terça-feira, 13 de setembro de 2016

MENSAGEM DE UM JOVEM









Colaboração do desembargador e imortal baiano Raymundo Pinto:
“Um jovem amigo de minha enteada (prefiro, por enquanto, ocultar o nome)) viajou para a Austrália com o propósito inicial de fixar residência lá. Trata-se de um rapaz sensível e ligado à música. Aguentou os seis primeiros. meses e pediu renovação do visto por igual tempo. Parece que agora ele não está mais suportando a saudade. Escreveu - como desabafo, acredito - a mensagem a seguir, que achei muito interessante e submeto à apreciação de vocês.”

 
 Querida geração anterior,


 Não pense que esperamos a sua inteira compreensão, haja vista o fato de nós próprios também não nos entendermos. Aliás, chega uma hora que a gente pega toda a papelada da nossa vida e joga pra cima, como se pudéssemos nos dar o luxo de esquecermos tudo. Bom, é hora de catar um por um e empilhar novamente, mas queríamos talvez explicar algumas coisas.
 
 Somos da turma do hedonismo sim. Queremos arrancar o máximo de emoção e prazer em tudo. Gritamos mais forte, pulamos mais alto e queremos intensidade a quase todo instante. Mas instante talvez seja a palavra que mais nos defina. Tudo é o agora, mas daqui a pouco aquele tudo vai embora (rimou). Precisamos de prazeres rápidos, mas de prazeres a todo momento. É doido isso.
 
Geralmente achamos maravilhosa cada uma das histórias de vida de vocês. Sobretudo quando se trata de vida a dois. É comum conhecermos casais que começaram e construíram a vida juntos, praticamente do zero, na sua geração. Muitos de vocês nem ficaram ricos, mas nos criaram dando o melhor que podiam. A geração da gente aprendeu outra coisa: vamos constituir família apenas quando o momento for propício. Filho, então? Tem que ter dinheiro. E já não é mais estranho encontrar relacionamentos por conveniência, ao invés daqueles por amor e paixão, afinal, crescemos sustentando a maldita ideia de que 'amor não põe comida na mesa'. Aí assistimos de camarote noivados em Dubai, casamentos em Vegas e vazios nos corações, porque Instagram não põe amor na mesa. 

Seguimos desesperados por chegar a um patamar qualquer antes de darmos o próximo passo, como se não pudéssemos ser ousados e ambiciosos o suficiente pra explorarmos o novo - 'vamos dar um jeito juntos, a gente sempre deu'. Em contradição, vira e mexe conhecemos pessoas próximas que viram mães e pais sem querer. Não deixam de passar apertos ou preocupações, mas os criam, não criam? Pois é...
 
Fomos programados também pra consumir todo tipo de curso que pudermos. Quanto maior a especialização for, mais aparente destaque você tem - eu disse aparente mesmo! Se graduou? Faz a pós. Faz inglês? Tenta o Karatê. Se der uma brechinha no tempo e no orçamento, aproveita pra fazer pilates também. Só não me pede pra trocar um registro do chuveiro que queimou. Isso aí já é além da minha capacidade. Não sabemos consertar nada, e aquela gambiarra tão famosa no seu tempo foi substituída por um produto novinho parcelado em 10x sem juros.

Também é assim no amor. Não crescemos aprendendo a consertar as coisas, afinal é menos estressante deixar o defeito pra lá e adquirir o novo em folha, 100%.

Jogamos pessoas fora.

Buscamos prazer nas experiências passageiras bem mais que nos sentimentos. A balada é mais divertida com alguma droga ou bebida bem forte. Somos constantes letras de forró eletrônico e sertanejo, mas eu juro que não queríamos ser nada daquilo porque no fundo achamos tudo aquilo uma grande bobagem. Nossa vontade mesmo era amar alguém que nos amasse. Não sei direito como essa merda toda desandou.

Entendemos também que no passado próximo, saia curta era coisa de puta, brinco era coisa de boiola, tatuagem era coisa de marginal e barba grande era coisa de mendigo. Mas hoje, usamos tudo isso ao mesmo tempo e achamos o máximo. Vocês não entendem isso muito bem - acho que também não entenderíamos o mullet, pigmalião, calça de cós alto e boca de sino.

Querida Geração Anterior, as mulheres de agora estão gozando. Muito! Em sua maioria fazem isso sozinhas, enquanto os homens ainda não conhecem o caminho do clitóris e usam a língua ali como se fosse qualquer coisa parecida com tomar Danoninho sem colher. Um desastre.

Aí você deve pensar que a gente só reclama, né?
 
É! Reclamamos da segunda, reclamamos do salário, reclamamos de sermos adultos e termos vocês nos nossos pés dizendo o que temos que fazer, reclamamos da chuva, do calor, da falta de dinheiro e da demora pra nos tornarmos independentes. Lembra da história que nos contaram sobre a formação e os milhões de cursos? É tudo mentira.

Apesar de tudo isso, aprendemos a viver com tantas variações, tantas informações nos esmurrando de dúvidas e tirando do sério. Aprendemos a viver nas distâncias porque eventualmente nos aproximamos a uma tela de celular e já é suficiente. Conseguimos nos desgarrar do 'aqui' pra virarmos 'de qualquer lugar'. Aprendemos que vários tabus de antes já não são tão tabus assim e que a Xuxa era uma mulher legal, apesar de ser besta. Não sabemos por que vocês se preocupavam tanto com ela.

Agora me deixa em paz, me deixa só, que daqui a pouco eu vou te procurar correndo pra fazer mil perguntas e demonstrar minha fraqueza. A gente desaprendeu a ser fraco, aí quando vem o desespero, já sabe, né?

Faz o favor de apagar a luz antes de sair, mas deixa a porta entreaberta, só por precaução.

Precisamos de vocês.

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