sexta-feira, 11 de abril de 2014

AS LIÇÕES DO GOLPE DE ESTADO DE 1964 NO BRASIL

Fernando Alcoforado*


Vários fatores explicam o desencadeamento do golpe de estado que depôs em 1964 o
presidente João Goulart. O primeiro está relacionado com o declínio do processo de

crescimento econômico do Brasil inaugurado no governo Juscelino Kubitschek (1955-
1960) que agravou as tensões sociais do País. O segundo diz respeito ao aumento das
contradições internas existentes no Brasil entre, de um lado, o capital e o trabalho e, de
outro, entre os latifundiários e os camponeses. O terceiro concerne ao conflito entre as
forças políticas interessadas na emancipação econômica nacional e as forças defensoras
da manutenção da subordinação do Brasil ao capital internacional. O quarto fator diz
respeito ao conflito mundial entre os sistemas capitalista, liderado pelos Estados
Unidos, e o sistema socialista liderado pela União Soviética. Finalmente, o quinto fator
diz respeito à crise entre a Presidência da República e as Forças Armadas não
solucionada pelo presidente Goulart. Todos estes fatores contribuíram para o golpe de
estado de 1964 e a implantação da ditadura militar que teve duração de 21 anos no
Brasil.

Cabe observar que, em 1961, o Brasil tinha entrado em um período de estagnação e
recessão com hiperinflação contribuindo enormemente para o aumento do desemprego e
das tensões sociais após o governo Juscelino Kubitschek (1955-1960) quando o Brasil
obteve elevadas taxas de crescimento do PIB que, na média foi de 7,9% ao ano no
período, gerando, ao mesmo tempo, hiperinflação e pontos de estrangulamento na
economia brasileira. No breve período em que João Goulart governou o país (1961-
1964), os conflitos políticos e as tensões sociais se tornaram graves. Isto se deve ao fato
de que já estavam esgotadas as possibilidades de crescimento da economia brasileira
baseada na expansão da indústria de bens de consumo duráveis, especialmente a
indústria automobilística, que na década anterior fora a mola propulsora principal do
crescimento econômico.

Durante o governo João Goulart, a contradição entre capital e trabalho cresceu
vertiginosamente devido à queda no crescimento econômico, à perda do poder de
compra dos trabalhadores resultante do aumento do desemprego e da hiperinflação e à
existência de uma classe operária e de um sindicalismo gestado pelo processo de
industrialização cada vez mais reivindicante na defesa dos interesses dos trabalhadores.
Por sua vez, no campo, aumentaram as tensões entre os proprietários de terras
(latifundiários) e os camponeses que organizados através das ligas camponesas
reivindicavam a realização da reforma agrária com a desapropriação de terras do
latifúndio. Desde o início de seu mandato, João Goulart não dispunha de base de apoio
parlamentar para aprovar com facilidade seus projetos políticos, econômicos e sociais
que por esse motivo a estabilidade governamental foi comprometida. Como solução
para resolver os frequentes impasses surgidos pela ausência de apoio político no
Congresso Nacional, João Goulart adotou a estratégia de permanente mobilização dos
setores populares a fim de obter apoio social para seu governo.

O governo João Goulart se aliou às correntes e ideias nacional-reformistas que
buscavam a emancipação nacional do jugo do imperialismo especialmente o norte-americano as quais tiveram que se confrontar com as forças políticas interessadas na
manutenção do “status quo” reinante. Ressalte-se que, além da contradição entre a
nação brasileira e o imperialismo, especialmente o norte-americano, o conflito mundial
entre os sistemas capitalista liderado pelos Estados Unidos e o sistema socialista
liderado pela União Soviética contribuiu também para a ocorrência do golpe de estado
de 1964 porquanto, do ponto de vista geopolítico, o mundo era dividido entre duas áreas
de influência (capitalista e socialista). O Brasil em 1964 era considerado área de
influência capitalista sob a liderança dos Estados Unidos. Seria inaceitável para os
Estados Unidos e seus aliados internos admitirem que o Brasil se tornasse um país
independente e capaz de se aliar à União Soviética como aconteceu com Cuba.

Diante dos grandes problemas estruturais vividos pelo Brasil e para fazer frente à crise
econômica, política e social existente nos primeiros anos da década de 1960, o governo
João Goulart buscou implementar as denominadas Reformas de Base com base no
Plano Trienal que era uma proposta de reestruturação de uma série de setores
econômicos e sociais do Brasil que começou a ser discutida ainda no decorrer do
governo Kubitschek em 1958. As reformas de base se transformaram na bandeira do
governo Goulart. Sob a denominação de “reformas de base” estavam reunidas
iniciativas que visavam as reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e
universitária. Incluía também oferecer o direito de voto para analfabetos e às patentes
subalternas das Forças Armadas. As medidas buscavam também uma participação
maior do Estado nas questões econômicas, regulando o investimento estrangeiro no
Brasil.

Entre as mudanças pretendidas pelas reformas de base estava, em primeiro lugar, a
reforma agrária. O objetivo era possibilitar que milhares de trabalhadores rurais
tivessem acesso às terras em mãos do latifúndio. As leis de remessa de lucros que
buscava reduzir o altíssimo índice de lucros que as grandes empresas estrangeiras
conquistavam no Brasil e a do congelamento de aluguéis já haviam sido aprovadas pelo
Congresso Nacional. A investida do governo pela aplicação das reformas de base
começou no dia 13 de março de 1964 através de um grande comício na Central do
Brasil no Rio de Janeiro no qual João Goulart e Leonel Brizola anunciaram grandes
mudanças no Brasil. Cerca de 200 mil pessoas estiveram presentes naquele dia, o que
desagradou mais ainda os setores conservadores. Neste comício, o presidente João
Goulart anunciou a assinatura do decreto que encampava refinarias de petróleo
particulares e o decreto que desapropriava terras improdutivas localizadas à beira de
estradas e ferrovias. Como as propostas eram influenciadas pelo pensamento de
esquerda, os defensores do capitalismo, do latifúndio e membros da direita brasileira
receavam quanto ao crescimento de um possível governo comunista no país.

O comício na Central do Brasil foi o momento decisivo para determinar a organização
dos militares para dar início ao golpe de estado que foi deflagrado em 31 de março/ 1º
de abril de 1964 estabelecendo uma ditadura militar no país. As Forças Armadas
também foram influenciadas pela polarização ideológica vivenciada pela sociedade
brasileira naquela conjuntura política, ocasionando a quebra da hierarquia e da
disciplina devido à sublevação de setores subalternos. Os estudiosos do tema afirmam
que, a quebra de hierarquia e da disciplina dentro das Forças Armadas foi o principal
fator que ocasionou o afastamento dos militares legalistas que deixaram de apoiar o
governo de João Goulart, facilitando o movimento golpista.

Um fato indiscutível é que a ditadura implantada em 1964 não tem paralelo na história
do Brasil. Apesar de ser denominada de ditadura militar, muitos civis colaboraram e
participaram desde a eclosão do golpe de estado até o final da ditadura em 1985. Foram
os militares que deram o golpe, que escolhiam os presidentes, que comandaram o
aparato repressivo e deram as ordens de caçar e exterminar grupos de esquerda, mas a
ditadura não teria se instalado se não houvesse o apoio civil e também a ajuda externa
do governo norte-americano sob as presidências de Kennedy e Johnson. O golpe de
estado não contou apenas com apoio de tanques e fuzis. Tinha partidos políticos de
direita, meios de comunicação agressivos, empresários inimigos dos trabalhadores e
sindicatos, fazendeiros armados contra as Ligas Camponesas, religiosos anticomunistas,
entre outros. Todos eles foram tão golpistas quanto os militares. A ditadura foi,
portanto, tão civil quanto militar.

*Fernando Alcoforado, 74, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordemMundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000),  Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.


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