Publicado por Profeta do Arauto
“Ler, escrever, fotografar e viajar. Premissas de Um Homem que contrapôs os mandos do Tempo; pois falta-lhe profissão!”
“Viola minha Viola. Êta programa que eu gosto”. Inezita Barroso
Só você não, mas muitos, miríades de brasileiros, sobretudo porque suas digitais ainda estão impregnadas nas cordas vocais do programa.
09-03-2015. Manhã de uma segunda feira de nuvens cinzentas, lúgubres, carrancudas e chorosas; em contrapartida, de céu claro e Deus sorridente e lisonjeiro; afinal de contas, não são todos os dias que o Jardim do Éden recebe visitas ilustres, luzidias e beneméritas em seus aposentos. Por que de toda esta precisão de tempo e cultura literária? Para soprar, conclamar, vociferar, aos cultos, incultos e incautos, aos ouvintes e surdos, aos músicos e apreciadores, aos violeiros de São Paulo, do País e dos quatro cantos do mundo que Ignez Magdalena Aranha de Lima, a simplória Inezita Barroso faleceu. Dona de casa, Bibliotecária, Professora, Violeira, Folclorista e Artista em potencial e abrangência, de uma suavidade e encantadora voz. Predicados e adjetivos não faltam para qualifica-la, mas um deve ser citado para sintetizar tamanha leveza e beleza interior: singeleza celestial.
Inezita viveu noventa anos quase que exclusivamente em pesquisar o hom em do campo e suas desavenças com a terra. Nos seus sentimentos não havia espaço para outro ser, a não ser o caboclo do sertão. Assim que se formou em Biblioteconomia pela USP (Universidade de São Paulo), o que era latente, tornou-se evidente, a ponto de desafiar até a família. Seus pais eram senhores de posse e médicos considerados, influente na capital; enquanto que ela vestia-se como caipira, desafiando inclusive a burguesia Paulistana. Pouca atuante como bibliotecária, ela preferiu dedicar-se a lecionar, e por longo período de sua vida esteve presente nas salas de aula, instruindo, divulgando o folclore Brasileiro, o regionalismo e obviamente, a cultura caipira. Indiferente aos títulos, ela foi doutora na arte de divulgar as raízes de um povo.
Em suas andanças pelo país presenciou de perto a dor e o sofrimento dos matutos de fala mansa, que pousam atrás da orelha o cigarro de palha. No sentido amplo; fora Guimarães Rosa que vivenciou lado a lado os costumes dos povos do cerrado, exceto Paulo Freire que refugiou a Pedagogia dos Oprimidos nos paradeiros da caatinga alfabetizando os matutos; fora os irmãos Vilas Boas que relataram as vivências indígenas de perto; de Chico Mendes que estratificou os costumes dos seringueiros nos seringais e por eles, morreu e outros poucos e raros, ela tenha sido a última e derradeira a exercer o ato de cidadania em nome do povo do sertão Brasileiro.
A “Madrinha”, como foi alcunhada pelos violeiros detinha guardado sob sete chaves, porém de canastras abertas para quem se interessasse um valioso acervo cultural, que indubitavelmente, cobria muitas prateleiras de museus; o qual lhe valeu anos e anos de estrada para obtê-lo. Certa feita, solícita e prestimosa como sempre foi em vida, ofereceu ao Estado como forma de difusão, não de seu trabalho e pesquisa, mas sim da cultura regional, o acervo completo. Porém, como as trevas da ignorância sobrepõem as luzes da sabedoria, o material foi recusado pelos doutos que dominavam o poder na época.
Se existir sentimento de gratidão na relação humana, motivo pelo qual fomos enviados de outra galáxia e racionalmente, não competir por um mísero grão de arroz, da boca de Daniel deve sair pétalas de rosas ao proferir palavras endereçadas à ela. Priorizando os violeiros, seu programa era portas abertas para os músicos iniciantes, alternativos e independentes.
Contudo, Inezita não se fazia rogada e ia tocando em frente, tentando “socializar” o regionalismo brasileiro. Uma luta insólita que travara desde sempre até mesmo dentro da família; afinal, a separação entre os homens começa pelo poder aquisitivo. Em outra ocasião, sua neta chegou em casa com os olhos saltando da órbita e pedindo a mãe (filha de Inezita) para comprar a paramentação, pois celebrariam na escola a típica festa de Halloween. A “Madrinha” interveio imediatamente, dizendo para a neta porque ela não se fantasiava de Jeca Tatu; que se não é bruxo, pelo menos foi o caipira mais aclamado da literatura brasileira. Após as polêmicas dos pós e contras, Inezita deu o veredito que, se ela não fosse fantasiada com algum personagem do folclore brasileiro, não iria com nenhum outro.
O talento para arte bateu-lhe nos ouvidos ainda cedo e enquanto as crianças de sua idade desenvolviam as faculdades psicomotoras com jogos, correria desenfreada, quebrando vidraças, pulando muros de escolas e coisas afins; a “Madrinha” desfolava as pontas dos dedos nas teclas do piano clássico. Para contentar a alma, desafia as cordas, tanto do violão, quanto vocais num sonoro e insólito canto. Descortinava ali, o futuro de uma senhora artista, musicista, apresentadora e pesquisadora do folclore brasileiro, ou "das coisas da terra", como preferia definir o seu trabalho; fato que a condecoraria como a artista que realçava o caráter original das raízes populares e musicais do país.
Amante incondicional da cultura do país, em praticamente todos os programas apresentados, roteiros musicais produzidos, ou programas para outros países, como foi o caso do apresentado no Japão em 1970, obrigatoriamente, no título do projeto devia aparecer a palavra Brasil. Se até os anos de 1980 o Brasil era visto lá fora como país de índios incivilizados, povos desqualificado, economia terceiro-mundista, analfabetos e de caipiras, ela nunca omitiu de ser uma nacionalista brasileira de raízes fincadas na cultura, só e tão somente, regional/sertaneja.
Em 1956 publicou o livro "Roteiro de um violão".
Por fim, desde os anos 80 até o falecimento ela comandou o programa "Viola, Minha Viola", na TV Cultura de São Paulo. E desde os anos 90 fez a apresentação e dirigia o musical folclórico do programa "Estrela da Manhã", da Rádio Cultura AM, de São Paulo.
Fisicamente, materialmente, ela se foi; e de um em um, Deus vai garimpado de volta ao reino, ao aprisco do céu, esses personagens e protagonistas da música, que em vida mostraram notoriedade e presteza para com os povos; portanto, até que o próximo para lá se vá, o céu está jubiloso. Em esfuziante euforia e alegria contagiante.
Daquele dia para todo o sempre, o país acordará com a cultura Brasileira mais órfã do que o dia anterior. Entretanto, os predicados e adjetivos passam, mas os substantivos, os feitos e as boas obras permanecem inalterados para sempre. É o que vale, prende e presta o homem da Terra, à terra. Quem dá mais? Salve, salve ‘Madrinha”; porque sempre haverá um errante terreno que tomará os seus legados como princípios de vida artística.
Roberto Correa talvez seja hoje o seguidor mais fiel dos legados deixados por Inezita. O valor dado à viola é tamanho que ele migrou de professor acadêmico de Física para dedicar-se à pesquisa do folclore regional e tocar viola em noites, com ou sem lua; que fanaticamente, é a paixão dos violeiros e inspiração dos poetas.
Certamente Inezita, as digitais de suas cordas vocais jamais se apagarão das mentes daqueles amantes da verdadeira, pura e genuína música raiz brasileira.
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