sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

CARLOS DRUMOND DE ANDRADE E A SOLIDARIEDADE DO POETA

Literatura/poesia


Publicado por CLEÂNE ALVES

A consciência da existência de outros seres humanos na terra pode ter sido uma fonte de inspiração e um caminho criativo para Drummond, que exteriorizou sua poética solidária e atenta ao espaço, ao tempo, ao ser...

"... não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. 
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, 
a vida presente."





Mineiro, nascido em Itabira, no ano de 1902, Carlos Drummond de Andrade é considerado um dos principais poetas da literatura brasileira do século XX. Trabalhou por muitos anos como funcionário público. Sua vasta obra é classificada pela crítica em três fases: a “irônica”, a “social” e a “metafísica”, mas a obra de Drummond vai muito além de classificação, principalmente, ao se observar a força da passagem do tempo em sua trajetória de produção textual.

O poeta, num dado momento, parece observar a realidade sem floreios românticos, certo da necessidade de viver com aquilo que vê sem encontrar espaços para fugas em paisagens ou paraísos. Por isso afirma:

"Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não contarei o mundo futuro.

Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem da janela.

Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicidas."

Drummond, ao mesmo tempo em que demonstra certa angústia consola seus irmãos numa demonstração se esperança que supera a ideia inicial dos seus versos.

"Consolo na praia
Vamos, não chores
A infância está perdida
Mas a vida não se perdeu
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras
Em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas e o humor?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
Murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
Precipitar-te de vez nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho."

É um poeta que de tão sensível atinge a razão de forma objetiva, negando por vezes as idealizações destoadas do espaço e do tempo em que vive e observa. Diz ele:

"No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Por que fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei."


O amor também aparece em sua produção, no poema quadrilha, no entanto, a abordagem atinge uma comicidade, justamente porque o leitor nota como a ideia do texto é possível de acontecer no cotidiano, não é um amor que tem final feliz. É amor que brinca, que recusa, que nega. E se mostra surpreendente, uma vez que de acordo com a descrição dos fatos pelo eu-lírico, compreende-se o amor não como força sobrenatural e mágica, mas sim como escolha humana. No poema quadrinha:

"João amava Teresa que que amava Raimundo
Que amava Maria que amava Joaquim que amava
Lili que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes Que não tinha entrado na história."

Drummond solidarizando-se com os humanos do seu tempo e criando um grito para além deles diz não desejar caminhar sozinho, nem abandonar seus irmãos... seguir de “mãos dadas”:

"Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história."

Em “poema de sete faces” o poeta diz “mundo, mundo, vasto mundo, mais vasto é meu coração”. Num poema posterior o eu-lírico aparenta ter outra ideia fruto de quem viveu experiências que lhe renderam uma consciência de o que é estar e ser só no mundo, o eu-lírico assume que precisa exteriorizar o seu interior para conseguir se sentir vivendo para se sentir maior. Então afirma:

"Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos."

Além de poesia escreveu contos e crônicas. Dentre suas obras poéticas mais importantes destacam-se: Brejo das Almas, Viola de Bolso, A Vida passada a Limpo, Novos Poemas e Sentimento do Mundo.


Em 1962 Carlos Drummond de Andrade publica sua Antologia Poética, uma reunião de poemas, que foram publicados ao longo da sua vida, elencados em nove partes com base em temáticas definidas pelo próprio Drummond. A Antologia é a seleção de textos publicados desde a estreia até o início da década de 1960. Os universos temáticos são: um eu todo retorcido; uma província: esta; a família que me dei; cantar de amigos; na praça de convites; amar-amaro; poesia contemplada; uma, duas argolinhas; tentativa de exploração e de interpretação do estar-no-mundo.


As temáticas coincidem em muito com as da crítica, quando esta, no futuro, analisa e sintetiza a obra em seus aspectos mais marcantes. Isso demonstra que o autor além de escrever, tinha consciência de seu fazer poético. Carlos Drummond de Andrade faleceu em 1987, no Rio de Janeiro, como toda realidade e toda vida exigem, mas certamente a obra imortaliza sua passagem e ele, tão amante do tempo, consegue seguir com ele conquistando leitores por meio de seu canto poético que parece infindo.


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