quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

CARTA DE TEMER EXPÕE RACHA E ABRE PORTA DE SAÍDA DO GOVERNO DILMA

Política/Impeachment


Temer e Dilma, em agosto. / LULA MARQUES (AGÊNCIA PT)

Vice deixa vazar carta crítica enviada à presidenta em plena crise do impeachment



AFONSOBENITES Brasília,
Para El País – O JORNAL GLOBAL



CARTA DE TEMER A DILMA: “AS PALAVRAS VOAM, OS ESCRITOS PERMANECEM”





 
Michel Temer, vice-presidente do Brasil, em imagem de arquivo. / ANDERSON RIEDEL (VICE PR)


O vice- presidente Michel Temer (PMDB) abandonou um dos seus traços mais característicos, a discrição, para expor a fratura do Governo Dilma em plena crise do impeachment por meio de uma explosiva carta. “As palavras voam, os escritos permanecem”, é com essa frase, em latim, que Temer começa o texto no qual demonstra sua insatisfação com o Governo, no qual é vice há cinco anos. Dirigido à presidenta em caráter privado, o documento era para ser um duro desabafo entre um aliado e a chefe de Estado. Mas o intencional vazamento à imprensa dos “escritos” e as entrelinhas da carta demonstraram um claro rompimento entre ambos no momento em que a gestão petista se prepara para enfrentar no Congresso Nacional uma batalha contra o impeachment.
A carta, de 901 palavras e datada de 7 de dezembro, só reforça os sinais que já vinham sendo demonstrados dia-a-dia. Do discurso de que era necessário “unificar o país” à demissão de ministros próximos a Temer – primeiro Edinho Araújo, durante a reforma ministerial, e depois Eliseu Padilha, na segunda-feira passada. Da entrega de cargos a um PMDB rachado à ausência do vice-presidente nos discursos e reuniões mais importantes para o Governo. Isso sem falar no programa do PMDB, “Uma Ponte para o Futuro”, feito sob a batuta de Temer e que critica a política econômica e ignora os avanços sociais.
“Em algum momento o rompimento aconteceria. Não há quem aguente ser deixado de lado o tempo inteiro. Nem o Michel, que é um poço de tranquilidade”, afirmou um deputado próximo ao vice-presidente.
No documento enviado a Dilma, Temer jogou por terra a discrição que costumava ter. Disse que o Governo menosprezava a ele e ao PMDB. Afirmou que no primeiro mandato se sentiu como um vice-presidente decorativo e que perdeu o protagonismo político alcançado em quase 30 anos de vida pública. “Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.
Dois aliados de Temer ouvidos pela reportagem disseram que o documento demonstra que ele está livre para tomar qualquer rumo. Seja o de apenas esperar o cargo “cair no seu colo” ou o de articular com a oposição para obter o impeachment. Na última semana, antes de viajar a São Paulo, Temer se reuniu com cinco senadores oposicionistas e disse que estaria aberto a conversas com todos os setores da sociedade. Algo que ele admite no documento entregue à Dilma Rousseff e diz que isso ajudou o Governo nos momentos necessários. “Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento”.
Ser deixado de lado pelo Governo não irritou mais Temer do que declarações atribuídas a ele por ministros de Rousseff. Na quinta-feira passada os ministros Edinho Silva, da secretaria de Comunicação, e Jaques Wagner, da Casa Civil, disseram que após uma reunião com a presidenta, o vice teria afirmado que não havia respaldo jurídico para o impeachment dela. Era uma tentativa de envolver o vice-presidente na defesa do mandato da petista. No mesmo dia, a assessoria de Temer apressou-se em dizer que ele só aconselhou a presidenta a tratar a questão com caráter institucional, sem ataques a quaisquer partes envolvidas no processo, principalmente a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o presidente da Câmara que aceitou o início da abertura do processo de impeachment de Dilma.
Na noite de segunda-feira, a mesma assessoria do vice-presidente informou que a carta dele para Rousseff não propunha o rompimento entre os partidos (PMDB-PT) nem com o Governo. Se as palavras ditas voam, as escritas deram sinais de que, muito provavelmente, Rousseff não poderá contar com o seu vice nessa guerra política.
A carta vem a público no mesmo dia em que a Comissão de Impeachment não conseguiu ser formada por uma clara divisão do PMDB sobre o apoio à saída de Rousseff da presidência. Como presidente do partido, Temer escancara a posição incômoda em que se encontra e pode influenciar votos de indecisos da legenda a apoiar o impedimento da presidenta na nova reunião para formar a Comissão na tarde desta terça. Seu gesto é celebrado pelos que estão a favor do desfecho da crise política através da saída da presidenta, mas já suscita adjetivos incômodos ao vice, que está sendo chamado de “amigo da onça” por alguns. Na manhã desta segunda, o cientista político Cláudio Couto já tinha uma leitura política que expôs em sua página no Facebook: “Parecia que o Frank Underwood era o Cunha. Mas que nada! É o Temer!”.


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