Ciência/saúde pública
ato de cruzar as
pernas já foi associado a condições como pressão alta, varizes e danos aos
nervos
Como se sentar em uma cadeira? Muitas
pessoas cruzam uma perna sobre a outra. Nos anos 80, o comediante britânico
Kenny Everett até fez do hábito a marca registrada de sua rotina – ele cruzava
e descruzava de forma extravagante as pernas enquanto vestido em uma saia e
saltos altos.
Outras
pessoas não cruzam as pernas e preferem deixá-las espaçadas, o que não é muito
confortável para quem está ao lado no transporte público. Eles fazem parte dos
que acreditam que cruzar as pernas pode fazer mal – o que, aliás, foi até tema
de uma grande campanha publicitária nos Estados Unidos em 1999.
Mas
é verdade? A lista de possíveis consequências para longos períodos de pernas
cruzadas inclui a possibilidade de aumento da pressão sanguínea, varizes e
mesmo danos ao nervos. Mas todos esses itens merecem uma avaliação mais
detalhada.
Articulações
É
verdade que passar muito tempo na mesma posição fará com que sua perna ou pé
fique dormente. Isso porque cruzar as pernas coloca pressão sobe o nervo
peroneal, que fica atrás dos joelhos e “anima” a parte inferior das pernas e os
pés. Mas mesmo que ocorra o formigamento, ele é apenas temporário.
Manter
uma mesma postura por muitas horas, porém, pode levar a uma condição chamada
paralisia nervosa peroneal e no chamado “pé caído” - a impossibilidade de
levantar a parte frontal do pé e os dedões. Mas um estudo na Coreia do Sul que
examinou pacientes não identificou entre as causas do problema o ato de
sentar-se em uma cadeira com um joelho sobre outro.
Mas
sentar-se no chão com as pernas cruzadas, sim. Na verdade, a dormência
prolongada é uma consequência improvável de cruzar as pernas porque tendemos a
nos mexer assim que nos sentimos desconfortáveis.
E
a pressão sanguínea? Quando vamos ao médico, somos orientados a repousar nosso
braço em uma cadeira ou mesa e a descruzar nossas pernas, colocando os dois pés
no chão. Isso para evitar que a perna cruzada influencie uma leitura falsa, já
que o cruzamento pode elevar a pressão. Uma série de estudos comprovam que
cruzar as pernas realmente eleva a pressão, mas um outro mostrou que não há diferença.
Muito
desses estudos, porém, foram pequenos e se fiaram apenas em uma medição da
pressão. Já pesquisadores na Turquia fizeram um programa de testes em que
várias tomadas de pressão foram feitas em pacientes com pernas cruzadas e
descruzadas.
Uma
vez mais, os maiores valores foram vistos com as pernas cruzadas, mas os
resultados de checagens feitas minutos após descruzar as pernas mostraram que a
pressão arterial havia voltado ao normal. E que o maior aumento de pressão
tinha se registrado entre pessoas que já tinham pressão alta.
'Malhação'
Há
duas teorias para explicar o aumento: uma é que cruzar as pernas envia de volta
sangue para o peito, resultando em uma maior quantidade de sangue bombeada pelo
coração.
A
outra é que o aumento ocorre porque o cruzamento resulta em um tipo de
exercício isométrico, em que as juntas não se movem, e que aumenta a
resistência à passagem do sangue. Isso pode explicar por que cruzar as pernas
na altura dos tornozelos não tem o mesmo efeito.
Para
tentar encontrar uma explicação, uma outra pesquisa, dessa vez na Holanda,
tomou uma série de medidas fisiológicas dos pacientes. Os cientistas
descobriram que a resistência nos vasos sanguíneos não aumentou quando
batimentos cardíacos eram baixos e as pernas estavam cruzadas, mas que o mesmo
não ocorreu com a quantidade de sangue deixando o coração. Isso sugeriu que o
aumento na pressão sanguínea se devia ao fato de que o cruzamento de pernas
enviava sangue de volta para o coração.
Então,
cruzar as pernas parece resultar em um aumento temporário de pressão sanguínea,
mas não há evidencias de consequências a longo prazo, com uma única exceção: pessoas
com risco de desenvolver coágulos sanguíneos são aconselhadas a não cruzar as
pernas por longos períodos porque, para elas, as alterações no fluxo sanguíneo
aumentam o risco de trombose.
E
o caso das varizes? O problema aqui é que ainda é um mistério a razão pela qual
algumas pessoas sofrem de varizes e outras, não.
Pequenas
válvulas nos vasos sanguíneos previnem que o sangue flua na direção contrária,
mas se essas válvulas são esticadas e enfraquecidas o sangue pode formar
“poças”, resultando em veias alargadas.
Ainda
não está claro se cruzar as pernas é um fator determinante nesse processo. A
formação de varizes ainda parece mais determinada pela genética.
Bem,
se veias, pressão sanguínea e nervos não são afetados a longo prazo pelo
cruzamento de pernas, qual é o impacto nas juntas?
Um
estudo descobriu que pessoas que sentam com as pernas cruzadas mais de três
horas por dia tendem mais a se curvar para a frente e forçar os ombros. Mas as
pesquisas foram feitas de acordo com as estimativas próprias de quanto tempo as
pessoas passavam sentadas.
Estudos
mais recentes descobriram que, se pessoas são instruídas a sentar com as costas
eretas enquanto cruzam as pernas, os problemas estruturais eram compensados.
Se
isso funciona quando não há alguém supervisionando é outra história. A
propósito: quase o dobro das pessoas cruzam a perna direita sobre a esquerda em
vez da esquerda sobre a direita.
E
há quem defenda que cruzar as pernas é uma espécie de malhação. Pesquisadores
do University Medical Centre, em Roterdã, descobriram que cruzar as pernas
sobre os joelhos aumentou o alongamento do músculo piriforme, o que contribuiu
para a estabilidade da região pélvica.
Ou
seja: quem cruzar as pernas como Kenny Everett não vai sofrer danos, desde que
não permaneça na mesma posição até que as pernas fiquem dormentes. E quem
estiver sentado a seu lado no ônibus ou no trem ficará agradecido.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future
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