sexta-feira, 12 de abril de 2013

É SÓ O JEITO BAIANO DE SER?



                                                                                                  Por EDMUNDO CARÔSO*


Baianos. Nossa fama de preguiçosos e indolentes vai longe, o que é uma injustiça. Trabalhamos feito mulas, mas o jeito baiano de ser, e quanto a isso eu concordo, não só dá margem para especulações descabidas desse tipo como torna, por exemplo, o serviço que oferecemos aqui muitos níveis abaixo da maioria dos estados do Brasil. A urgência na Bahia é quase uma utopia. E aí reside o problema.


Algumas coisas são muito estranhas para quem não vive aqui.

Por exemplo. Você chega numa lanchonete, se acerca do balcão e lá só tem uma atendente conversando com alguém. Em qualquer lugar do mundo, ela iria parar a conversa, atender o cliente e depois voltar para seu lenga-lenga. Em outros, como São Paulo, nem direito a conversar teria sob pena de ir para o olho da rua. Mas aqui não. Você vai ficar plantado ali feito uma jaca mole até que ela termine de contar a sua amiga como foi a gravação do DVD do Chiclete ou coisa que o valha. E não adianta sacar da cartola seus ares de contrariado, pois cara feia pro baiano é fome, faz o mesmo efeito que um placebo.

Se a mocinha gostou do show, você vai ter de esperar. Veja se tem cabimento a sua fome ou a perspectiva de lucros do dono do negócio (e até mesmo a manutenção de seu padrão de qualidade) sobrepujarem em prioridade o show do Chiclete ou mainha, lá deles, abaixando e levantando numa letra de pagode? E não adianta interferir, perguntar nada. Pois ela vai lhe fulminar com um olhar de desprezo diante de tanta inconveniência. Você não tem educação? Será que não vê que ela e sua amiga estão conversando?

Se você for paciente e souber das coisas vai esperar quietinho até que ela termine, quando então, se der sorte e caso ela não tenha levantado com o pé esquerdo, vai se surpreender com o tratamento carinhoso e atenção redobrada que terá.

Dois exemplos práticos que definem o jeito baiano de ser podem ser dados explicando o uso das expressões VUMBORA (contração de vamos embora) e AONDE! (assim mesmo, com várias exclamações). As duas são sinônimos de nunca, aplicadas de formas diferentes.

Vumbora, em uma de suas utilizações práticas não quer dizer absolutamente nada o que – pelo menos aqui – é o mesmo que dizer muita coisa desde quando você seja bom leitor de entrelinhas. Por exemplo.

*Edmundo Carôso é letrista e poeta baiano, parceiro de geração de Carlinhos Brown, Luiz Caldas e Daniela Mercury, com quem trabalhou até seu mega sucesso em O CANTO DA CIDADE. Vive em Salvador, já colaborou para jornais do interior e capital, publicou dois livros de poesia. Tem perto de 100 músicas gravadas em sua discografia, sendo a mais conhecida delas o clássico de carnaval, há mais de 20 anos feito com Carlos Pita: COMETA MAMBEMBE.

COMENTÁRIO DE JARY CARDOSO
O texto “É só o jeito baiano de ser?”, primeiro de uma série, foi postado em 17.11.2008 no blog de Edmundo Carôso, DE MIM E DAS COISAS, que vale a pena visitar:


A questão tratada por Edmundo Carôso neste texto é parte de um amplo debate que o blog Jeito Baiano pretende desenvolver na busca de uma definição de civilidade autenticamente baiana, que incorpore padrões de comportamento social dos povos mais desenvolvidas, mas sem perder a ginga, a alegria, o bom humor e a maneira saudável de os baianos viverem.

João Gilberto dizia que o povo da Bahia não precisa de psicanálise. E talvez isso seja verdade justamente porque aqui as pessoas conversam tanto, se abrem tanto umas com as outras, comentam tanto a própria vida e a vida alheia, é tanto fuxico, tanta fofoca psicoterapêutica que não sobra espaço para as neuroses.

Antonio Risério uma vez comentou que os baianos chegam atrasados aos compromissos por causa das longas e boas conversas que não podem ser interrompidas sem mais nem menos. Mas a conversa é assim tão sagrada a ponto de prejudicar a prestação dos serviços e o atendimento da freguesia? É o que Edmundo Carôso está questionando.

Esta discussão sobre (in)civilidade baiana foi iniciada neste blog pelo post-hit “Mijar ou não mijar na rua, eis a questão”:

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