segunda-feira, 14 de março de 2016

CONFITEOR

Brasil/Bahia

O autor ao lado do jornalista João Carlos Teixeira Gomes (o pena de aço) 

Por Luiz Calos Facó

Extraído do livro de sua autoria GARIMPANDO LEMBRANÇAS


Depois de viver mais bem mais de dez lustros, fiz uma reflexão profunda em e torno dos meus sentimentos e aquilato que eles permanecem intatos. Imunes a deformações. Vivazes como flores frescas e olorosas. Sem o medo de se estiolarem à mingua de nutrientes, ar e luz. Sobretudo, o maior deles, o amor. O alimento da vida. Não o desregrado que cancera. Tampouco o possesivo que maltrata e sufoca. Mas o sincero que arrebata e paradoxalmente tranquiliza. O que fornece calor, apascenta, socorre, ampara. Aquele que Victor Hugo, no incomparável romance Os Miseráveis diz que “se não houvesse... apagar-se-ia o sol”.



Através dela, também constatei que a minha vida seria um oceano de insipidez, caso não tivesse acumulado, ao longo da existência, todas as lembranças que pude. Mesmo as que foram sufocadas pela poeira levantada durante a longa caminhada que venho percorrendo. Tal qual fazem os devotos numa procissão.

Conhecidos, companheiros, amigos e parentes queridos, meus acompanhantes, não suportando a aridez do terreno, as dificuldades da travessia, os óbices a transpor, muitos derrearam a meio caminho, deixando-me como herança, a recordação dos seu semblantes, a beleza dos seus atos e a grandeza de suas almas.

Nestas reminiscências que fazem chorar, dilacerando o coração pelos espinhos nele dolorosamente cravados, e das felizes, todas regalos, prêmios de uma vida, pedras brutas, impolidas, amontoadas em forma de construção que um dia chegara a ser completada, é que fui buscar inspiração para a maioria das crônicas que escrevi.

Delas, as recordações, jamais me enfastiei. Tenho-as e guardo-as como vício. Agora resolvi descobri-las do manto que as esconde. Sem medo, sem hipocrisia. Sem dissimulação. Para alguns, um edito obrigatório do código da polidez. Não para mim. Desnudo-me e a elas da clausura onde se encontravam. Na certeza de que uma vida, por mais opaca que pareça, contém episódios com brilho próprio que merecem revelações.

Convicto de que a única confissão honesta é a palavra escrita, garimpei as lembranças que pude, não para dar-lhes viço, mas para submetê-las a este tribunal da penitência, constituídos por vocês, amigos leitores, onde pudessem ser julgadas. Porque, só esta congregação soberana, que reúne juízes probos, é capaz de imolar ou perdoar.

Se como eu, todos esses magistrados têm no amor a razão de suas vidas, e nas lembranças, o norte de seus objetivos, minha sentença, espero, será favorável.

Sei que este livro terá dificuldades em extrapolar os contornos provinciais, porque ele só diz da nossa terra, da nossa gente. Muito embora no íntimo, açulado pela vaidade, espere que o fabuloso André Gide, uma das mais altas expressões do mundo das letras, tenha razão ao asseverar que quanto mais uma literatura se revista de aspectos regionais, maior é a sua oportunidade de se projetar e de se tornar universal. Mesmo rodeado por incertezas, amenizadas pelo represamento das esperanças que complementam a minha vida, o entrego com carinho, pois ele foi elaborado com as incendiárias fagulhas da paixão, aos leitores pacientes, resignados que conseguirem, mesmo com sacrifício, concluírem a sua leitura.

Garimpando Lembranças, apesar de escrito da primeira pessoa, não pretende ser biográfico. Trata-se, antes da mais nada, do relato de fatos e impressões que marcaram a vida do autor, sem demérito, assaz comum. Por via de consequência, para alguns, sua leitura será desinteressante. Para muitos, entretanto, vai se constituir em momentos preciosos onde poderão descobrir episódios divertidos e curiosos sobre o cotidiano e hábitos vigentes em décadas passadas e na atual do dia a dia baiano.  



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