Publicado por Profeta do Arauto
O São Francisco, conhecido como o rio da integração nacional, foi homenageado pelo cantor e compositor Xangai com a música "Velho Chico"; artista que quando criança enriqueceu sua cultura nas barrancas do carismático rio, divisa entre Minas Gerais e Bahia. Usando a música de Xangai como subterfúgio, saiba um pouco sobre a história desses e outros anônimos da maioria dos brasileiros.
“Temos muitas canções para serem cantadas à brisa fresca nas noites, com ou sem lua-estrelas; afinal de contas, quem canta, desconhece o sabor da derrota e a dor da morte, espanta! Sou novo; sou velho, sou ancião. Sou Opará; sou brasileiro; sou o São Francisco, o rio da integração”!
Venho das profundezas da serra. Trancafiaram-me nesta canastra de quartzito, mas com esforço extremo, venho à superfície. Para ganhar a liberdade, preciso percolar em ínfimas e apertadas fendas, abrir canalículos no solo e desvendar os mistérios escondidos nestas profundezas. Com estas incomensuráveis e continuadas pelejas aventurosas, venho ao mundo forte, vigoroso, avantajado e robusto. Se comparado à toda extensão em que vou passar - lugares onde torno-me caudaloso, místico e reverenciado pelos ribeirinhos - daqui a poucos metros, despenco de um penhasco absurdo de mais de sessenta metros de queda livre. Sob a ação do vento e ao atingir o solo, deixo as marcas, os respingos e o frescor nos rostos e olhos dos apreciadores. Somente eu, o Velho Chico, para desafiar as leis da Física.
Quase em sua totalidade, o povo brasileiro pouco ou nada conhece os costumes, hábitos e origens de seu povo. São filhos órfãos, perdidos, caídos das mudanças políticas-sociais-culturais, as quais, o país sempre esteve à mercê; com isto, qualquer ‘pancadão’, qualquer enlatado americano, qualquer barulho é apresentável aos ouvintes. Porém, em escassos alvoreceres, um desnaturado nascido sob o signo da alternância entre o raro e o independente se expõe à claridade dos remanescentes e ilustres desconhecidos que teimam em preservar as raízes desmineralizadas que brotam desta terra; que por mais que se queira e fale em maturidade, ainda é embrionária em todos os sentidos.
Eugênio Avelino, artisticamente conhecido como Xangai, (nome da sorveteria de seu pai em Nanuque, Minas Gerais) é um destes que colecionou muitas primaveras no decorrer de seus anos de vida; mas que por mera distração de seus compatriotas, não tem seu trabalho conhecido pela maioria. Ou melhor: não tinha. Seu avô, Avelino, era considerado o pai dos sanfoneiros das cercanias onde moravam e como tal, disciplinara o filho para ser tocador de sanfona. No entanto, embora tenha iniciado estrangulando o fole e apertando as teclas, Xangai rompeu com o legado familiar, optando pelo instrumento de corda. A consolidação artística veio anos mais tarde, quando se juntou ao primo Elomar, que também nutria profundo apreço pela música regional. Por sinal, Xangai, juntamente com Diana Pequeno são considerados os melhores intérpretes das composições de Elomar.
No início da década de 70, o músico deixa o torrão de terra quase seco; os familiares, o aboiar alegre cantado pelos vaqueiros ao entardecer e na tentativa de divulgar seu trabalho, ruma para o Rio de Janeiro.
Visto pela crítica como um músico aglutinador de linguagens do sertão, em 1976, gravou seu primeiro álbum “Acontecivento" pela CBS. Tendo como destaque principal o clássico "Asa branca", de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira; o álbum conta ainda com "Forró de Surubim", "Marcha-rancho" e "Esta mata serenou", e outras.
Letra "Matança" composta por Jatobá, interpretada por Xangai:
Cipó Caboclo tá subindo na virola / Chegou a hora do Pinheiro balançar
Sentir o cheiro do mato, da Imburana / Descansar, morrer de sono na sombra da Barriguda / De nada vale tanto esforço do meu canto
Pra nosso espanto tanta mata haja vão matar / Tal Mata Atlântica e a próxima Amazônica / Arvoredos seculares impossível replantar
Que triste sina teve o Cedro, nosso primo / Desde de menino que eu nem gosto de falar / Depois de tanto sofrimento seu destino
/ Virou tamborete, mesa, cadeira, balcão de bar /
Quem por acaso ouviu falar da Sucupira / Parece até mentira que o Jacarandá / Antes de virar poltrona, porta, armário / Mora no dicionário, vida eterna, milenar
Quem hoje é vivo corre perigo / E os inimigos do verde dá sombra ao ar
Que se respira e a clorofila / Das matas virgens destruídas vão lembrar / Que quando chegar a hora /
É certo que não demora
Não chame Nossa Senhora / Só quem pode nos salvar é
Caviúna, Cerejeira, Baraúna
Imbuia, Pau-d'arco, Solva
Juazeiro e Jatobá
Gonçalo-Alves, Paraíba, Itaúna
Louro, Ipê, Paracaúba
Peroba, Massaranduba
Carvalho, Mogno, Canela, Imbuzeiro
Catuaba, Janaúba, Aroeira, Araria
Pau-Ferro, Angico, Amargoso, Gameleira
Andiroba, Copaíba, Pau-Brasil, Jequitibá
Casca´danta é a primeira queda d´água que despenca de mais de 60m de altura. Foto da parte alta da cachoeira.
Embora sabendo que não tenho a potência e abundância das águas dos mares, sou tão benevolente e levo recreação para muitos, assim como eles. Nas minhas encostas e margens há riquezas infindas e praias doces, onde os inimigos ignoram o ranço do passado e confraternizam o presente e a integração futura. Nas minhas águas não há espaço para separatismos e rancores.
- Saindo de São Roque de Minas, cidade das Gerais, onde sua excelência faz parada?
O projeto de vida daquele que quer ser servidor, não há paradas; por isto sigo sempre em frente, passando por aldeias, vilarejos, cidades e estados. Com cada vivente que cruzo no trajeto que escolhi como sina de vida, deixo a esperança de que a renovação é constante, e a consequência é que dias melhores batem à porta do renovador. Porém, como tudo que inicia, um dia há de ter fim; serpenteando quilômetros de distância, feito cobra, deixo Minas, corto a Bahia, cruzo o Pernambuco, adentro o Sergipe e desmonto a minha enorme cauda no mar das Alagoas.
Foto da parte baixa da cachoeira Casca´danta.
Xangai foi parceiro de vários músicos e compositores renomados, dentre eles destacam-se: Renato Teixeira; Jatobá, Capinan, Helio Contreiras, Juraildes da Cruz, Katia de França, Geraldo Vandré, Chico Cesar e muitos outros.
Em 1985, recebeu o prêmio Chiquinha Gonzaga. No álbum "Cantoria de festa", lançado em 1997, interpretou o "Nós, é jeca mas é joia", de Juraildes da Cruz, que chegou a ser tocada em vários programas de rádio e televisão alternativos; "Serra da Borborema", "Meu cariri", "Rei do sertão" e mais. Este álbum solidificou a carreira do músico, levando-o inclusive a ganhar o Prêmio Sharp de melhor álbum do ano.
Diálogo entre o músico e o misticismo, o qual dominava as águas do rio São Francisco:
- Agradeço pela presteza, principiador de vidas, e voltamos a nos ver nos inúmeros meandros existentes até a foz do rejuvenescido e inspirado novo-velho Chico!
- Perfeito Xangai! Sinta-se desafiado a conhecer o que pertence a Deus; é benévolo aos seres vivos e embora novo, relíquia patrimonial da natureza!
O artista sob a ótica da crítica que o conhece: "Xangai, um cantor, um artista, um menestrel, um dos maiores poucos gatos pingados e tresloucados sonhadores-de-mãos-sangrentas-contrapontas-afiadas inimigas. Remanescentes que teimam guardar a moribunda alma desta terra. Que também vai se atropelando contra a multidão de astros constelados que fulgurantes espargem luz negra dos céus dos que buscam a luz. Lá vai ele recalcitrante e contumaz cavaleiro, perdulário da bem querência que deixa a índole dissoluta de um pobre povo que habita o espaço rico de uma pátria que ainda não nasceu(…)"
Enquanto os demais amigos desbravam as superfícies, criando meandros através dos remos da lei da gravidade teorizada por Isaac Newton; eu também desço serras abaixo, no entanto, no contexto geográfico, subo indo parar no Nordeste. Nordeste, que um dia disseram que era terra de “cabra da peste”. Mas neste evocar regionalista, por onde passo, deixo sorrisos e seres humanos em festa. Eu sou alegria, regionalismo e a fartura de uma vida comezinha, embelezada pela Natureza-mestra!
Exceto as imagens de Xangai, as demais pertencem ao editor do artigo
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