Fernando Alcoforado*
Vários
fatores explicam o desencadeamento do golpe de estado que depôs em 1964 o
presidente
João Goulart. O primeiro está relacionado com o declínio do processo de
crescimento
econômico do Brasil inaugurado no governo Juscelino Kubitschek (1955-
1960) que
agravou as tensões sociais do País. O segundo diz respeito ao aumento das
contradições
internas existentes no Brasil entre, de um lado, o capital e o trabalho e, de
outro, entre
os latifundiários e os camponeses. O terceiro concerne ao conflito entre as
forças
políticas interessadas na emancipação econômica nacional e as forças defensoras
da
manutenção da subordinação do Brasil ao capital internacional. O quarto fator
diz
respeito
ao conflito mundial entre os sistemas capitalista, liderado pelos Estados
Unidos, e
o sistema socialista liderado pela União Soviética. Finalmente, o quinto fator
diz
respeito à crise entre a Presidência da República e as Forças Armadas não
solucionada
pelo presidente Goulart. Todos estes fatores contribuíram para o golpe de
estado de
1964 e a implantação da ditadura militar que teve duração de 21 anos no
Brasil.
Cabe
observar que, em 1961, o Brasil tinha entrado em um período de estagnação e
recessão com
hiperinflação contribuindo enormemente para o aumento do desemprego e
das
tensões sociais após o governo Juscelino Kubitschek (1955-1960) quando o Brasil
obteve
elevadas taxas de crescimento do PIB que, na média foi de 7,9% ao ano no
período,
gerando, ao mesmo tempo, hiperinflação e pontos de estrangulamento na
economia
brasileira. No breve período em que João Goulart governou o país (1961-
1964), os
conflitos políticos e as tensões sociais se tornaram graves. Isto se deve ao
fato
de que já
estavam esgotadas as possibilidades de crescimento da economia brasileira
baseada na
expansão da indústria de bens de consumo duráveis, especialmente a
indústria
automobilística, que na década anterior fora a mola propulsora principal do
crescimento
econômico.
Durante o
governo João Goulart, a contradição entre capital e trabalho cresceu
vertiginosamente
devido à queda no crescimento econômico, à perda do poder de
compra dos
trabalhadores resultante do aumento do desemprego e da hiperinflação e à
existência
de uma classe operária e de um sindicalismo gestado pelo processo de
industrialização
cada vez mais reivindicante na defesa dos interesses dos trabalhadores.
Por sua
vez, no campo, aumentaram as tensões entre os proprietários de terras
(latifundiários)
e os camponeses que organizados através das ligas camponesas
reivindicavam
a realização da reforma agrária com a desapropriação de terras do
latifúndio.
Desde o início de seu mandato, João Goulart não dispunha de base de apoio
parlamentar
para aprovar com facilidade seus projetos políticos, econômicos e sociais
que por
esse motivo a estabilidade governamental foi comprometida. Como solução
para
resolver os frequentes impasses surgidos pela ausência de apoio político no
Congresso
Nacional, João Goulart adotou a estratégia de permanente mobilização dos
setores
populares a fim de obter apoio social para seu governo.
O governo
João Goulart se aliou às correntes e ideias nacional-reformistas que
buscavam a
emancipação nacional do jugo do imperialismo especialmente o norte-americano as
quais tiveram que se confrontar com as forças políticas interessadas na
manutenção
do “status quo” reinante. Ressalte-se que, além da contradição entre a
nação
brasileira e o imperialismo, especialmente o norte-americano, o conflito
mundial
entre os
sistemas capitalista liderado pelos Estados Unidos e o sistema socialista
liderado
pela União Soviética contribuiu também para a ocorrência do golpe de estado
de 1964
porquanto, do ponto de vista geopolítico, o mundo era dividido entre duas áreas
de
influência (capitalista e socialista). O Brasil em 1964 era considerado área de
influência
capitalista sob a liderança dos Estados Unidos. Seria inaceitável para os
Estados
Unidos e seus aliados internos admitirem que o Brasil se tornasse um país
independente
e capaz de se aliar à União Soviética como aconteceu com Cuba.
Diante dos
grandes problemas estruturais vividos pelo Brasil e para fazer frente à crise
econômica,
política e social existente nos primeiros anos da década de 1960, o governo
João Goulart
buscou implementar as denominadas Reformas de Base com base no
Plano
Trienal que era uma proposta de reestruturação de uma série de setores
econômicos
e sociais do Brasil que começou a ser discutida ainda no decorrer do
governo
Kubitschek em 1958. As reformas de base se transformaram na bandeira do
governo
Goulart. Sob a denominação de “reformas de base” estavam reunidas
iniciativas
que visavam as reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e
universitária.
Incluía também oferecer o direito de voto para analfabetos e às patentes
subalternas
das Forças Armadas. As medidas buscavam também uma participação
maior do
Estado nas questões econômicas, regulando o investimento estrangeiro no
Brasil.
Entre as
mudanças pretendidas pelas reformas de base estava, em primeiro lugar, a
reforma
agrária. O objetivo era possibilitar que milhares de trabalhadores rurais
tivessem
acesso às terras em mãos do latifúndio. As leis de remessa de lucros que
buscava
reduzir o altíssimo índice de lucros que as grandes empresas estrangeiras
conquistavam
no Brasil e a do congelamento de aluguéis já haviam sido aprovadas pelo
Congresso
Nacional. A investida do governo pela aplicação das reformas de base
começou no
dia 13 de março de 1964 através de um grande comício na Central do
Brasil no
Rio de Janeiro no qual João Goulart e Leonel Brizola anunciaram grandes
mudanças
no Brasil. Cerca de 200 mil pessoas estiveram presentes naquele dia, o que
desagradou
mais ainda os setores conservadores. Neste comício, o presidente João
Goulart
anunciou a assinatura do decreto que encampava refinarias de petróleo
particulares
e o decreto que desapropriava terras improdutivas localizadas à beira de
estradas e
ferrovias. Como as propostas eram influenciadas pelo pensamento de
esquerda,
os defensores do capitalismo, do latifúndio e membros da direita brasileira
receavam
quanto ao crescimento de um possível governo comunista no país.
O comício
na Central do Brasil foi o momento decisivo para determinar a organização
dos
militares para dar início ao golpe de estado que foi deflagrado em 31 de março/
1º
de abril
de 1964 estabelecendo uma ditadura militar no país. As Forças Armadas
também
foram influenciadas pela polarização ideológica vivenciada pela sociedade
brasileira
naquela conjuntura política, ocasionando a quebra da hierarquia e da
disciplina
devido à sublevação de setores subalternos. Os estudiosos do tema afirmam
que, a
quebra de hierarquia e da disciplina dentro das Forças Armadas foi o principal
fator que
ocasionou o afastamento dos militares legalistas que deixaram de apoiar o
governo de
João Goulart, facilitando o movimento golpista.
Um fato
indiscutível é que a ditadura implantada em 1964 não tem paralelo na história
do Brasil.
Apesar de ser denominada de ditadura militar, muitos civis colaboraram e
participaram
desde a eclosão do golpe de estado até o final da ditadura em 1985. Foram
os
militares que deram o golpe, que escolhiam os presidentes, que comandaram o
aparato repressivo
e deram as ordens de caçar e exterminar grupos de esquerda, mas a
ditadura
não teria se instalado se não houvesse o apoio civil e também a ajuda externa
do governo
norte-americano sob as presidências de Kennedy e Johnson. O golpe de
estado não
contou apenas com apoio de tanques e fuzis. Tinha partidos políticos de
direita,
meios de comunicação agressivos, empresários inimigos dos trabalhadores e
sindicatos,
fazendeiros armados contra as Ligas Camponesas, religiosos anticomunistas,
entre
outros. Todos eles foram tão golpistas quanto os militares. A ditadura foi,
portanto,
tão civil quanto militar.
*Fernando
Alcoforado, 74, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e
Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento
empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é
autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De
Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordemMundial (Editora Nobel, São
Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do
Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento
do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft
& Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para
o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e
Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores
Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012), entre outros.
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