quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

MEU PÉ DE LARANJA LIMA: UMA PÉROLA SOBRE AMIZADE E PERDA NO CINEMA BRASILEIRO

Livro/Cinema




Publicado por Lucas Lima
é Licenciado em Filosofia, estudioso nas áreas de Ética Contemporânea e Medieval e Estética.

O filme brasileiro Meu Pé de Laranja Lima levou dez anos para ser concluído, adaptado do livro de José Mauro de Vasconcelos, publicado há 45 anos, até a obra que temos diante de nós. Traduzido em mais de 32 línguas e publicado em mais de 20 países, o livro Meu Pé de Laranja Lima vendeu mais de seis milhões de exemplares no Brasil e no mundo, sendo ainda editado. Certamente o filme vem para levar o pequeno Zezé a um público ainda maior.



Creio que nos resta admirar essa linda obra, que além de lágrimas, nos arranca sorrisos ante cada traquinagem de Zezé, ou suspiros só de pensar em uma amizade tão fraterna quanto a do garoto com o "Portuga" Manoel.


Ao mesmo tempo que mostra a singela simplicidade da vida de um garoto de sete anos no interior de Minas Gerais, o filme nos brinda com uma fotografia de encher os olhos. O clima inicial cinza azulado, quase soturno, que mostra a dura realidade da pobreza da família do garoto, transmuta-se em cores mais quentes conforme somos apresentados ao "mundo de Zezé (João Guilherme Ávila), e à inusitada amizade que ele estabeleceu com o "Portuga" Manoel (José de Abreu). Vemos em "Meu Pé", objetos de nossa infância e cenários dela, tais quais o Sino da Escola, o Riacho, a Ponte, o trem e seus trilhos, assumirem identidade e ornarem-se de sentido, no universo interno do menino, assim como boa parte de nós fez na infância.


Bonito quando mostra o "avião" do garoto feito no chão, com asas de folha de bananeira, quando o guri entrega ao irmão o passarinho que cantava dentro dele, como presente pelo irmão ser "a pessoa mais linda do mundo", ou ainda com a professora, possivelmente, solitária que se sente feliz com os gestos de gentileza de Zezé. Emocionante e comovente quando mostra a amizade pura e libertadora entre Zezé e o também solitário Portuga. Ambos têm um mundo interno paralelo à vida cotidiana, e essa amizade faz os dois mundos se encontrarem, e desse encontro nasce algo de beleza ímpar, Meu Pé de Laranja Lima é também um filme duro.





Duro quando mostra uma família devastada pela pobreza e pelo desemprego de um pai que se torna alcoólatra, quando mostra uma mãe trabalhadora definhando de hérnia, quando mostra Zezé sendo obrigado a "riscar" pessoas de sua vida por conta da morte ou das ocorrências do dia a dia.
Mais duro ainda pela tentativa de um meio pobre e hostil, de sufocar o brilho de uma alma sensível e precoce, pelas inúmeras surras dadas pelo pai de Zezé que surrava a si mesmo pela sua miserabilidade à cada vez que batia no filho e pelo vilão "trem Mangaratiba" que ceifou a vida do amigo querido do menino.


A vida, certamente, nos traz no cotidiano, exemplos de inúmeros garotos pobres, com dilemas e problemas tão complexos quanto os do personagem do filme e do livro, ou com histórias de vida ainda mais comoventes. Mas o cinema muitas vezes nos mostra o fantástico, o supra-humano, o sub-humano, quando não o abstrato. Meu Pé de Laranja Lima não, ele fala da vida. Essa bela obra nos mostra o Brasil e o brasileiro em sua face mais frequente, em uma de suas verdadeiras faces. Isso sem abrir mão da beleza e uma boa dose de lirismo.


Mas Zezé cresce. E no fim consegue superar toda a dor e medo que permearam sua vida, e em um segundo gesto de libertação (o primeiro foi o de desistir de matar o então inimigo Portuga e se dar a chance de ver a vida com outros olhos) ele pinta bigodes na foto presente no túmulo de Manoel e sai sorrindo. A vida lhe deu outra chance.



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