terça-feira, 29 de dezembro de 2015

COMO FAZER UM PUDIM DE PADARIA E A HISTÓRIA REVELADA DE HELÔ BEM COMIDA


Por Helô Sampaio 
A autora é jornalista, colunista da Tribuna da Bahia
Helô Sampaio, ao lado de uma linotipo, máquina de composição
tipográfica, na sede de A Tarde


A vida é um misto de dias de alegria, de trabalho, aconchego, aporrinhação, sedução e até de dores. O povo da minha terra dizia que ‘não há bem que sempre dure nem mal que nunca termine’. Sábias palavras. Pena que nós, humanos, somos normalmente egoístas e nunca ligamos para a sapiência do nosso povo.
Nem ligamos para a beleza da vida. Você já prestou atenção na beleza daquele coqueiral do Jardim de Alah? Ou já, num final de tarde, passou pela orla, sem pressa, observando os diferentes tons de cores das águas, ou a suavidade ou força das ondas?
Já percebeu como as margaridinhas amarelas conseguem sobreviver - e nos deslumbrar com a sua singela beleza nos canteiros das pistas de rolamento –, mesmo com tanta poluição sobre elas?
Já olhou por alguns minutinhos as piruetas dos beija-flores ou os desenhos engraçados feitos pelas nuvens? Já parou o trabalho um pouquinho para apreciar o pôr do sol?
Não. A gente não tem tempo para estas bobagens. Temos que dar conta do trabalho, da conta do mercado, da família e das obrigações. Essas infantilidades são para desocupados ou intelectuais. Não é pra nós, trabalhadores, responsáveis. Imagina só, ficar olhando pôr do sol ou as margaridinhas das beiras de estrada...
Pois é uma pena, meu lindinho, que você não tenha tempo para ver essas delicadezas que a Natureza lhe presenteia, sem cobrar nada; que não consiga ver, quando abre a sua janela, os diferentes tons de azul do céu.
A gente só liga pra isso quando tem que parar por alguma bordoada da vida. A mesma displicência a gente tem no lidar com as pessoas, e nunca se lembra de dizer, ‘eu te amo’, ‘você é maravilhoso’, ou ‘é muito bom ser seu amigo’. Quase que só fazemos isso quando perdemos a pessoa.
Ainda bem que eu sempre beijava muito meus pais (devia ser uma chatice essa ‘beijação’ toda), beijo os meus amigos e digo sempre que eu os amo muito. Desde pequena sempre fui melosa, carinhosa e chorona.
Eu aprendi a dar valor às coisas muito cedo: pouco antes de completar 20 anos, sofri um acidente grave, junto com minha irmã e primos. Tive fraturas múltiplas no quadril, femur e nas pernas quando um irresponsável entrou na contramão e bateu no carro em que eu estava. Fui arremessada para longe, para os pés do Cristo, na Barra. Após cirurgias, fui engessada e fiquei na cama por quase cinco meses, com apenas o privilégio de ver, pela janela, algumas nuvens e os muitos fios de um poste, que eu contava todos os dias. Isso, no apogeu, no verdor dos vinte anos.
Ano passado, 2014, foi ano muito duro pra mim: fiquei praticamente o segundo semestre todo no Hospital da Bahia, e não fosse a perícia do Dr. Eduardo Napoli, guiado pelas mãos de Deus, eu não estaria agora contando ‘abobrinhas’ para vocês. Após cada uma das três cirurgias a que me submeti, eu só pedia que me pusessem em um apartamento que tivesse vista para as nuvens. Era pra poder falar com Deus.
Meses atrás, eu fui ao Bonfim para a missa de centenário de nascimento do Dr. Jorge Calmon, que foi um pai profissional para mim. Eu ainda fazia a faculdade, quando fui estagiar em A Tarde, na Praça Castro Alves. E logo comecei a querer mudar algumas coisas. Eu era dublê de repórter e diagramadora. Com o ‘rebuliço’ que eu fazia, Dr. Jorge passou a observar o meu trabalho. E talvez achar interessante as minhas intromissões. Nos embates, ele ouvia os dois lados e... me apoiava. Aí, diziam que eu era a ‘cria’, a 'protegida' dele. E acho que era, sim, com muita honra.
Lá, na sede velha da Praça, trabalhávamos com a linotipo, máquina que compunha linha por linha, no chumbo. Era um trabalho difícil para a diagramação, pois limitava muito a criatividade. A gente tinha que fazer milagre para produzir uma boa página. Mas depois do trabalho, cansados, a gente ia 'tomar uma' no Cacique ou Varandá; ou ia comer alguma coisa no Ocê Que Sabe, do amigo Jaime ou no restaurante de Ruy, na Ladeira da Praça. E enquanto virávamos a 'loirésima gelada', dávamos muitas risadas contando os ‘causos’ de redação. Eu era a única mulher da ‘tchurma’. Era a ‘foquinha’ amadinha dos veteranos.
Em 1975, mudamos da Praça Castro Alves para a Avenida Paralela, a zona nova da cidade, que começava a ser ‘habitada’. A rodoviária estava recém-inaugurada e o Iguatemi em conclusão. Enquanto trabalhávamos ou tomávamos algumas geladas em Mestre Guma, víamos subir os grandes ‘prediões’. Em 76, comecei minha vida como professora da Universidade Federal da Bahia, inicialmente no Vale do Canela e depois em Ondina. A vida era corrida!
Já em 96, resolvi fazer um livro com as crônicas que eu escrevia semanalmente para o Caderno Lazer e Informação. A editora, Regina Zobiak, selecionou os artigos e fez um monte de sugestões para o título. Eu escolhi ‘Bem Comida – Crônicas e Delícias da Bahia’. E fui a Dr. Jorge pedir-lhe para fazer a apresentação. Ah! Ele gostou muito por eu tê-lo escolhido. Eu sei que ele gostava muito de mim. Conversa vai, conversa vem, ele me pergunta qual seria o título do livro.
- ‘Bem Comida’, Dr. Jorge...
- Bem Comida? O livro de uma professora da Universidade Federal da Bahia? Você acha que fica bem esse título?
- Dr. Jorge, a Helô, professora universitária nem sabe desse livro. A ‘tadinha’ está lá, cuidando dos seus aluninhos, das suas ‘paicas’. Esse livro é coisa só da jornalista, boêmia e gozadora. 
Ouvi quando ele falou baixinho: “Essa Heloísa não toma jeito, mesmo”. E fez uma apresentação bem carinhosa para a ‘pimpolhinha’ dele. Sinto muito a sua falta, pois o amava e admirava muito. E sempre digo que ele contribuiu muito para o Jornalismo com a sua correção, seriedade e competência.
O livro teve mais um ‘babado’ engraçado. A capa deveria ter o título e o subtítulo no alto e, no pé da página, viria o meu nome. Sabem como Gentil, meu queridíssimo amigo, finalizou? Colocou em cima o ‘Helô Sampaio’, logo abaixo o ‘Bem Comida’, seguido de uma caricatura minha nuinha e sedutora, num tabuleiro de baiana. No pé da página foi que veio o ‘Crônicas e Delícias da Bahia’. Como é que pode, meu? Dei dois pulos. Fui atrás de Gentil. Quer dizer que ‘Helô’ é que passou a ser a ‘bem comida’ e não a Bahia? É isso mesmo? E lhe enchi de beijos, feliz da vida. Amei a mudança; adorei a sugestão safadinha do meu querido chargista. E foi assim que o livro saiu. Fala sério, não ficou legal?
Em comemoração ao centenário do Dr. Jorge, conversei com a editora Regina Zobiak, que já está toda animada e começando a organizar um novo livro (quero ver o que é que Gentil vai aprontar desta vez). Enquanto ela seleciona as crônicas que irão lhe divertir, meu amadinho, vamos saborear este delicioso ‘pudim de padaria’ que Regina fez para nós. É receita do Mauro Rebelo.

Pudim de padaria
Ingredientes
-- 3 ovos
-- 8 colheres de sopa de açúcar
-- 4 colheres de farinha de trigo
-- 1/2 litro de leite fervendo. 
Para a calda
-- 1 xícara de açúcar e água.
Modo de Preparo
-- Acender o forno no máximo e colocar lá dentro uma forma com uns dois dedos de água fria e verificar se a forma do pudim cabe lá dentro;
-- Colocar o açúcar na panela, juntar 1 xícara de café de água, mexer bem para dissolver o melhor possível o açúcar e levar ao fogo. Não mexer mais com a colher;
-- Quando a calda estiver de um dourado escuro, tirar do fogo e, com o auxílio de uma colher, caramelizar a forma de pudim, isto é, espalhar a calda em toda a forma, sem esquecer o cone central. Reservar;
-- Colocar no liquidificador os ovos e o açúcar e bater por 5 minutos, até que esteja bem fofo e claro;
-- Juntar a farinha de trigo, colher por colher, sempre batendo e o leite fervendo, aos poucos. Continuar batendo por mais uns dois minutos;
-- Despejar a massa obtida, quase líquida, na forma caramelizada e levar ao forno, colocando dentro da forma que estará com a água fervendo;
-- Deixar por 50 minutos ou uma hora, até que esteja bem dourado;
-- Retirar ainda quente, para que a calda não se solidifique, e saborear lembrando bons tempos que temos na vida.

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