Por Ricardo Gondim
O texto “Tempo que foge” é meu. Já
tentaram me roubar. Eu sou o autor e não Mario de Andrade ou Rubem Alves.
Inveja é tristeza diante do bem, do talento, da idade, do poder ou
do sucesso do outro; nasce quando a excelência de uma pessoa arrasa com o valor
da outra. A igreja cristã do século IV classificou a inveja
como um dos sete
pecados capitais. Santo Tomás de Aquino a tratou como pecado mortal (portanto,
imperdoável) e responsabilizou a inveja por outros vícios: murmuração, detração, ódio, dissensão, alegria pela derrocada
alheia. Na tradição judaica, a inveja motivou o primeiro
assassinato. No Gênesis, Caim matou Abel por não tolerar que Deus preferisse a
oferta do irmão à dele. Mais tarde, nas tábuas dos dez mandamentos, a inveja
foi condenada na proibição de cobiçar qualquer coisa do próximo.
Inveja participa como ingrediente nas tramas da melhor literatura.
E ninguém a retratou melhor do que William Shakespeare. Em Otelo, ele descreve
os mecanismos que incitam ódio e ciúme a partir da inveja. Otelo é general
reconhecido por seus triunfos em batalhas terrestres e marítimas. Ao assumir a
posição de chefe de Estado no Chipre, nomeia Cássio como braço direito. Mas
suscita a inveja de Iago, que passa a conspirar contra ele. As desavenças que
nascem daí – e que caracterizam as tragédias shakespeareanas - são
horrorosas.
Iago destila uma suspeita mortal em Otelo, com o intuito de
levá-lo a acreditar que sua mulher, Desdêmona, o trai com o tenente Cássio. O
conflito entre o amor, que o general nutre pela mulher e a desconfiança
incitada por Iago faz Otelo despencar da posição de herói. Debilitado
psicologicamente, mata a amada, sufocando-a com travesseiros. Declarado
assassino, Otelo perde o posto de general e é sentenciado à prisão. Sem
saída, acaba por tirar a própria vida com um punhal.
José Ingenieros declara que
a inveja é uma
adoração dos homens pelas sombras, do mérito pela mediocridade. É o rubor na
face sonoramente esbofeteada pela glória alheia. É o grilhão que arrasta os
fracassados. É a amargura que toma conta do paladar dos impotentes. É um
venenoso humor que emana das feridas abertas pelo desengano da insignificância
própria. Mesmo não querendo, padecem desse mal, cedo ou tarde, aqueles que
vivem escravos da vaidade; desfilam pálidos de angústia, torvos, envergonhados
de sua própria tristeza, sem suspeitar que seu ladrido envolve uma consagração
inequívoca do mérito alheio. A inextinguível hostilidade dos néscios foi sempre
o pedestal de um monumento”.
Inveja é pior que ódio. O ódio não se contém e, devido à fúria,
sempre faz alguma coisa. A inveja por sua vez, aceita manter-se quieta;
covarde, contenta-se com as sombras. Para semear suspeita, a inveja precisa se
mover sob o cobertor das trevas, feito ratazana no esgoto. O invejoso deseja
que todos os outros desacreditem da grandeza humana. Revolve lama para que as
pessoas não notem seu nanismo interior. Também se esconde em sepulcros
caiados para iludir e semear dúvida. Ingeniero afirma que o invejoso sem coragem para ser assassino, resigna-se a ser vil.
No filme Amadeus,
Salieri não admite a genialidade de Mozart. Inconformado, precisa demonizar o
homem que admira. Ele tenta diminuir o talento extraordinário de Amadeus,
procurando convencer as demais pessoas de seu caráter desprezível. Salieri não
se inquieta com o jeito debochado de Mozart, ele detesta a capacidade
extraordinária que ele tem de compor. E se pergunta porque não consegue
transformar o próprio moralismo em genialidade. Depois de tentar
estigmatizá-lo como um nada, parte para destruí-lo. Salieri, porém, não reúne
coragem sequer de agir como algoz. Como hiena, aguarda que outros predadores
abatam a presa para depois festejar em cima da carcaça.
Ingenieros diz que a psicologia da inveja pode vir sintetizada na
fábula do sapo, parábola digna de constar nos livros infantis.
Um ventrudo sapo grasnava em seu pântano quando viu resplandecer
no mais alto de uma pedra um vaga-lume. Pensou que nenhum ser teria direito de
luzir qualidades que ele mesmo não possuiria jamais. Mortificado pela sua
própria impotência, saltou em direção a ele e o encobriu com seu ventre gelado.
O inocente vaga-lume ousou perguntar ao seu algoz: Por que me tapas? E o sapo,
congestionado pela inveja, apenas conseguiu interrogá-lo: Por que brilhas?
Soli Deo Gloria
Extraído
do site:
.ricardogondim.com.br/meditacoes/inveja-grilhao-que-arrasta-os-fracassados
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