambiente do planeta ameaçado pelas mudanças climáticas
catastróficas e das relações internacionais que se agravam a cada dia
alimentando a proliferação de guerras. Diante dessas graves omissões da COP 21,
pode-se afirmar que muito dificilmente teremos sucesso na tentativa de evitar
as mudanças catastróficas no clima do planeta Terra no século XXI. James
Lovelock, renomado cientista, diz que o aquecimento global é irreversível e que
será uma época sombria em que mais de 6 bilhões de pessoas vão morrer neste
século. Em outras palavras, Lovelock afirma que a raça humana está condenada
devendo conviver com os quatro Cavaleiros do Apocalipse - guerra, fome,
pestilência e morte (Ver o artigo Aquecimento global é inevitável e 6 bi
morrerão, diz cientista disponível no website
http://rollingstone.uol.com.br/edicao/14/aquecimento-global-e-inevitavel-e-6-bimorrerao-diz-cientista#imagem0).
Infelizmente, o Acordo de Paris não possibilita evitar este cenário traçado por
James Lovelock.
* Fernando
Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944,
2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic
and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica
no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).
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