quinta-feira, 11 de abril de 2013

DIQUE DO TORORÓ


                                                                           Paulo Segundo da Costa*


O Dique do Tororó, até com certa frequência, tem sido referido como construído pelos holandeses, que, no dia 10 de maio de 1624, invadiram Salvador onde permaneceram até 30 de abril de 1625. Foram expulsos - após constantes lutas com os baianos refugiados nas áreas adjacentes à cidade - pelas forças militares vindas da Europa, sob o comando do português Dom Manuel de Meneses e do espanhol Dom Fradique de Toledo y Osório.

        Invadida, a cidade era vigiada diuturnamente pelos baianos impedindo os holandeses de receberem abastecimento de gêneros alimentícios que necessitavam. A resistência foi forte. Sempre que tentaram sair da área urbana houve luta, com significativas baixas entre eles. O Padre Vieira (jesuíta que testemunhou os acontecimentos da invasão; tinha, ele, na época, 18 anos de idade) narra a seus superiores, em Roma (Ânua de 1626, Cartas do Brasil, Editora Hedra, 2005, S. Paulo), com riqueza de informação, como os holandeses invadiram a cidade, e como foram dela expulsos. No relato que fez, diz ele: “Depois da cidade tomada, ao quarto dia, vieram doze ou treze índios parentes de alguns que na bateria do Forte foram mortos, deliberados a tomar vingança de suas mortes nas vidas dos holandeses; e assim o fizeram nalguns que andavam desgarrados, por fora”. (ob. cit., p. 88). Refere às perdas das forças invasoras: “Estavam acima da Fonte Nova, emboscados numa ilha de mato, uns poucos dos nossos; foram sitiados dos inimigos e saíram logo muitos em número, cuidando tinham a presa na mão; mas saiu-lhe bem ao revés do que cuidaram, porque alem de morrerem alguns, foi necessário a muitos largar as armas, para tomar às costas os que de malferidos não podiam fugir”. (ob. cit. p.94) Sob forte vigilância, e muitas vezes mortos, os holandeses tinham dificuldade de procurar alimentos nas áreas próximas ao centro urbano invadido. Diz Padre Vieira: “Os nossos matavam uns holandeses (...) serviram-se da pólvora que tomavam aos primeiros para os atingirem. E, com ser tão grande esta falta, nunca nos nossos faltou ânimo, de sorte que, fossem os holandeses poucos ou muitos, sem armas ou bem armados, quando saiam da cidade sempre tornavam menos, e menos contentes. (...). Com estas perdas e desgraças ficou o inimigo oprimido, e tão receoso de ter sempre adiante a pior sorte mandou lançar bando (anúncio público) que ninguém pusesse mais os pés fora da cidade”.  (ob. cit.. p. 96, 97). Para dificultar o acesso à cidade e provê-la de abastecimento de água, os holandeses barraram o Rio da Vala, também denominado Rio das Tripas, com um aterro entre a atual Ladeira da Praça e a encosta do morro da Palma, onde atualmente está instalada a Reitoria da UCSAL, antigo Convento dos Agostinianos. Padre Vieira refere que a base da defesa  dos holandeses à cidade invadida eram três morros: o do São Bento, ao sul; o do Convento do Desterro, ao norte; o da Palma, ao leste. Como se sabe, eles dominavam amplamente o lado oeste, onde fica a Baia de Todos os Santos por onde, pelos barcos que a singravam, recebiam mantimentos vindos de Itaparica e adjacências. É Vieira que informa: “Pelas quebradas dos três montes que cingiam a cidade, represaram as correntes de algumas fontes, e fizeram um tanque, tão largo e alto quanto bastou para impedir a passagem a qualquer força ordinária. Por toda a cidade em roda assentaram artilharia nos portos e postos mais importantes. E, porque não lhes faltasse coisa alguma com que pudessem impedir-nos a entrada na cidade semearam, ao redor dela, e dentro, nas bocas das ruas, uns estepes de ferro, feitos por tal arte que, de qualquer parte que caiam assentavam três pontas no chão ficando outra para cima, e estes em tal distância uns dos outros que caminhando, ainda em boa paz, não bastava qualquer tento para assentar o pé em salvo; errando o passo ficava um homem preso e enredado, sem remédio”. (ob. cit. p. 98)).          Entre a elevação onde estava situada a cidade e a da Palma construíram um dique; esse sim, o Dique dos Holandeses.
O Dique Tororó, inicialmente um pequeno lago, em 1846, no governo do Presidente da Bahia, Francisco José de Sousa d’Andrea foi levantado um aterro barrando a sangria que ocorria para Rio Lucaia, ao longo da atual Av. Vasco da Gama. Com a construção dessa barragem, a água represada passou a sangrar pela vala da Rua do Sangradouro, atual Rua Djalma Dutra, desaguando no Rio das Tripas. No século XIX, a área por onde sangrava passou a receber o lixo urbano de Salvador. Posteriormente, essa área foi aterrada para construção da linha 15 do bonde elétrico para o Rio Vermelho (de baixo), a partir do Largo das Sete Portas. Aterradas a vala da Rua do Sangradouro, o Dique do Tororó voltou a sangrar para o Rio Lucaia, numa cota mais elevada.
       A cidade sitiada pelos baianos que combatiam a invasão, inclusive uma emboscada na Fonte Nova, era um respeitável obstáculo dificultando os holandeses transporem as áreas que a circundavam. Assim, dificilmente os holandeses se aventurariam a construir um dique para defesa da cidade a mais de um quilômetro do limite da cidade invadida, sob o risco de contundentes baixas em suas ralas forças de ocupação (constituídas de 1.700 homens). Parece-me ser despropósito afirmar que o Dique do Tororó é construção dos holandeses. Os fatos negam essa assertiva. Padre Antônio Vieira, testemunha dessa história, fornece os argumentos.

NR/ * Paulo Segundo da Costa, é um dos mais competentes historiógrafos da Bahia. Suas pesquisas históricas têm recebido o aval dos nossos pesquisadores e historiadores mais sérios.
É sempre com prazer que recebemos e divulgamos suas pesquisas, possuidoras que são do carimbo da credibilidade e do prazer narrativo que as revestem.                                             



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