Philip BallDa BBC Earth
Parque no sul da Escócia recuperou terreno abandonado antes ocupado por mina de carvão
No ano passado, tive a oportunidade de ver o Universo se abrir diante de mim. Eu estava em Crawick, no sul da Escócia, a cerca de 80 quilômetros de Glasgow. Apesar de estar no mês de junho (verão no hemisfério Norte), o Universo era chuvoso e frio. Mas é um passeio que eu recomendo. Só não se esqueça de levar galochas.
O Crawick Multiverse não é uma fenda no espaço-tempo, mas sim uma espécie de parque criado pelo paisagista e designer americano Charles Jencks. Construído sobre os entulhos de um antiga mina de carvão, o espaço de 220 mil metros quadrados é um projeto ambicioso que, ao mesmo tempo, faz referências a monumentos do período neolítico e às teorias da cosmologia moderna.
Há toda a sorte de objetos estranhos a explorar: montes artificiais com acessos em espiral, lagos em formas de meia-lua, inscrições secretas, pequenos anfiteatros e câmaras sepulcrais.
Mas mais do que um estranho sistema de terraplanagem, o Crawick Multiverse é uma representação das nossas atuais ideias sobre o Universo – e sobre possíveis outros universos que alguns cientistas dizem existir mas que nós não conseguimos enxergar, o chamado multiverso.
Marca registrada
Em sua casa, Jencks criou pátios que refletem os rachas no espaço-tempo
Jencks está habituado a fazer obras de grande porte e que chamam a atenção por sua originalidade.
Radicado na Escócia há várias décadas, ele instalou sua casa perto de Dumfries, a cerca de 50 quilômetros de Crawick, bem no meio de um espaço que batizou de Garden of Cosmic Speculation ("Jardim de Especulação Cósmica", em tradução literal).
Trata-se um vasto jardim com pátios ondulados, espelhos d'água e esculturas ornamentais metálicas representam todo tipo de ideia científica.
Os pátios mimetizam as brincadeiras tortuosas que os buracos negros fazem no espaço-tempo, enquanto as esculturas representam as formas helicoidais do DNA e os lagos ilustram os fractais matemáticos.
Jencks também projetou o jardim na frente da Galeria Nacional de Arte Moderna da Escócia, em Edimburgo, uma série de montes em forma de meia-lua e espelhos d'água inspirados pela teoria do caos e "pela maneira como a natureza se organiza", segundo ele.
Ele ainda tem um projeto de paisagismo para a sede da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em francês), o maior laboratório de física de partículas do mundo, localizado perto de Genebra, na Suíça, e que aguarda patrocínio.
'Dilatação eterna'
Projeto se inspira na teoria de que há múltiplos universos sendo gerados o tempo todo
O projeto do Multiverse na Escócia começou quando o duque de Buccleuch e Queensberry – cujos ancestrais remontam ao castelo de Drumlanrig, perto de Crawick – pediu a Jencks para recuperar o local, de sua propriedade. A paisagem era enfeitada por belas montanhas, mas desfigurada pelas pilhas de escombros deixadas pela atividade na mina de carvão a céu aberto.
Quando as obras começaram, em 2012, as escavações revelaram milhares de pedras semienterradas no solo. Jencks as utilizou para criar um panorama de rochas e montanhas esculpidas, organizados de maneira a enquadrar o horizonte e os movimentos do Sol.
"Uma das teorias sobre a pré-História é a de que as civilizações criavam círculos de pedras para emoldurar as montanhas mais distantes e pontos de referência cruciais. Ao mesmo tempo em que meu objetivo era retratar a cosmologia de hoje, tive em mente essa longa tradição de paisagismo", afirma o artista.
O cenário também explora a ideia de que o nosso Universo é apenas um dentre muitos.
Na última década, a tese de que existe uma pluralidade de universos deixou de ser mera especulação vanguardista para se tornar uma possibilidade levada a sério no meio científico.
Uma das principais teorias para o multiverso defende que outros universos estão constantemente sendo gerados em um processo contínuo de "dilatação eterna" – o mesmo que provocou o Big Bang de nosso próprio Universo há 13,7 bilhões de anos.
Equilíbrio ou Deus?
Com sua obra, Jencks, questiona as razões por trás do equilíbrio do Universo
No parque, o multiverso é representado por um pequeno monte cujo acesso é uma espiral ladeada por lajes de lamito. Algumas das enormes pedras estão entalhadas para simbolizar os demais universos que podem estar sendo gerados pela "dilatação eterna" – e onde outras leis da física se aplicam.
Em outro canto, duas colinas espiraladas representam nossa própria Via Láctea e a galáxia mais próxima, Andrômeda, ambas pertencentes a um conjunto de galáxias chamado de Grupo Local.
Jencks afirma que sua intenção era "encarar as questões básicas levantadas por tantos cosmólogos: por que nosso Universo é tão bem equilibrado, de tantas maneiras? O que essa aparente sintonia significa? Podemos expressá-la, torná-la compreensível e palpável?".
A questão da sintonia fina é algo que a maioria dos cosmólogos defende. Segundo eles, se as leis da física mudassem ligeiramente, não haveria estrelas, planetas ou mesmo vida – um argumento que tem sido usado para amparar a existência de um Deus.
O multiverso seria a resposta ateísta. Se ele realmente existe, e se cada universo é regido por um conjunto diferentes de leis, não é necessário que tenha havido um Deus para organizar o Universo à nossa maneira. O que ocorre é que vivemos em uma das versões mais propícias à vida.
Mas o principal objetivo do Crawick Multiverso não é desafiar ou provar a existência de Deus, nem tentar "ensinar" a ciência do universo – mas, sim, devolver um significado a este local desolado pela mineração, usando apenas materiais locais.
Afinal, todas as teorias são provisórias. Muitas delas serão bastante diferentes daqui a 20 anos – assim como as obras de Jencks, quando terão se mesclado com a paisagem à sua volta.
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