Literária
(OU A ETERNA NOIVA DE OLAVO BILAC)
Publicado por Adriana Caló
"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais,
há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma
compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com
uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde
está, que tem saudades...sei lá de quê!"
(Florbela
Espanca)
Muitos nomes da
literatura de escrita feminina em fins do século XIX e início do século XX são
pouco conhecidos. Isso se dá pela forma com que as mulheres ocupavam um espaço
inferior e privado na sociedade brasileira destes períodos. E, ainda hoje,
existem muitos nomes pouco estudados. Este é um breve artigo sobre Amélia de
Oliveira.
Vimos no artigo Primórdios da Literatura de Escrita Feminina, que em fins do século XIX a maioria das
mulheres que seguiram para o caminho literário pertencia às famílias da elite
brasileira. Suas residências dispunham de uma vasta biblioteca de seus pais e
irmãos ou maridos e, geralmente, tinha um salão em casa onde ocorriam encontros
de intelectuais, poetas e músicos. Como ainda não ocupavam espaços públicos,
restringiam-se aos círculos familiares e amigos, portanto essas reuniões
literárias as estimulavam muito.
Aos poucos, as mulheres frequentadoras dos
salões literários, começaram a escrever seus poemas, contos, crônicas e
romances. Onde esses registros, mesmo que em diários, já demonstravam a
conscientização e crítica à ordem social em que estavam inseridas. Os temas dos
escritos eram relacionados aos sentimentos reprimidos, tais como: amor,
casamento, divórcio, erotismo, etc. Porém, mantinha-os nas gavetas. Segundo
Maria de Lourdes Eleutério (2005, p.18) “para as mulheres da República o sonho
de publicar um livro era um projeto distante, a expressão feminina nesse
período permanece circunscrita ao espaço privado, enfeixada em diários, em
anotações de conselhos úteis, mas também em receituários e mezinhas, material
que enriquecia os cadernos pessoais e animava a correspondência entre amigas.”
Um dos salões mais famosos do Rio de Janeiro,
localizado em Niterói, era o da família Oliveira, casa do poeta Alberto de
Oliveira (1859-1937). Neste contexto quero trazer à luz a poeta Amélia de
Oliveira.
Amélia Mariano de Oliveira nasceu em Palmital
de Saquarema/RJ, em 14 de abril de 1868. Viveu na cidade do Rio de Janeiro,
onde faleceu, em 05 de março de 1945. Ficou conhecida como a eterna noiva de
Olavo Bilac (1865-1918).
Como dito acima, casa de seus pais José
Mariano de Oliveira e Ana Ribeiro de Mendonça, nos últimos anos do século XIX,
era ponto de encontro de literatos. Fazer versos era algo comum entre os
dezessete irmãos Oliveira.
As irmãs ficavam encarregadas de declamar os
poemas dos irmãos e dos demais convidados, tinham cerca de trezentos poemas
decorados. Além disso, as moças tinham até um certo prestígios nas artes:
tocavam piano, cantavam, mostravam suas habilidades com a pintura, artesanato,
mas nunca demonstravam suas próprias criações.
Grandes nomes da poesia e literatura da época
frequentavam estes saraus.
Alberto de Oliveira, Raimundo
Correia e Olavo Bilac (Imagem: Templo Cultural Delfos "Olavo Bilac - o
príncipe dos poetas.")
Olavo Bilac, em 1883, começa a frequentar a
casa dos Oliveira e se apaixona por Amélia, que retribui. Em 1885, iniciaram o
namoro. Essa paixão inspirou boa parte dos sonetos da Via Láctea, composto por
35 sonetos. (Coelho, p.48)
Considerada a mais culta entre os irmãos,
Amélia teve poucos poemas publicados em vida e a maioria com o pseudônimo de
Emília da Paz.
Em uma ocasião Amélia, que escrevia muitos
versos, teve um soneto publicado no Almanaque da Gazeta de Notícias em 1888 e a
reação do noivo marca bastante como as mulheres eram reprimidas na época:
“Minha Amélia (...) Antes de tudo quero
dizer-te que te amo, agora mais do que nunca, que não me sais um minuto do
pensamento, que és minha preocupação eterna, que vivo louco de saudade, (...)
Não me agradou ver um soneto teu (...) desagradou-me a sua publicação. Previ
logo que andava naquilo o dedo do Bernardo ou do Alberto. Tu, criteriosa como
és, não o faria por tua própria vontade (...) Há uma frase de Ramalho Ortigão,
que é uma das maiores verdades que tenho lido: - "O primeiro dever de uma
mulher honesta é não ser conhecida". - Não é uma verdade? (...) há em
Portugal e Brasil cem ou mais mulheres que escrevem. Não há nenhuma delas de
quem não se fale mal, com ou sem razão (...). Não quer isto dizer que não faça
versos, pelo contrário. Quero que os faças, muitos, para teus irmãos, para tuas
amigas, e principalmente para mim, - mas nunca para o público (...) Teu noivo
Olavo Bilac. São
Paulo, 7 de fevereiro 1888" (ELEUTÉRIO. 2005, p.32)
Percebe-se que no século XIX a inserção da
mulher em qualquer área, fora dos padrões das “recatadas donas-de-casa”, era
muito complexa. Apoiado na frase do escritor português Ramalho Ortigão
(1836-1915) "o primeiro dever de uma mulher honesta é não ser
conhecida", há um julgamento pela condição de ser uma mulher honesta.
Obviamente, devemos destacar que no período deste acontecimento as mulheres
ainda estavam sob um sistema patriarcal.
Com a morte do pai, o irmão de Amélia que
assumiu o posto de patriarca da família, impediu o noivado com Olavo Bilac,
alegando que o poeta era muito boêmio para a sua irmã. Ambos sofrearam com essa
decisão, nenhum dos dois se casaram posteriormente e continuaram trocando
poemas de amor.
***
Segundo Elmo Elton (1925-1988), poeta e
pesquisador, "Amélia sofre tôdo aquele estado de cousas, resignada, certa
de que, um dia, realizaria o seu sonho de amor." (1954, p.17). Para saber
mais sobre esse romance, é recomendado o livro “O noivado de Bilac” de Elmo
Elton.
Os anos passaram, sobre a vida amorosa e
sexualidade do poeta Olavo Bilac permeiam diversas possibilidades entre seus
biógrafos, mas a de Amélia ficou estagnada. Mesmo após a morte de Bilac, em
1918, Amélia seguiu em devoção e visitava semanalmente, mesmo idosa, o túmulo
do poeta, no cemitério de São João Batista.
Presciliana Duarte de Almeida (1867 - 1944),
responsável pela revista A Mensageira, que circulou até 1900,
insistiu para que Amélia publicasse seus poemas, mas a mesma sempre recusou,
como foi o pedido do eterno noivo.
Segundo Eleutério (2005, p.39), “todos os irmãos
Oliveira que dedicaram algum tempo à poesia publicaram em órgãos de imprensa da
região. Amélia, ao contrário, permaneceu à sombra, determinada a não
desobedecer ao ex-noivo.”
Após sua morte, seus poemas foram publicados
em um volume sob o título de “Póstuma”, com organização de Elmo Elton.
Referências:
ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Vidas de
Romance: as mulheres e o exercício de ler e escrever no entre séculos
(1890-1930). Rio de Janeiro: Topbooks, 2005.
ELTON, Elmo. O noivado de Bilac. Rio de
Janeiro: Organizações Simões, 1954
COELHO, Nelly Novaes (2002). Dicionário
Crítico de Escritoras Brasileiras 1711-2001. São Paulo: Escrituras Editora e
Distribuidora de Livros.
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