(Anaïs Nin foi uma autora francesa, filha do compositor Joaquín Nin, cubano criado na Espanha e Rosa Culmell y Vigaraud, de origens cubana, francesa e dinamarquesa.)
Publicado por Cláudia Antonelli
Cláudia Antonelli é Especialista em Saúde Mental; Mestre em Psicologia Clínica; Psicanalista em formação. Diplomada em Línguas estrangeiras. E escritora.
Ainda sobre o Dia Internacional da Mulher
Sabemos: “não se nasce mulher – torna-se uma”. Certamente o mesmo vale para o homem. Para o escritor. Para o médico. Para... todos.
Mas há aqueles que parecem levar consigo algo que os faz ser o que são. Como um dom. Como a autora Anaïs Nin* parecia levar, com ela - além do dom de escrever -, o de ser mulher. Que, como todo dom, é misterioso. De onde vem? Por que este dom é seu?
Há várias versões - a mais recorrente fala de um dom divino ou, inato. A Psicanálise também nos dá algumas pistas. As identificações, desde a infância, este intenso jogo cruzado entre nós e os outros, desde pequeninos; entre nós e as figuras que nos cercam - e nos habitam -, dia após dia, estariam no cerne ou na base, deste 'vir a ser' de cada um de nós.
Afinal ao dizer ‘tornar-se mulher’ estou falando em identidade. Em uma identidade possível, em meio às centenas de identidades possíveis, no ser humano. Assim, ao falarmos em identidade humana, estamos falando de um processo. Que se inicia muito possivelmente com estas micro escolhas (na maior parte inconscientes), a todo momento da vida, fazendo-nos tornar, ao largo do tempo, quem somos.
Pequenos parênteses: deixo claro que, falando-se em identidade de gênero (homem/mulher), sabemos que tampouco existe uma maneira de ser. Há muitas. Não há um modelo, um parâmetro, um referencial. Estes – modelos, parâmetros, referenciais – nós elegemos ao longo de nossas vidas.
“Não vemos as coisas como elas são. As vemos como nós somos”. Anaïs Nin
Mas quero falar de uma identidade feminina – esta à qual relaciono Anaïs -, talvez mais interior... mais profunda. Não o visível da superfície. Dos acessórios e dos enfeites que algumas tanto precisamos; das correções (e corretivos), dos coloridos das unhas, da boca e do rosto; o salto alto que nos leva... mais alto talvez. Quero falar de algo ‘de dentro’. O que é isso, que nos torna mulheres?
Não é a maternidade, somente... É também mas não exclusivamente. Não mais que este eterno jogo do que somos, e do que não somos. Uma falta que nos impulsiona... nos assola e nos move, adiante. E faz-nos tentar preencher o vazio, o buraco, a ausência. De tantas maneiras. E talvez por isto, acredito, a criatividade feminina.
As tentativas, de tentarmos sempre, refazer. Fazer e refazer. Não por mera repetição - mas, por recriação: criamos e recriamos. A comida... o trabalho... a relação... a história. A cada vez. A cada vez que necessário. Em boas condições, esta falta que nos impulsiona sempre, a algo mais – nem que seja, à simplicidade.
Anaïs Nin era assim. Foi assim que a conheci, através das páginas de seus livros. Falava disto: deste feminino, que, apesar de irredutível, não é brutal. Age em silêncio. De forma cálida e constante.
Anaïs apaixonava-se e amava. Mais de um homem. “É possível”, ela garantia. Eu acredito. O lugar do amor, em sua alma, era grande ela dizia. O lugar do desejo. O lugar do conto, da criação, da fantasia – os lugares em sua mente. Como um dom, que lhe vinha de dentro.
Eu andava pelo mercado de pulgas de Genebra aquele dia. Haviam lançado o filme “Henry e June” (para quem gosta de escritas e escritores, recomendo fortemente!) pouco tempo atrás: retratava a história de um dos livros de Anaïs, sobre seu (real e passional) encontro com o escritor americano, Henry Miller, em Paris.
Andava quando, avistando à distância numa banca de livros usados um volume rosa claro, reconheci sua foto na capa. Não era uma edição de bolso. Era uma edição antiga, grande. Era em realidade, a primeira edição europeia dos Diários de Anaïs Nin. Foi esta a primeira vez que entrei em contato com sua escrita. A primeira de tantas outras.
Sua vida foi polêmica. Suposta e secretamente bígama ao longo de muitos anos - sem contar os amantes. Escreveu sobre o Incesto em forma de prosa e vendeu livros de forte cunho erótico/sensual. Um deles (um de seus diários) aguardou sua decisão de que fosse publicado somente após a morte de seu marido. Por cuidado, por amor.
“Eu adio a morte ao viver, ao sofrer, ao errar, ao arriscar, ao dar, ao perder” Anaïs Nin
Seu rosto, sua escrita, sua maneira de ser, atiçavam a curiosidade. Quem era, afinal, a mulher, a escritora, Anaïs Nin? Ela se revelava, ao mesmo tempo em que se ocultava. Seu ser feminino era assim. Se encolhia e se expandia, à medida de sua coragem – que não foi pouca. Suas palestras nas universidades americanas (ao final de sua vida) costumavam lotar.
Muitas biografias foram publicadas a seu respeito. Nenhuma, a meu ver, completa. Nenhuma biografia afinal poderia ‘completar’ toda a vida de um ser humano. Quanto mais, de uma escritora como Anaïs Nin. Ou melhor dizendo – de uma mulher, como Anaïs Nin.
“(...) Tudo bem se uma mulher for, acima de tudo, humana. Eu sou uma mulher, antes de tudo” Anaïs Nin
Desconfio que a mulher, a escritora, e o ser humano Anaïs Nin, eram indissociáveis. Ela era tudo isto, e era também o que não sabemos. Acho que não sabemos quase nada, afinal, sobre ela. “Under a glass Bell” foi o título de um de seus livros, um dos primeiros. O título é propício: sob uma redoma de vidro. O que é que há, sob uma redoma de vidro? Aparência de transparência... Mas há algo que ressoa lá dentro, ou, algo que se guarda, se protege. Esta é Anaïs.
Atualmente, alguns alegam que, até mesmo seus diários – tidos como os mais fortes e mais sinceros de seus textos - mentiam. Eu não duvido. Não duvido de Anaïs Nin.
“Apropriar-se de conhecimento não mata o sentido da dúvida e do mistério. Há sempre mais mistério”. Anaïs Nin
*Anaïs Nin (21 de fevereiro de 1903, Neuilly, próximo a Paris - 14 de janeiro de 1977, Los Angeles) batizada Angela Anaïs Juana Antolina Rosa Edelmira Nin y Culmell, foi uma autora nascida na França, filha do compositor Joaquin Nin, cubano criado na Espanha e Rosa Culmell y Vigaraud,de origens cubana, francesa e dinamarquesa. Anaïs Nin tornou-se famosa pela publicação de diários pessoais, que medem um período de quarenta anos, começando quando tinha doze anos. Foi amante de Henry Miller e só permitiu que seus diários fossem publicados após a morte de seu marido Hugh Guiler. Seus romances e narrativas, impregnados de conteúdo erótico, foram profundamente influenciados pela obra de James Joyce e pela psicanálise. Dentre suas obras destaca-se Delta de Vênus (1977), traduzido para todas as línguas ocidentais, aclamado pela crítica americana e europeia. Foi realizado no cinema em 1990 um filme, Henry & June, dirigido por Philip Kaufman, sobre o período em que Anaïs Nin conheceu Henry Miller. Nele Anaïs Nin é interpretada pela atriz portuguesa Maria de Medeiros (fonte: Wikipedia).
“A vida encolhe ou se expande à medida da nossa coragem” – Anaïs Nin
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