Wolfgang Nowak
"Os norte-americanos... só são capazes de nadar em um
único mar. Eles jamais desenvolveram a capacidade de ingressar no universo dos
outros povos" - Fareed Zakaria.
Estamos vivendo uma era na qual não há uma única potência
dominante. O globo está acossado por crises - mudança climática, escassez de
recursos, crises de alimento e financeira, proliferação nuclear e Estados
fracassados. Nenhum país é capaz de elaborar soluções para problemas desse
tipo. Nem mesmo as Nações Unidas estão a altura dessa tarefa. De fato, conforme
admitiu o ex-primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, na Conferência de
Governança Progressista, em Londres, as organizações internacionais criadas
logo após a Segunda Guerra Mundial não atendem mais às necessidades atuais.
Faz apenas 17 anos que o jornalista norte-americano Charles
Krauthammer falou a respeito do alvorecer de uma nova era na qual, nas décadas
vindouras, os Estados Unidos funcionariam como o epicentro da ordem mundial.
Apenas cinco anos se passaram desde que o então secretário de Estado, Colin
Powell, disse a uma audiência em Davos que os Estados Unidos reservavam o
direito de iniciar ações militares unilaterais.
Mas a Guerra do Iraque esfacelou o sonho de uma era de
"imperialismo liberal", na qual os Estados Unidos disseminariam os
seus valores ideais utilizando meios coercivos. A crise financeira dos últimos
anos acelerou ainda mais o deslocamento de poder - dos Estados Unidos e Europa
para a Índia, a China e a Rússia, bem como para os Estados árabes do Golfo
Pérsico.
Vários livros recentemente publicados nos Estados Unidos
descrevem essas mudanças no cenário político. O novo governo que chegar em
Washington em 2009 deve cogitar a leitura atenta dos livros "The Post
American World" ("O Mundo Pós-Americano"), de Fareed Zakaria,
"The Second World" ("O Segundo Mundo"), de Parag Khanna,
"The Great Experiment" ("A Grande Experiência"), de Strobe
Talbott, "Rivals" ("Rivais"), de Bill Emmott e "The
War for Wealth" ("A Guerra pela Riqueza"), de Gabor Steingart.
Todos estes autores aceitam a premissa de um mundo multipolar, embora as suas
análises e prescrições políticas sejam muito diversas. Bill Emmott, Fareed
Zakaria e Gabor Steingart visualizam a continuação da liderança norte-americana
ou transatlântica, enquanto Parag Khanna enxerga uma competição cada vez maior
entre a Europa, a China e os Estados Unidos pelo apoio de Estados como a Rússia
e a Índia, que ele descreve como pertencendo ao "segundo mundo".
Porém, quaisquer que sejam as diferenças entre eles, cada um dos autores
analisa com clareza as realidades atuais - ao contrário dos neoconservadores
que foram os principais responsáveis pela condução da política externa
norte-americana nos últimos oito anos.
O ex-presidente George Bush teria afirmado: "Não podemos
cometer os erros errados". Um governante que queira evitar "os erros
errados" encontrará o seu lugar na nova ordem multipolar.
Quais são as potências decisivas nesta nova ordem mundial? Os
Estados Unidos, a Rússia, a Índia, a China, o Brasil e a União Européia estão
sem dúvida entre elas. É interessante que estes países estejam se aproximando
cada vez mais. A atual crise financeira demonstrou como as relações entre eles
se aprofundaram. Outras similaridades são também reveladoras. Com a exceção dos
europeus, cada um desses países contém aspectos do primeiro, do segundo e do
terceiro mundo. Na megalópole Mumbai, por exemplo, a maior favela da Ásia fica
ao lado de uma próspera área econômica. Uma pessoa que faça uma viagem pela
Rússia encontrará tanto uma riqueza impressionante quanto uma pobreza absoluta.
Até mesmo nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo, parte da população
luta para ter um padrão decente de vida.
Esses países não são nem inimigos nem amigos uns dos outros;
eles são "frenemies", competidores na busca por escassos recursos
mundiais. Eles asseguram aos seus povos que são capazes de modelar a próxima
ordem global e de garantir o futuro bem-estar da população, mas as respectivas
idéias de futuro podem variar bastante. Um potencial "choque de
futuros" paira na linha do horizonte do mundo multipolar.
Nem todos os "frenemies" são democracias no sentido
ocidental. Os sucessos de Cingapura e da China, bem como dos Estados do Golfo
Pérsico, provam que os países não precisam ser democráticos para garantir um
alto padrão de vida aos seus povos. Mas isto não precisa ser motivo para
pessimismo. Nas novas potências mundiais não democráticas, elites produtivas
estão substituindo as elites parasitas. Onde as elites produtivas adquirem a
supremacia, elas criam um sistema mais livre e justo do que aquele que
herdaram. O objetivo delas é desenvolver a economia e corrigir as desigualdades
sociais. Elas sabem que onde houver favelas haverá "cidades
fracassadas" e "Estados fracassados".
A Sociedade Alfred Herrhausen, o fórum internacional do
Deutsche Bank, está organizando um novo projeto chamado Foresight (Previsão)
para analisar e comparar as visões de futuro das potências mundiais existentes
e emergentes. Por meio da discussão e do debate, espera-se que o projeto
encontre os elementos para um futuro comum. O evento inaugural, ocorrido em
Moscou, reuniu participantes do Brasil, da China, da Europa, do Japão, da
Índia, da Rússia, dos Estados Unidos e de outras partes do mundo para a
discussão do papel da Rússia em um mundo multipolar. Mais simpósios estão
previstos nos Estados Unidos, após as eleições presidenciais, na Europa, no
Japão, na Índia, na China e na América Latina. Esses eventos também incluirão
participantes de alto nível da África, do mundo árabe e dos países asiáticos
banhados pelo Oceano Pacífico.
Um dos principais objetivos desta série de eventos é ver o
mundo segundo a visão dos outros, e não apenas através da ótica oriental e
ocidental.
Novas alianças que jogam os países uns contra os outros não
serão capazes de resolver os desafios do século 21. Novas formas de cooperação
internacional, consulta e compromisso precisarão desempenhar um papel central
em um mundo multipolar. É um absurdo que a Itália pertença ao G8, mas a China e
o Brasil não. E que espécie de significado pode ter um conselho de segurança
global quando a Índia, o Brasil e a União Européia são deixados de fora, enquanto
a França e o Reino Unido são membros permanentes?
São necessárias novas formas de governança: em um mundo com
cada vez menos recursos e no qual há uma mudança climática acelerada, os
Estados podem sentir-se tentados a atender aos seus próprios interesses a fim
de obter vantagens de curto prazo. O desafio será elaborar uma nova estrutura
internacional e um equilíbrio organizado de interesses. Somente um futuro comum
- "mudança através do bom relacionamento" e não "um choque de
futuros" - poderá nos impulsionar para adiante.
Não há dúvida de que os últimos dez anos forneceram muitos
motivos para pessimismo. Para que os próximos dez anos sejam um sucesso, nós
precisaremos nos fortificar com um otimismo crível, ainda que cético.
Wolfgang Nowak é porta-voz da diretoria-executiva da
Sociedade Alfred Herrhausen, o fórum internacional do Deutsche Bank.
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