Conto de Charles Baudelaire
Realizava-se
a grande reunião das fadas, a fim de procederem à partilha dos dons entre todos
os recém-nascidos das últimas vinte e quatro horas.
Muito diferiam umas
das outras, todas essas antigas e fantasistas Irmãs do Destino, todas essas
Mães estranhas da alegria e da dor: umas tinham aparência sombria e
rebarbativa, outras a tinham folgazã e maliciosa; umas eram jovens, e sempre o
haviam sido, outras eram velhas, e também sempre o haviam sido.
Todos os pais que
acreditam nas Fadas haviam comparecido, cada qual trazendo nos braços o seu
recém-nascido.
Os Dons, as
Faculdades, os Bons Acasos, as Circunstâncias Invencíveis, estavam amontoados
ao lado do Tribunal, como os prêmios sobre o tablado, em dia de distribuição de
prêmios. O que havia de particular no caso é que os Dons não eram a recompensa
de um esforço, mas pelo contrário, uma graça concedida àquele que ainda não
vivera, uma graça capaz de determinar seu destino e de se tornar tanto a origem
de seu desdita, quanto de sua felicidade.
As pobres Fadas
estavam sobrecarregadas de trabalho, porque era grande o número dos
solicitantes, e o mundo intermediário colocado entre o homem e Deus está submetido,
tanto quanto nós, à lei terrível do Tempo e de sua infinita posteridade, os
Dias, as Horas, os Minutos, os Segundos.
Na realidade, elas
estavam tão atordoadas quantos ministros em dia de audiência, ou empregados do
Estabelecimento de Penhores, quando um dia de festa nacional autoriza as
restituições sem pagamento. Acho mesmo que olhavam, de vez em quando, para o
ponteiro do relógio, com impaciência igual à de juízes humanos que, por estarem
em função desde cedo, não podem deixar de sonhar com o jantar, a família e os
queridos chinelos. Se, na justiça sobrenatural, há um pouco de precipitação e
de acaso, não nos admiremos que o mesmo aconteça às vezes na justiça humana.
Nós mesmos seríamos, em tal caso, juizes injustos.
Dessarte foram
cometidas, nesse dia, algumas tolices – que poderíamos estranhar, se a
prudência, e não a fantasia, fosse a característica peculiar, eterna, das
Fadas.
Assim o poder de
atrair magneticamente a fortuna foi concedido ao único herdeiro de uma família
riquíssima que, não possuindo noção alguma de caridade, como também nenhuma
cobiça dos bens visíveis da terra, devia encontrar-se, mais tarde, grandemente
atrapalhado com seus milhões.
Assim foram
concedidos o amor ao Belo e a Força Poética ao filho de um triste pobretão, um
cavoqueiro absolutamente incapaz quer de favorecer os dotes, quer de prover às
necessidades de sua lamentável progênie.
Esquecia-me de lhes
dizer que a distribuição, em tais casos solenes, não comporta apelação, e que
nenhum dom pode ser recusado…
Todas as Fadas já
se estavam levantando, julgando concluída sua tarefa, porque não restava mais
presente algum, munificência alguma para atirar a toda aquela nulidade humana,
quando um bom homem, um pobre e modesto negociante, creio eu, ergueu-se e, agarrando
por sua veste de vapores policrômicos a Fada que lhe ficava mais próxima,
exclamou:
- Oh! Senhora!
está-nos esquecendo! Ainda falta meu pequeno! Não quero ficar sem receber coisa
alguma!
A Fada deveria
ficar perplexa, porque não restava mais nada.
Todavia, lembrou-se
ela a tempo de uma lei bastante conhecida, embora raramente aplicada, no mundo
sobrenatural, habitado pelas deidades etéreas, amigas do homem, e muitas vezes
forçadas a se adaptarem às suas paixões, tais como as Fadas, os Gnomos, as
Salamandras, as Sílfides, os Silfos, os Nixos, os Ondinos e as Ondinas, – quero
referir-me à lei que concede às Fadas, em semelhante caso, isto é, no caso de
os presentes se acabarem, a faculdade de concederem mais um, suplementar e
excepcional, sob condição, todavia, de ela possuir imaginação bastante para
criá-lo imediatamente.
Por isso a boa Fada
respondeu, com uma segurança digna de sua situação:
- Dou a teu filho…
dou-lhe… o Dom de agradar!
- Mas agradar como?
agradar? por que agradar? – perguntou teimosamente o pequeno comerciante, que
sem dúvida era um desses raciocinadores tão comuns, incapazes de se elevarem
até a lógica do absurdo.
- Porque sim!
porque sim! – replicou a Fada, colérica, voltando-lhe as costas; e, reunindo-se
ao cortejo de suas companheiras, dizia-lhes:
- Que acham desse
francesinho vaidoso que tudo quer compreender e que, havendo obtido para o
filho o melhor quinhão, ainda ousa interrogar e discutir o indiscutível?
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