Política/Impeachment
Temer e Dilma, em agosto. / LULA MARQUES (AGÊNCIA
PT)
Vice deixa vazar carta crítica enviada à
presidenta em plena crise do impeachment
AFONSOBENITES Brasília,
Para El País – O JORNAL GLOBAL
CARTA DE TEMER A DILMA: “AS PALAVRAS VOAM, OS
ESCRITOS PERMANECEM”
Michel
Temer, vice-presidente do Brasil, em imagem de arquivo. / ANDERSON RIEDEL (VICE PR)
O vice-
presidente Michel Temer (PMDB) abandonou um dos seus traços mais
característicos, a discrição, para expor a fratura do Governo Dilma em plena
crise do impeachment por meio de uma explosiva carta. “As palavras voam, os
escritos permanecem”, é com essa frase, em latim, que Temer começa o texto no
qual demonstra sua insatisfação com o Governo, no qual é vice há cinco anos.
Dirigido à presidenta em caráter privado, o documento era para ser um duro
desabafo entre um aliado e a chefe de Estado. Mas o intencional vazamento à
imprensa dos “escritos” e as entrelinhas da carta demonstraram um claro
rompimento entre ambos no momento em que a gestão petista se prepara para
enfrentar no Congresso Nacional uma batalha contra o impeachment.
A carta, de
901 palavras e datada de 7 de dezembro, só reforça os sinais que já vinham
sendo demonstrados dia-a-dia. Do discurso de que era necessário “unificar o
país” à demissão de ministros próximos a Temer – primeiro Edinho Araújo,
durante a reforma ministerial, e depois Eliseu Padilha, na segunda-feira passada. Da entrega de cargos a um PMDB rachado à ausência do vice-presidente nos
discursos e reuniões mais importantes para o Governo. Isso sem falar no programa do
PMDB, “Uma Ponte para o Futuro”, feito sob a batuta de Temer e que critica a
política econômica e ignora os avanços sociais.
“Em algum
momento o rompimento aconteceria. Não há quem aguente ser deixado de lado o
tempo inteiro. Nem o Michel, que é um poço de tranquilidade”, afirmou um
deputado próximo ao vice-presidente.
No documento
enviado a Dilma, Temer jogou por terra a discrição que costumava ter. Disse que o Governo menosprezava
a ele e ao PMDB. Afirmou que no primeiro mandato se sentiu como um
vice-presidente decorativo e que perdeu o protagonismo político alcançado em quase 30 anos de
vida pública. “Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A
senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e
que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as
votações do PMDB e as crises políticas.
Dois aliados
de Temer ouvidos pela reportagem disseram que o documento demonstra que ele
está livre para tomar qualquer rumo. Seja o de apenas esperar o cargo “cair no
seu colo” ou o de articular com a oposição para obter o impeachment. Na última
semana, antes de viajar a São Paulo, Temer se reuniu com cinco senadores
oposicionistas e disse que estaria aberto a conversas com todos os setores da sociedade.
Algo que ele admite no documento entregue à Dilma Rousseff e diz que isso ajudou o Governo nos momentos necessários.
“Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o
fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento”.
Ser deixado
de lado pelo Governo não irritou mais Temer do que declarações atribuídas a ele
por ministros de Rousseff. Na quinta-feira passada os ministros Edinho Silva,
da secretaria de Comunicação, e Jaques Wagner, da Casa Civil, disseram que após
uma reunião com a presidenta, o vice teria afirmado que não havia respaldo
jurídico para o impeachment dela. Era uma tentativa de envolver o
vice-presidente na defesa do mandato da petista. No mesmo dia, a assessoria de
Temer apressou-se em dizer que ele só aconselhou a presidenta a tratar a
questão com caráter institucional, sem ataques a quaisquer partes envolvidas no
processo, principalmente a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o presidente da Câmara que aceitou
o início da abertura do processo de impeachment de Dilma.
Na noite de
segunda-feira, a mesma assessoria do vice-presidente informou que a carta dele
para Rousseff não propunha o rompimento entre os partidos (PMDB-PT) nem com o
Governo. Se as palavras ditas voam, as escritas deram sinais de que, muito
provavelmente, Rousseff não poderá contar com o seu vice nessa guerra política.
A carta vem a público no mesmo
dia em que a Comissão de Impeachment não conseguiu ser formada por uma clara
divisão do PMDB sobre o apoio à saída de Rousseff da presidência. Como
presidente do partido, Temer escancara a posição incômoda em que se encontra e
pode influenciar votos de indecisos da legenda a apoiar o impedimento da
presidenta na nova reunião para formar a Comissão na tarde desta terça. Seu
gesto é celebrado pelos que estão a favor do desfecho da crise política através
da saída da presidenta, mas já suscita adjetivos incômodos ao vice, que está
sendo chamado de “amigo da onça” por alguns. Na manhã desta segunda, o
cientista político Cláudio Couto já tinha uma leitura política que expôs em sua
página no Facebook: “Parecia que o Frank Underwood era o Cunha. Mas que nada! É
o Temer!”.
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