Ciência
Observações foram feitas na nebulosa de Carina, centro de formação
de estrelas que se encontra a aproximadamente 7.500 anos luz
Pilares gigantescos que simbolizam, ao mesmo tempo, criação e
destruição.
As recém-descobertas estruturas foram observadas na nebulosa de Carina a
partir de um instrumento instalado no Very Large Telescope (VLT),
localizado no observatório astronômico europeu mais avançado do mundo, no
Paranal, no Deserto do Atacama, no Chile.
Ao contrário dos famosos "pilares da criação" da nebulosa de
Águia, uma das imagens mais icônicas do universo, as estruturas que aparecem
nestas imagens poderiam ser chamadas de "pilares
de destruição", de acordo com o Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla
em inglês).
As torres e pilares que aparecem nas novas imagens da nebulosa de Carina
são enormes nuvens de poeira e gás dentro de um centro de formação de estrelas,
localizado a cerca de 7.500 anos-luz de distância.
Segundo cientistas do ESO, o que observamos nada mais é do que a
colorida nebulosa de Carina "devastada por estrelas brilhantes
próximas".
Milhares de imagens de uma só vez
O VLT é um conjunto de quatro telescópios e vários instrumentos,
incluindo o MUSE (sigla em inglês para Multi Unit Spectroscopy
Explorer), explorador espectroscópico que permitiu obter estas
imagens espetaculares.
Região R18 da nebulosa de Carina: pontos rosa são estrelas que
ainda estão dentro da nuvem e poeira original
O MUSE fornece espectros simultâneos de numerosas regiões adjacentes no
céu. E o que faz dele uma ferramenta tão poderosa é a sua capacidade de gerar
milhares de imagens da nebulosa de uma só vez, cada uma com um comprimento de
onda de luz diferente.
Esse recurso permite aos astrônomos detectar as propriedades químicas e
físicas do material em diferentes partes da nebulosa, explica o ESO.
"Em nossa galáxia, a Via Láctea, novas estrelas ainda estão se
formando. Estas estrelas são formadas a partir de nuvens gigantes de gás e
poeira que, por alguma razão, entram em colapso até que seu interior atinja
temperatura suficiente para ativar o mecanismo de produção de energia: a fusão
de átomos de hidrogênio em átomos de hélio", disse à BBC Miguel
Mass-Hesse, coordenador da rede de transmissão do ESO.
"Algumas dessas estrelas são relativamente pequenas, como o Sol,
mas outras são bem maiores e muito mais brilhantes. À medida que acendem, a luz
emitida por estas estrelas evapora e destrói os restos da nuvem em que elas se
formaram, dissipando o material ao seu redor até deixar uma cavidade
praticamente vazia de gás e poeira. Nestas imagens, podemos ver esse fenômeno
em todo o seu esplendor ", acrescenta.
Pontos cor-de-rosa
A BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, pediu a Mass-Hesse que
explicasse em detalhes o que pode ser observado nas imagens, como a que vemos
acima: a região R18 da nebulosa de Carina.
"Os pontos rosa são estrelas que ainda se encontram dentro da nuvem
de poeira original. A poeira absorve a luz azul, deixando passar apenas o
componente vermelho, daí surge a cor que vemos."
'Pode parecer uma calamidade cósmica, com estrelas maciças
destruindo seus próprios criadores', afirmou o ESO
"É um fenômeno semelhante ao que acontece no entardecer no verão,
em que o sol atravessa a poeira na atmosfera e vemos um tom avermelhado. Em
primeiro plano, podemos ver um 'pilar' de poeira que ainda não foi destruído
(evaporado) por completo. Este é um processo que requer vários milhões de anos
até que se dissipe na região de formação de estrelas. "
"As auras rosa são apenas um efeito de como foram criadas as
imagens e representam uma média de cor dessas estrelas."
"A imagem colorida é obtida pela combinação de imagens de
diferentes regiões obtidas por meio do MUSE. É bastante semelhante ao que seria
a cor natural da região, embora os contrastes sejam acentuados para realçar os
detalhes."
"O MUSE é um instrumento muito sofisticado, capaz de fotografar
áreas extensas do céu, recebendo centenas de imagens em cores diferentes, do
azul ao vermelho. A combinação de registros de distintas regiões nos permite
obter imagens sensacionais, mas, acima de tudo, aprender sobre os processos
físicos que ocorrem nessas zonas"
'Ironia'
No total, foram observados dez pilares e foi possível identificar uma
relação clara entre a radiação emitida por estrelas maciças próximas e as
características dos pilares.
Região R44, na nebulosa de Carina. Após ser formada, estrela
maciça começa a destruir a nuvem em que nasceu
Uma das primeiras consequências da formação de uma estrela maciça é que
ela começa a destruir a nuvem em que nasceu - fenômeno que o ESO descreve como
"ironia".
"A tese de que as estrelas maciças têm um efeito considerável sobre
o ambiente ao seu redor não é nova: sabe-se que estas estrelas lançam uma
enorme quantidade de radiação ionizante (emissão com energia suficiente para
arrancar elétrons de átomos). No entanto, é muito difícil obter evidências da
relação entre essas estrelas e o seu entorno".
Estrelas que destroem seus criadores
A equipe do ESO analisou o efeito dessa radiação de energia nos pilares:
um processo conhecido como foto evaporação, quando o gás é ionizado e depois
dispersado para longe.
A partir da observação dos resultados da foto evaporação - que inclui a
perda de massa dos pilares -, foi possível descobrir a causa.
ESO: 'Há uma clara relação entre a quantidade de radiação
ionizante emitida pelas estrelas próximas e a dissipação dos pilares'
"Houve uma clara relação entre a quantidade de radiação ionizante
emitida por estrelas próximas e a dissipação dos pilares."
De acordo com o ESO, "pode parecer uma calamidade cósmica, com
estrelas de grande massa destruindo seus próprios criadores. No entanto, ainda
não é completamente compreendida a complexidade dos mecanismos de
retroalimentação entre as estrelas e os pilares".
"Pilares da Criação" - imagem da nebulosa de Águia,
obtida pelo telescópio espacial Hubble
Estes pilares podem parecer densos, mas as nuvens de poeira e gás que se
formam na nebulosa são, na verdade, muito difusas.
Para o ESO, "essas estruturas celestes surpreendentes têm muito
mais a dizer, e o MUSE é o instrumento ideal para provar isso".
E o que será que Mass-Hesse vê nessas imagens?
"Estas imagens nos mostram de forma clara como se formam novas
estrelas, a partir de poeira e gás interestelar. Estas partículas de poeira são
formadas dentro de outras estrelas maciças que explodiram como supernovas por
consumir seu combustível nuclear, espalhando suas cinzas ao redor".
"Ao formar novas estrelas, essa poeira interestelar se condensa na
forma de novos planetas rochosos, como a Terra, onde talvez a vida se
desenvolva em um futuro ainda muito distante".
"Ao observar essas imagens que mostram como o sistema solar em que
vivemos foi formado, entendemos por que, literalmente, não somos nada além do
que 'poeira cósmica'."
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