Por EDMUNDO CARÔSO*
Baianos.
Nossa fama de preguiçosos e indolentes vai longe, o que é uma injustiça.
Trabalhamos feito mulas, mas o jeito baiano de ser, e quanto a isso eu
concordo, não só dá margem para especulações descabidas desse tipo como torna,
por exemplo, o serviço que oferecemos aqui muitos níveis abaixo da maioria dos
estados do Brasil. A urgência na Bahia é quase uma utopia. E aí reside o
problema.
Algumas
coisas são muito estranhas para quem não vive aqui.
Por
exemplo. Você chega numa lanchonete, se acerca do balcão e lá só tem uma
atendente conversando com alguém. Em qualquer lugar do mundo, ela iria parar a
conversa, atender o cliente e depois voltar para seu lenga-lenga. Em outros,
como São Paulo, nem direito a conversar teria sob pena de ir para o olho da
rua. Mas aqui não. Você vai ficar plantado ali feito uma jaca mole até que ela
termine de contar a sua amiga como foi a gravação do DVD do Chiclete ou coisa
que o valha. E não adianta sacar da cartola seus ares de contrariado, pois cara
feia pro baiano é fome, faz o mesmo efeito que um placebo.
Se
a mocinha gostou do show, você vai ter de esperar. Veja se tem cabimento a sua
fome ou a perspectiva de lucros do dono do negócio (e até mesmo a manutenção de
seu padrão de qualidade) sobrepujarem em prioridade o show do Chiclete ou
mainha, lá deles, abaixando e levantando numa letra de pagode? E não adianta
interferir, perguntar nada. Pois ela vai lhe fulminar com um olhar de desprezo
diante de tanta inconveniência. Você não tem educação? Será que não vê que ela
e sua amiga estão conversando?
Se
você for paciente e souber das coisas vai esperar quietinho até que ela
termine, quando então, se der sorte e caso ela não tenha levantado com o pé
esquerdo, vai se surpreender com o tratamento carinhoso e atenção redobrada que
terá.
Dois
exemplos práticos que definem o jeito baiano de ser podem ser dados explicando
o uso das expressões VUMBORA (contração de vamos embora) e AONDE! (assim mesmo,
com várias exclamações). As duas são sinônimos de nunca, aplicadas de formas
diferentes.
Vumbora,
em uma de suas utilizações práticas não quer dizer absolutamente nada o que –
pelo menos aqui – é o mesmo que dizer muita coisa desde quando você seja bom
leitor de entrelinhas. Por exemplo.
*Edmundo Carôso é
letrista e poeta baiano, parceiro de geração de Carlinhos Brown, Luiz Caldas e
Daniela Mercury, com quem trabalhou até seu mega sucesso em O CANTO DA
CIDADE. Vive em Salvador, já colaborou para jornais do interior e capital,
publicou dois livros de poesia. Tem perto de 100 músicas gravadas em sua
discografia, sendo a mais conhecida delas o clássico de carnaval, há mais de 20
anos feito com Carlos Pita: COMETA MAMBEMBE.
COMENTÁRIO
DE JARY CARDOSO
O
texto “É só o jeito baiano de ser?”, primeiro de uma série, foi postado em
17.11.2008 no blog de Edmundo Carôso, DE MIM E DAS COISAS, que vale a pena
visitar:
A
questão tratada por Edmundo Carôso neste texto é parte de um amplo debate que o
blog Jeito Baiano pretende desenvolver na busca de uma definição de civilidade
autenticamente baiana, que incorpore padrões de comportamento social dos povos
mais desenvolvidas, mas sem perder a ginga, a alegria, o bom humor e a maneira
saudável de os baianos viverem.
João Gilberto dizia que o povo
da Bahia não precisa de psicanálise. E talvez isso seja verdade justamente
porque aqui as pessoas conversam tanto, se abrem tanto umas com as outras,
comentam tanto a própria vida e a vida alheia, é tanto fuxico, tanta fofoca
psicoterapêutica que não sobra espaço para as neuroses.
Antonio
Risério uma vez comentou que os baianos chegam atrasados aos compromissos por
causa das longas e boas conversas que não podem ser interrompidas sem mais nem
menos. Mas a conversa é assim tão sagrada a ponto de prejudicar a prestação
dos serviços e o atendimento da freguesia? É o que Edmundo Carôso está
questionando.
Esta
discussão sobre (in)civilidade baiana foi iniciada neste blog pelo post-hit
“Mijar ou não mijar na rua, eis a questão”:
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