Literatura: artigo
Publicado por Bia Lopes
“É
publicitária e escorpiana, não necessariamente nessa ordem. Coleciono paixões,
as maiores delas pela escrita, música e cinema. Inquieta por natureza e
sonhadora incorrigível. De passagem por este mundo, tentando, aprendendo,
vivendo.”
Há uma linha tênue entre
o uso sadio e proveitoso das redes sociais e o vício. O que acontece é que
muitos de nós não conseguem perceber a diferença e acabam se deixando levar
pelo excesso. Perdeu-se o hábito da apreciação e a nova geração não conhece o
que é fazer uma coisa por vez, aproveitando cada uma, cada momento, vivendo
plenamente cada situação. E o pior: falta paciência.
Nasci nos anos 80. Mais especificamente em
1980. Sou de uma geração em que era preciso paciência. Não tínhamos aparelhos
celulares, telefone era algo escasso para a maioria, precisávamos usar orelhões
e a cada três minutos era necessário inserir uma nova ficha, senão a ligação
caía. Para marcar um encontro era preciso pontualidade. Não havia como avisar
sobre algum possível atraso, porque ninguém sabia o que era internet banda
larga, whatsapp ou messenger. A vida acontecia longe do mundo virtual. E tudo
dava muito certo.
Para ouvir sua música favorita só havia duas
maneiras: ou esperar a rádio tocar (e deixar a fita k-7 no ponto, torcendo pra
que o locutor não tagarelasse antes do fim da canção) ou comprar o LP (ou mesmo
a fita, já que o LP era algo mais caro). Para ouvir o bendito também era
preciso paciência: limpar cuidadosamente o disco, abrir a tampa da vitrola,
inseri-lo com muita cautela para não arranhar e colocar delicadamente a agulha.
Pronto, agora era apreciar alguns minutos de música, até que o lado A
terminasse e você precisasse voltar para repetir o processo – só que agora para
ouvir o lado B. E isso às vezes acontecia mais de uma vez ao dia, com mais de
um disco, dependendo do vício musical ou do nível de fanatismo pela banda.
Para saber as notícias mais recentes era
necessário esperar o telejornal ou correr até a banca e comprar o impresso. Os
assuntos mais esperados e que geravam uma maior discussão viravam matéria de
revistas, algumas campeãs de vendas. Porém, até as mais caras valiam o esforço
financeiro: ler era considerado algo muito prazeroso. Quase todo mundo gostava
e mantinha o hábito, já que isso era cultural. Numa época onde o mundo virtual
não ocupava nosso tempo, ler revistas, hqs, livros e jornais já fazia parte do
cotidiano. Tínhamos tempo e, principalmente, paciência.
Hoje, observando as pessoas que têm agora a
idade que eu tinha na época, não consigo imaginá-las fazendo as mesmas coisas
que eu fazia. Tudo acontece tão rápido e já vem tão pronto que escapou de nós
ensinar a essa geração a arte da espera. Crianças e jovens sofrem de ansiedade,
depressão e doenças psicológicas e emocionais que, acredito eu, sejam resultado
dessa vida atropelada, desses hábitos que acabamos por ensiná-los e permitimos
que os dominem. Há uma linha tênue entre o uso sadio e proveitoso das redes
sociais e o vício. O que acontece é que muitos de nós não conseguem perceber a
diferença e acabam se deixando levar pelo excesso. Perdeu-se o hábito da
apreciação e a nova geração não conhece o que é fazer uma coisa por vez,
aproveitando cada uma, cada momento, vivendo plenamente cada situação. E o
pior: falta paciência.
Sabemos que as coisas mudam e que nada
permanece do mesmo jeito para sempre. É natural que as novas gerações sejam
diferentes, assim como somos diferentes das gerações anteriores às nossas. O
que me preocupa é a maneira como essas mudanças estão interferindo na saúde
mental coletiva, no comportamento social e individual, comprometendo o
equilíbrio, de maneira geral. Estamos diante de seres humanos impacientes,
ansiosos e nervosos, que não se sentem prontos para encarar desafios e não têm
paciência para esperar, seja pelo transporte público, pelo download da série ou
pelo jantar. O celular se tornou um acessório indispensável e não um objeto com
certa utilidade. Costuma-se dar mais atenção a ele do que a uma boa conversa
cara a cara, por exemplo. E não se perdeu só a paciência, mas principalmente o
prazer das pequenas coisas. O prazer de ser livre das amarras virtuais. E meu
grande receio é que, com o tempo, se perca o prazer de viver.
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