Literatura
Colaboração de Fernando Alcoforado*
Muitos
analistas enfatizam sempre a necessidade de que seja realizada reforma política
para reordenar a vida política do País e que seja posto em prática um
planejamento econômico eficaz no Brasil para promover seu desenvolvimento
econômico e social. No entanto, nenhum analista econômico apresenta propostas
no sentido de mudar o “modus-operandi” dos governos federal, estadual e
prefeituras municipais com estruturas organizacionais compatíveis com a
estratégia de desenvolvimento do País. Na história do Brasil, somente o governo
Juscelino Kubitschek tomou a decisão de montar estruturas organizacionais
federais por região de 1955 a 1960 com a implantação das superintendências de
desenvolvimento regional (SUDENE no Nordeste, SUDAM na Amazônia, SUDECO na
região Centro-Oeste e SUDESUL na Região Sul) que contribuíram para
desconcentrar a economia nacional até então fortemente concentrada na região
Sudeste.
Essas
estruturas associadas aos incentivos fiscais para o desenvolvimento do Norte e
Nordeste do País contribuíram para reduzir as disparidades regionais no Brasil.
Essas estruturas e incentivos fiscais foram utilizadas também pelos governos
militares de 1964 a 1985 contribuindo, também, para reduzir as desigualdades
regionais. A partir de 1990, com a introdução do modelo neoliberal no Brasil,
foram demolidas as estruturas regionais e foram levados ao fim os incentivos
fiscais implantados por Juscelino Kubitschek. Houve, desta forma, retrocesso do
governo federal em abandonar uma política de desenvolvimento regional bem
sucedida gerando, em consequência, aumento das disparidades regionais no Brasil
a partir de 1990. Uma das razões pelas quais o Brasil abandonou as políticas de
desenvolvimento regional reside no fato de os governos neoliberais de Fernando
Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff terem
abdicado de planejar a economia nacional a fim de que o mercado atuasse sem
restrições. É evidente que sem plano de desenvolvimento nacional, não pode
haver estratégia de desenvolvimento nacional. Foi isto que aconteceu.
Quem lida
com planejamento estratégico sabe que a estratégia deve sempre preceder a
estrutura. Isto é, após a formulação da estratégia deve ser delineada uma
estrutura organizacional correspondente. Se houver mudança de estratégia, tem
que haver mudança de estrutura. Ao contrário desta formulação, no Brasil, os
governos que se instalam em todos os níveis não mudam a estrutura
governamental. O sucesso de uma empresa e de um governo depende da estratégia e
da estrutura, mas também dos sistemas, estilo, habilidades, pessoas e valores
compartilhados. A estrutura (modo básico pelo qual as diferentes atividades da
empresa são organizadas) é a primeira alavanca; a liderança (necessidade de
estabelecer um estilo efetivo e também o pessoal necessário e habilitado para
executar a estratégia) é a segunda alavanca; e, a cultura (valores
compartilhados que criam as normas de comportamento individual e o tom da
organização) é a terceira. A estratégia e a estrutura são formadas de maneira interdependente,
cada uma influenciando e sendo influenciada pela outra, e que ambas são
condicionadas pelo ambiente onde a organização atua.
Este tipo de
formulação estratégica não tem sido a prática dos diversos governos brasileiros
no passado e no presente. O Estado no Brasil é ineficiente e ineficaz porque os
governantes não fazem planejamento estratégico, não formulam estratégias de
desenvolvimento e não implantam estruturas compatíveis com as estratégias. É
evidente a fragilidade das estruturas organizacionais dos governos federal,
estadual e prefeituras municipais. É flagrante a falta de 2 integração dos
governos federal, estadual e municipal na promoção do desenvolvimento nacional,
regional e local. Associe-se a esse fato a existência de estruturas organizacionais
inadequadas em cada um dos níveis federal, estadual e municipal que
inviabilizam o esforço integrativo nessas instâncias de governo. A falta de
integração das diversas instâncias do Estado é, portanto, total, fazendo com
que a ação do poder público se torne caótica no seu conjunto, gerando, em
consequência, ‘deseconomias’ de toda ordem.
As
estruturas organizacionais do governo em todos os seus níveis no Brasil estão
superadas. É inadmissível que os governos federal, estadual e municipal superponham
esforços, como ainda ocorre hoje em muitos setores, exaurindo os parcos
recursos colocados à sua disposição e não passe a atuar com base em estruturas
regionais nas quais estejam presentes todos os órgãos federais, estaduais e
municipais interessados em seu desenvolvimento. Para solucionar esse problema,
seria necessário fazer com que os governos federal e estadual assumissem
funções normativas e de planejamento global, regional e setorial em bases
integradas, enquanto as prefeituras municipais, órgãos de desenvolvimento
regional e empresas públicas fariam a parte executiva também de forma
articulada.
Esse modelo
de gestão integrada do setor público no Brasil se contraporia ao que prevalece
na atualidade, no qual os governos federal, estadual e municipal são autônomos
nas suas deliberações e ações, e politicamente reativos à ideia de integração.
Para fazer com que as estruturas governamentais atuem de forma integrada é
preciso constituir o denominado Estado em rede. O Estado em Rede pressupõe a
implantação de Estrutura em Rede, ou Organização em Rede, que é um tipo de
macroestrutura organizacional que funcionaria segundo uma lógica de organograma
circular ou em forma de estrela, no centro da qual está a organização
principal, isto é, o governo federal. Abaixo do governo federal estariam os
governos do Estado, as Prefeituras Municipais e empresas públicas. Os objetivos
e os planos operacionais dos componentes da estrutura em rede devem ser
estabelecidos em conjunto por todos os seus integrantes. O funcionamento deste
tipo de organização se apoiaria em modernos sistemas informáticos e de
telecomunicações que permitiriam a gestão e o controle de todos os processos.
Operacionalmente,
os integrantes de uma estrutura em rede se ligariam horizontalmente a todos os
demais, diretamente ou através dos que os cercam. O funcionamento democrático
de uma organização em rede é medido pela real liberdade de circulação de
informações em seu interior e, portanto, pela inexistência de censuras,
controles, hierarquizações ou manipulação nessa circulação. As atuais
possibilidades oferecidas pela informática – na rapidez da comunicação e na
estocagem da informação – podem dar uma extrema eficácia a redes constituídas
com objetivos específicos, assim como lhes assegurar efetivamente plena
liberdade de circulação de informações. Uma rede pode interligar tanto pessoas,
como organizações. A estrutura em rede interligando no planejamento e na
operação órgãos dos governos federal e estadual, de prefeituras municipais e
empresas públicas deve ser a solução para tornar o Estado eficiente e eficaz no
Brasil.
Além de
coordenar as ações de todos os níveis de governo em cada instância regional, a
estrutura em rede possibilitará reduzir os custos de operação do Estado e,
consequentemente, minimizar a carga tributária sobre os contribuintes. Para
realizar uma verdadeira revolução nos processos de trabalho do setor público no
Brasil, torna-se imprescindível, entretanto, reciclar todo o funcionalismo
público, mudar toda a cultura hoje dominante no aparelho de Estado e adotar uma
política de remuneração do trabalho compatível com suas novas
responsabilidades. Quanto às empresas públicas, é preciso que a relação entre
seus dirigentes e os órgãos aos quais se reportam seja baseada em contratos de
gestão. Através desses contratos, as empresas públicas obteriam autonomia
relativa em relação ao Estado e assumiriam o compromisso de perseguir metas
preestabelecidas de eficiência e eficácia. Se não forem bem sucedidos seriam
afastados de seus postos.
Repensar a
reforma do Estado requer, também, uma ruptura com o paradigma ainda dominante
que privilegia o papel da tecnocracia na gestão governamental em detrimento da
manifestação de setores da sociedade civil. Não basta mais e mais concentração
do poder técnico, como ocorre na atualidade. É preciso levar em conta a
dimensão política da reforma do Estado, contemplando a participação de setores
da sociedade civil através de audiências públicas, plebiscitos e referendos nas
tomadas de decisão sobre as questões mais relevantes. A ênfase na política
requer, fundamentalmente, o fortalecimento das conexões do Estado com a
sociedade e com as instituições representativas, expandindo também os
procedimentos de cobrança e de prestação de contas, os meios de controle social
externo, a transparência e a publicização dos atos do governo.
*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de
Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento
Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor
nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros
Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a
Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o
Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento
do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social DevelopmentThe
Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co.
KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no
Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI
(Editora CRV, Curitiba, 2015). Possui blog na Internet
(http://fernando.alcoforado.zip.net).
E-mail: falcoforado@uol.com.br
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